Não é a toa que os bastidores da OpenAI são guardados a quatro chaves, com funcionários que pouco falam sobre suas funções, e uma sede em San Francisco que nem tem o logo da companhia na frente. Contratações sem muito critério, muitos ruídos de comunicação, um backend chamado de “depósito de tralha”: esses foram os detalhes internos dados por um ex-funcionário que saiu recentemente da empresa.
No fim de junho, Calvin French-Owen, engenheiro que atuava em um dos mais promissores produtos da OpenAI para o futuro, “pediu as contas”. Profissional experiente (ex-cofundador da Segment, vendida para a Twilio por US$ 3,2 bi), ele decidiu que já tinha visto o suficiente em um ano na fábrica de LLMs mais badalada do planeta.
Segundo Calvin, a saída ocorreu sem maiores dramas, e seu motivo principal para a decisão foi a vontade de voltar ao que realmente ama: o “caos” de fundar uma startup própria. Entretanto, antes de sair Calvin resolveu contar, em um post no seu blog pessoal, um pouco sobre os bastidores da empresa tech mais badalada dos últimos tempos.
No ano que Calvin integrou o time de desenvolvimento o Codex, o novo agente de programação da OpenAI, que tenta rivalizar com ferramentas como Cursor e Claude Code, da Anthropic, Calvin viu a companhia crescer vertiginosamente, embalada por altas rodadas de investimento.
Em pouco mais de doze meses, a companhia liderada por Sam Altman subiu de 1 mil para 3 mil colaboradores e viu a base de usuários do ChatGPT “explodir” para cerca de 500 milhões de pessoas. Entretanto, segundo o ex-funcionário, o crescimento vertiginoso culminou em um efeito colateral indesejado.
“Tudo quebra quando você escala tão rápido: como se comunicar como empresa, estruturas de reporte, como lançar produto, organizar pessoas, contratar…”, escreveu Calvin. Segundo ele, as equipes variavam drasticamente em cultura, com algumas sempre em ritmo de sprint, outras atuando de forma mais controlada.
“Não existe uma única experiência na OpenAI — as áreas de pesquisa, aplicada e go-to-market operam em cronogramas muito diferentes”, destacou Calvin, que também deu um detalhe inusitado sobre o uso de ferramentas internas. “Uma peculiaridade da OpenAI é que tudo — e quero dizer tudo mesmo — funciona no Slack. Não existe e-mail. Acho que recebi uns 10 e-mails durante todo o tempo em que estive lá”.
Código bagunçado
Apesar dos investimentos gigantes, em sua essência a OpenAI ainda atua como uma startup, com profissionais atuando com uma certa autonomia. Entretanto, segundo Calvin, isso se tornou um verdadeiro inferno, especialmente quando se trata de integridade dos códigos. “Devo ter visto meia dúzia de bibliotecas diferentes só para gerenciamento de filas ou loops de agentes”, contou.
De acordo com o ex-funcionário, a companhia também tem dificuldades para conciliar o trabalho de engenheiros com diferentes perfis. De um lado, engenheiros experientes vindos do Google que sabem escalar para bilhões de usuários. Do outro, doutores recém-formados que ainda estão descobrindo como versionar um projeto.
De acordo com o ex-funcionário, o repositório central da empresa, que roda em Python – e que foi apelidado por ele de “back-end monolítico” — se tornou “um verdadeiro depósito de tralha”. “O sistema frequentemente quebra ou demora séculos para rodar, e o os líderes de engenharia sabem disso e estão tentando arrumar a casa”, disparou.
O time de Calvin, com cerca de oito engenheiros, quatro pesquisadores, dois designers, dois comerciais e um PM, lançou o Codex em apenas sete semanas, em um sprint que signficou pouquíssimas horas de sono para os profissionais. Mesmo com o ritmo maluco de trabalho, Calvin ficou satisfeito com o resultado, e a ferramenta acabou se tornando um sucesso. “Nunca vi um produto crescer tanto só por aparecer na barra lateral esquerda. Esse é o poder do ChatGPT”, disse ele.
Segredos de empresa
Em um mercado acirrado como o da IA, guardar segredos virou lei para muitas empresas. Na OpenAI, a cultura interna é digna de um aquário blindado, segundo destacou Calvin. A preocupação com vazamentos é tanta que virou política informal. Ao mesmo tempo, tudo que viraliza no X vira assunto interno. “Um amigo brincou: ‘essa empresa funciona à base das vibes do Twitter’”.
Já sobre a segurança da tecnologia, um assunto que até hoje é discussão para muitos, Calvin não tem críticas para a sua ex-empresa. Segundo ele, para Sam Altman o foco é bem mais prático do que apocalíptico, sem filosofias de “robôs dominando o mundo” Segundo ele, a conversa gira mais em torno de evitar ideias “discurso de ódio, abusos, manipulação política, armas biológicas, automutilação, prompt injection”.
Contudo, ele reconhece que a empresa está, sim, olhando para os riscos de longo prazo, com pesquisadores dedicados a isso. Afinal, centenas de milhões de pessoas já usam os LLMs da casa para tudo, de pedir conselhos médicos a fazer terapia.
Em cima disso, o crescimemtno acelerado da IA em grandes corporações, e até mesmo em questões governamentais, estão fazendo a OpenAI olhar com mais atenção aos detalhes. “As apostas são realmente altas”, finaliza Calvin.