A guerra dos aplicativos de delivery no Brasil acaba de ganhar, oficialmente, um novo player. A Keeta, da chinesa Meituan, escolheu as cidades de Santos e São Vicente, no litoral paulista, para dar início às suas operações no país. O serviço começa em 30 de outubro e marca o primeiro passo de um investimento bilionário: serão R$ 5,6 bilhões destinados a estruturar e expandir as operações brasileiras ao longo dos próximos cinco anos.
A escolha das cidades-piloto não foi aleatória. Com forte presença de pequenas e médias empresas no setor de alimentação – 82% dos pedidos de delivery em Santos vêm de PMEs, contra 69% em São Paulo –, a região oferece o ambiente ideal para testar o modelo da Keeta, que tem apostado em estratégias localizadas para impulsionar negócios menores.
A empresa promete usar seu know-how global para reduzir gargalos operacionais – como tempo de espera de entregadores e rotas ineficientes – e aumentar a segurança com o lançamento de um capacete inteligente voltado inicialmente para ciclistas de entrega.
Segundo Tony Qiu, presidente de operações internacionais da Keeta, a companhia já cadastrou mais de 700 restaurantes em Santos e São Vicente, incluindo grandes redes como Sodiê, The Coffee, Seven Kings e Mania de Churrasco, além de nomes locais como Hey Burger, Chef Rangel e Bardega Pizzaria. Mais de 2 mil entregadores também estão sendo treinados na região antes do início oficial das operações. A meta é expandir rapidamente para a capital paulista até o fim de 2025, repetindo no Brasil o modelo que fez da Meituan um gigante global – são 770 milhões de usuários por ano e cerca de 80 milhões de pedidos diários.
A chegada da Keeta promete acirrar a disputa em um mercado que, até aqui, tem o iFood como líder absoluto. A plataforma brasileira tem se movimentado para proteger seu domínio – em agosto, elevou para R$ 17 bilhões o plano de investimentos até março de 2026, em resposta direta à movimentação da rival chinesa e ao retorno do 99Food.
Nos bastidores, a disputa já extrapolou o campo do marketing: a Keeta entrou na Justiça contra o 99Food, acusando a concorrente de adotar cláusulas contratuais com restaurantes que restringiriam a entrada de novos players.
Apesar do entusiasmo, o desafio é grande. O Brasil já mostrou ser um terreno complicado para operações de delivery internacionais – casos como o do Uber Eats e da Glovo são exemplos recentes de saídas precoces. Além das diferenças culturais e regulatórias, a competição por taxas, exclusividade de restaurantes e condições de trabalho dos entregadores segue intensa e cada vez mais vigiada por órgãos reguladores, como o Cade.
Para os restaurantes, especialmente os menores, a entrada de um novo player pode representar mais poder de negociação e acesso a ferramentas tecnológicas que ajudem na operação diária. Para os entregadores, há expectativa de melhorias em segurança e eficiência – embora parte da categoria mantenha ceticismo, temendo que “mude apenas a coleira”. Já os consumidores podem se beneficiar da disputa com preços mais competitivos e prazos de entrega menores.
Como subsidiária internacional da Meituan, a Keeta atua atualmente em Hong Kong, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos (Dubai). Fica a dúvida se a companhia conseguirá se adaptar à cultura brasileira, e se o valor a ser investido será suficiente.
Fontes ouvidas pelo Startups alegam que o valor seria baixo para fazer frente aos custos de um negócio como esse no país – que envolvem contratação de equipe, suporte aos entregadores, marketing, tecnologia e despesas com armazenamento em nuvem, banco de dados, IA, entre outros.
Para se ter uma ideia, a Rappi anunciou recentemente um investimento de R$ 1,4 bilhão no Brasil nos próximos três anos para ampliar a presença da marca em restaurantes. O valor seria usado principalmente para subsidiar as tarifas até julho e focar em uma estratégia de menor preço no app. Ou seja, a Rappi teria programado mais de um terço do orçamento anual da Meituan apenas para investimento em marketing.
No fim, só o tempo dirá se a Keeta conseguirá transformar o investimento bilionário em participação real de mercado e, quem sabe, desbancar o iFood do posto de líder nacional.