Ao conversar com os líderes de algumas das maiores empresas do Sul do país, a frase mais comum que ouvi foi a seguinte: 5 anos atrás, falar de inovação aberta ou de Corporate Venture Capital (CVC) era algo impensável para o mercado gaúcho, cuja estratégia de décadas era marcada pelo protecionismo e pouca troca entre os negócios.
Entretanto, o cenário está mudando, e grandes empresas do cenário dos pampas estão puxando a frente. Nomes de segmentos distintos como Randon (transporte), Panvel (saúde) e Meta (tecnologia), entre outros, resolveram entrar no jogo da inovação aberta, investindo pesado com seus CVCs para se incluir no ecossistema de startups e inovação.
Dentre as grandes empresas gaúchas, a Randon foi uma das pioneiras em abrir os caminhos da inovação aberta, lançando o seu veículo (a Randon Ventures) em 2019, um bom tempo antes do boom de investimentos nas startups brasileiras. Contudo, conforme explica o CTO e VP executivo da Randon, Daniel Ely, dar esse passo não foi fácil.
“Tivemos muita resistência interna, tanto que começamos nosso trabalho de aproximação com o ecossistema junto à startups não ligadas ao nosso core business. Foi preciso quebrar alguns paradigmas”, pontua, em entrevista exclusiva ao Startups. Uma das portas de entrada foi por meio dos desafios do RH da companhia, tanto que uma das primeiras startups a trabalhar com a Randon foi a Gupy, hoje uma dos maiores HRTechs do país.
Conforme destaca Daniel, desde então, muita coisa mudou na Randon Ventures, que já investiu em 8 startups, com R$ 25 milhões aportados. “Mantemos um ritmo de 2 a 3 investidas por ano e, na nossa tese, previmos um montante total de R$ 50 milhões em 5 anos. Estamos na metade, por assim dizer”, avalia Daniel.
Entre as últimas investidas da gestora estão empresas com serviços complementares ao seu core business, como a Reboque.me (assistência a motoristas), Abbiamo (controle de processos logísticos) e Sirros (IoT para geolocalização e telemetria). “Para 2023, temos um pipeline de mais dois investimentos, e uma parte de nossos recursos também deve ir para uma iniciativa de corporate venture building”, revela.
Além dos esforços internos, outro passo importante citado pelo executivo da Randon foi a criação do Instituto Hélice, hub que reuniu 4 “potências” da economia da serra gaúcha para pensar a inovação aberta e apoiar startups locais. Além da Randon, entraram na iniciativa a Marcopolo (montadora), Soprano (indústria de construção civil e utensílios) e Florense (setor moveleiro).
“Isso deu uma mensagem para a cena gaúcha: se 4 grandes empresas estão fazendo isso, elas estão vendo algo que muitos ainda não viram”, pontuou Daniel. Apesar da união de forças, colocar a iniciativa em andamento não foi fácil. “A primeira reunião foi curiosa, pois inicialmente ninguém queria abrir o jogo sobre suas dores internas. Levou um tempo para mudar a mentalidade protecionista de décadas”, destaca.
A outra Meta
O Grupo Meta é uma empresa de serviços de TI com décadas de atuação no cenário gaúcho – ou seja, ela existia muito antes da Meta que hoje é a empresa de Mark Zuckerberg. Com 32 anos de mercado, a companhia de São Leopoldo conta com 300 clientes em 8 países e uma equipe de mais de 3 mil pessoas.
Em 2019, após uma imersão no mercado norte-americano para conhecer a cultura local de inovação aberta, a companhia resolveu entrar no jogo em 2019 com a criação da Meta Ventures, seu braço de CVC. “Na época vimos lá fora que mudança grande estava para acontecer, trazida pelas startups, e muitas empresas grandes não estavam vendo, ou ignorando. Foi uma grande oportunidade de reposicionar no mercado”, destaca Telmo Costa, fundador e CEO da Meta.
A primeira investida foi a Ayga, startup especializada em soluções de Internet das Coisas. “Começamos com uma tese muito particular nossa, que era investir sem pressa e com qualidade. Além de botar dinheiro, investimos nosso dinheiro e acompanhamento para desenvolver os negócios e abrir portas. A partir disso, pensamos em como levar essas soluções para ajudar na transformação digital de nossos clientes”, explica Telmo, ao Startups.
A partir desta ideia, a Meta foi ao mercado com um desafio. Em 2020 a empresa lançou o Bring Your SaaS, iniciativa que ajudou cerca de 200 startups de todo o país, e rendeu investimentos diretos da Meta de aproximadamente R$ 20 milhões, em sete startups. O projeto já está na sua 3ª edição, e o plano da integradora é fechar 2023 com 12 investidas.
Além dos esforços em VC, a Meta já colocou em ação um plano de venture building. Em parceria com a já citada Ayga, a companhia investiu R$ 25 milhões na criação da Flowen, uma nova empresa com foco no monitoramento inteligente da distribuição de água. Desse montante, R$ 11 milhões já foram investidos e o restante deve ser aplicado nos próximos dois anos.
Atualmente, a Flowen está realizando o projeto-piloto do seu primeiro produto na Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), responsável pelo abastecimento de dois terços do mercado gaúcho. A solução é baseada em medidor de água ultrassônico, com os dados sendo reunidos em uma plataforma cloud.
Para Telmo, a nova empresa é um passo inédito para a Meta, que a partir da parceria com uma startup e uma identificação de uma necessidade de mercado, resolveu acelerar uma solução de nicho, mas com um grande mercado endereçavel. “É uma empresa com potencial de crescimento global, já que lida com um problema básico: o da gestão hídrica”, pontua.
Além das farmácias
A Panvel é a mais recente das grandes empresas citadas aqui a entrar no ramo do CVC – ela colocou seu veículo de investimentos em ação no ano passado, aportando um valor não revelado na Lincon, healthtech que desenvolveu uma solução de acompanhamento preventivo para doentes crônicos.
Na época, o plano revelado pela rede de farmácias foi o de ir além do varejo – hoje a Panvel possui 538 lojas na região Sul – e reforçar sua frente de serviços e bem-estar. Foi a motivação que fez a companhia montar, um ano antes de seu CVC, o Panvel Labs, primeiro esforço da empresa em fazer inovaçao aberta.
“Desde a criação do Labs, trabalhamos ativamente na criação de conexões, e hoje temos cerca de 20 startups conectadas à empresa, endereçando desafios como gestão de estoque, logística e outros. A partir desta conexão e dos resultados obtivos, o CVC se tornou o passo seguinte”, explica Julio Mottin Neto, CEO do Grupo Panvel.
Para Julio, no caso da Panvel, a empresa já possuía uma forte cultura interna de inovação, então o desafio foi ajustar a conversa interna para receber as soluções vindas de fora. “Um ponto fundamental dentro foi a criação do Panvel Labs, uma área dedicada a conversar com as startups e ajudar elas a andar junto conosco. Geralmente as grandes empresas não tem uma área dedicada a conversar com as startups”, dispara.
Quanto aos próximos passos da Panvel Ventures, Julio adianta que a empresa já tem novos negócios em andamento, dentro do montante inicial de R$ 15 milhões que a companhia separou para o seu CVC. “Temos 5 startups no pipeline de decisão e devemos anunciar novas rodadas este ano”, finaliza.