Paulo Perez, CEO da Biofy | Foto: divulgação
Paulo Perez, CEO da Biofy | Foto: divulgação

Quem disse que alucinação de IA é algo ruim? Para a Biofy, o que costuma ser visto como um defeito da IA generativa virou um de seus principais trunfos. A partir de sua tecnologia própria de sequenciamento de DNA, a healthtech de Uberlândia (MG) está se destacando globalmente como uma solução para combater um dos principais desafios da medicina atual – o combate a bactérias e infecções.

“Não era algo que estávamos prevendo, mas no fim das contas se tornou algo bom. É uma situação em que o lado ‘criativo’ da IA pode contribuir para algo positivo”, explica Paulo Perez, cofundador e CEO da Biofy, em um papo exclusivo com o Startups.

Antes de falar de como as alucinações de IA viraram um diferencial, é válido dar um passo atrás, já que a startup conquistou seus primeiros clientes com outro tipo de solução.

De acordo com Paulo, a Biofy nasceu como uma software house de inteligência artificial, desenvolvendo soluções para terceiros. Contudo, ao ver uma palestra de Jensen Huang sobre o futuro da IA em saúde, o CEO percebeu que ali estava uma oportunidade.

Conversando com médicos e pesquisadores, a Biofy decidiu atacar um problema urgente: a demora no diagnóstico e na escolha correta de antibióticos para tratar infecções bacterianas, um dos principais fatores nos quadros de sepse, que matam até 70% dos pacientes em alguns hospitais brasileiros.

De olho nesse desafio, a Biofy desenvolveu internamente uma tecnologia que combina sequenciamento de DNA de quarta geração com um algoritmo próprio capaz de “vetorizar” genomas. Com isso, a solução identifica rapidamente qualquer bactéria presente na amostra — mesmo mutações — e, em segundos, aponta resistências a antibióticos.

Enquanto exames tradicionais levam de três a cinco dias, a Biofy faz tudo em cerca de quatro horas. Segundo Paulo, o avanço é relevante em termos de tempo e precisão, pois métodos como o PCR respondem apenas se o paciente tem ou não uma bactéria específica, e o antibiograma tradicional só consegue testar um organismo por vez.

“Se você tiver duas bactérias, o exame tradicional pega uma só. A gente pega todas — dez, vinte, trinta”, explica o CEO. De acordo com ele, a precisão chega a 95%, superior aos pouco mais de 80% dos modelos convencionais. “Nosso objetivo final é que ninguém mais morra de infecção”, destaca.

Embora a tecnologia seja mais cara que um antibiograma básico — cerca de R$ 900 por exame —, ela é mais barata que outros testes de infecção complexa e, segundo Perez, tende a ser incorporada por operadoras. “Para a operadora é muito melhor pagar o exame do que manter um paciente internado. UTI é muito cara”, explica.

O momento em que entram as alucinações

Hoje o banco da Biofy tem cerca de 720 mil genomas vetorizados, mas a startup não quis ficar somente nisso. Utilizando o que poderia ser um defeito da IA a seu favor, ela treinou o Llama, da Meta, para “alucinar” e prever possíveis mutações de bactérias existentes, rodando cenários em gêmeos digitais de organismos humanos.

Como resultado, foram geradas mais de 100 mil sequências sintéticas como potenciais mutações futuras. “Normalmente associam alucinação da IA a algo ruim. Para nós, ela é boa, porque prevê como a bactéria pode evoluir”, pontua Paulo, afirmando que elas já foram adicionadas ao banco vetorial da startup.

Com essa base científica, a empresa mira um plano mais ousado: criar novos medicamentos antimicrobianos. A Biofy está montando um time de pesquisa dedicado a desenvolver peptídeos capazes de matar bactérias resistentes. “A gente vai treinar um modelo para gerar novos peptídeos. Hoje já é possível sintetizar, testar in silico e produzir”, explica o CEO.

A empresa não tem planos de virar uma farmacêutica, mas pretende ser dona da propriedade intelectual desses novos medicamentos, licenciando-as para as fabricantes. “Com isso, a gente fecha o ciclo: identifica a bactéria, recomenda o antibiótico existente e, se não existir, cria o novo”, afirma.

Validação e metas

Apesar de ter sido desenvolvida em 2024, a solução de vetorização e detecção de bactérias da Biofy só virou produto no começo deste ano. A partir daí, a companhia iniciou um ciclo agressivo de validação, inclusive com estudos clínicos em andamento no Hospital Dante Pazzanese, referência em cardiologia e infectologia. “No Dante, até hoje, não erramos nenhuma identificação”, afirma Paulo.

Segundo o CEO, o modelo de negócios da Biofy será por licenciamento, com laboratórios terceirizados encarregados da coleta e sequenciamento das amostras. A plataforma da startup é 100% SaaS, rodando na Oracle Cloud Infrastructure, e vetoriza os DNAs a partir dos arquivos do sequenciamento.

Atualmente, alguns laboratórios em São Paulo e Minas Gerais já estão concluindo seus protocolos de validação e devem ser os primeiros no país a oferecer o exame comercialmente. O plano de Paulo é se tornar o novo padrão de diagnóstico rápido de infecções no Brasil, chegando a 24 mil exames ao fim de 2026.

“É uma meta modesta, ainda mais sabendo que no Brasil são feitos cerca de 4,8 milhões de antibiogramas anualmente. Com seis laboratórios parceiros, batemos a meta de 24 mil. Se uma grande operadora de saúde incorporar o exame, esse número pode saltar para 240 mil ou até mais”, dispara.

Reconhecimento internacional

O reconhecimento internacional veio rápido. A Biofy foi a primeira empresa brasileira a abrir o keynote do AI World, o principal evento global da Oracle, e levou dois prêmios mundiais — um de Saúde e outro de IA. O impacto foi imediato: “Lá fora, você não tem noção do interesse. A gente já está abrindo a Biofy Inc. nos Estados Unidos no primeiro trimestre de 2026”, diz Paulo.

Ainda sem cidade definida — Austin, Nashville ou Vale do Silício estão na lista — a empresa está em fase final para ser integrada ao sistema de gestão hospitalar de “uma grande empresa de tecnologia”. “Essa empresa tem 90% do mercado de saúde nos EUA. Se fechar, aí a conversa é outra”, afirma.

Países como México, Catar, Kuwait, Chile e Espanha também já iniciaram conversas com interesse na tecnologia da Biofy. “A exposição no evento da Oracle foi a melhor vitrine possível. Tem mais países nos procurando do que temos capacidade de atender no momento. A demanda é real e a gente só precisa escalar”, afirma o CEO.

Para se preparar para um salto rápido de crescimento, a healthtech fechou recentemente uma rodada seed no Brasil, cujo valor e investidores o CEO preferiu não divulgar. Uma nova captação deve acontecer em breve: uma rodada nos EUA deve sair assim que a Biofy Inc. estiver formalmente criada. “As cifras lá fora são muito maiores”, resume.