Não é de hoje que Guilherme Nazareth, CEO da Trela, resolve comprar alguma briga com o mercado de delivery de supermercados. Ao cutucar concorrentes, ele tem mantido sua startup entre os nomes lembrados do segmento, em meio a outras startups como Daki e Shopper. Entretanto, agora a briga foi para os meios oficiais: na sexta passada, a Trela protocolou no Ministério Público de São Paulo uma denúncia contra a Shopper, acusando a empresa de práticas anticoncorrenciais.
Segundo o documento, ao qual o Startups teve acesso, a Trela acusa a Shopper de fazer contratos com seus fornecedores, onde oferecem altos valores em troca de exclusividade, proibindo esses comerciantes de vender produtos a outros plataformas concorrentes.
De acordo com Guilherme, a prática começou recentemente, há menos de um mês. “Cerca de duas semanas atrás, um fornecedor antigo nosso simplesmente nos comunicou que o pedido que receberíamos seria o último, sem maiores explicações. Ficamos confusos”, explica Guilherme, em conversa com o Startups.
A partir disso, e de conversas com outros parceiros, que chegaram proativamente para explicar o que a Shopper supostamente estaria fazendo, a Trela identificou cerca de dez fornecedores que foram abordados para fechar contratos de exclusividade. “É uma ofensiva recente, especialmente na base de fornecedores que compõem nosso core de produtos, de alta qualidade”, aponta Guilherme.
Segundo o CEO, alguns fornecedores mais próximos da Trela enviaram uma cópia do contrato – uma minuta padrão que promete R$ 1 milhão de investimentos (mídias sociais, Shopper ads e push notifications) no fornecedor, mas por doze meses eles não poderiam fornecer seus produtos a empresas como Trela, Daki, Rappi Turbo, Mercado Livre e Amazon. Tais trechos do contrato da Shopper foram incluídos na denúncia.
“Registre-se o absurdo: o contrato menciona expressa e nominalmente as empresas que serão proibidas de comprar dos fornecedores, numa ilícita e direcionada reserva de mercado”, disse a Trela, no processo protocolado junto ao MP. Segundo Guilherme, a empresa teve que prometer confidencialidade aos fornecedores que entregaram o contrato. “Eles têm medo de represálias”, completa o CEO.
O Ministério Público agora tem que avaliar se aceita ou não a denúncia para transformá-la em um processo de fato.
Nada de novo?
Outro detalhe interessante no processo aberto pela Trela são as constantes referências ao iFood, empresa que liderou uma rodada na Shopper de cerca de R$ 150 milhões no fim do ano passado.
Em trechos do documento, indica-se que a Shopper iniciou uma parceria de expansão com sua investidora. “Está em marcha, portanto, um plano da Shopper para dominar o mercado. Primeiro a empresa contatou os principais fornecedores e os prometeu ‘uma grana pesada'”, destacou a Trela no processo.
Contudo, a Trela também fez em sua denúncia paralelos com condutas passadas do iFood. “O iFood comprou participação significativa na Shopper em novembro de 2024. A nova sócia, pioneira no mercado de pedidos online e maior foodtech da América Latina, é conhecida no mercado por suas práticas parasitárias e de concorrência desleal”, diz a empresa no documento.
Para Guilherme, a Shopper está basicamente repetindo o que o iFood fez por anos, até ser restringido pelo Cade em 2023. Entretanto, por se tratar de um outro segmento (delivery de super mercado e não de comida), as regras são outras.
“Essas práticas já prejudicaram o mercado antes, e o iFood foi acusado pelo Cade deste tipo de concorrência desleal. A Shopper agora foi investida pelo iFood e está replicando esse playbook. Não vamos deixar isso passar”, dispara Guilherme.
Resposta da Shopper
A reportagem do Startups procurou a Shopper para ouvir seu lado da história, mas a startup não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
Atualmente, a Shopper conta com cerca de 700 fornecedores em sua base, conforme apurou o Startups, um número bem acima da estimativa de 15 a 20 fornecedores que teriam sido abordados pela companhia, conforme acusa o processo da Trela.
Vale lembrar que, a princípio, contratos de exclusividade não são um dispositivo ilegal no mercado. Entretanto, a negociação do Cade com o iFood em 2023 tinha como foco restringir o volume desta prática a fim de evitar concentração de mercado.
No Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido à época, foi previsto que até 25% do volume de vendas (GMV) no iFood poderia estar atrelado a restaurantes exclusivos. Nos 49 municípios com mais de 500 mil habitantes, apenas 8% dos restaurantes que trabalham com a plataforma podem assinar contrato de exclusividade.