Inteligência artificial

Gerentes estão entre os mais ameaçados pela IA nas empresas, alerta Margaret Spence

Tecnologia está reformulando estruturas de poder nas empresas, e que lideranças intermediárias correm risco se não se reinventarem

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Homem com as mãos na cabeça indicando preocupação, sentado em frente ao computador
Homem com as mãos na cabeça indicando preocupação, sentado em frente ao computador (Foto: Canva)

A transformação da IA não está apenas otimizando tarefas operacionais, está redesenhando a estrutura hierárquica das empresas. E, ao contrário do que muitos imaginam, quem mais deveria estar atento a esse movimento não são os profissionais da base, mas sim os gerentes de nível médio.

Essa é a visão de Margaret Spence, consultora, estrategista de negócios e fundadora do The Inclusion Learning Lab e do The Employee to CEO Project, que alerta para uma mudança radical no mercado de trabalho. Segundo ela, enquanto muitos CEOs ainda resistem a temas como letramento, diversidade e inclusão por acharem que essas questões não os afetam diretamente, também não estarão imunes à disrupção tecnológica.

Para ilustrar, Margaret cita o caso real de uma empresa, cujo nome preferiu não revelar, que eliminou praticamente todos os níveis de gestão intermediária, mantendo apenas o CEO e o vice-presidente. Todos os demais cargos de liderança – managers, heads, líderes e coordenadores – foram substituídos por agentes de inteligência artificial.

Nesse novo modelo, os profissionais da base passaram a focar em funções estratégicas, enquanto a IA assumiu as tarefas operacionais. “Foi aí que se percebeu que aquilo que os líderes estavam gerenciando era, na verdade, desnecessário. Eles estavam gerenciando tarefas – e isso, a IA consegue fazer”, explica Margaret.

Microgerenciamento VS autonomia artificial

A lógica é simples: se a principal função dos gerentes era administrar tarefas e processos, e a IA executa essas funções com mais eficiência, o papel deles se torna dispensável. Os colaboradores que antes eram supervisionados passam a atuar de forma mais autônoma e estratégica, reduzindo ou eliminando a necessidade de supervisão intermediária.

Na análise de Spence, o problema é que “99% do que os gerentes fazem hoje é gerenciar processos e comportamentos microscópicos” – supervisionar rotinas, comportamentos e administrar tarefas básicas. “Se a IA está gerenciando as tarefas e rotinas, e os trabalhadores agora fazem a estratégia, por que precisaríamos de gerentes? A IA vai mudar esse contexto, vai chacoalhar esses líderes.”

Margaret reforça: que até os CEOs que ignoram a diversidade ou a educação em IA vão ser desafiados. “Eles não estarão confortáveis no futuro, porque a disrupção vai alcançá-los também.” Nesse contexto, os gerentes que se acomodarem em cargos focados no controle de tarefas e processos precisam repensar o valor que agregam.

Margaret Spence, consultora, estrategista de negócios e fundadora do The Inclusion Learning Lab e do The Employee to CEO Project
Margaret Spence, consultora, estrategista de negócios e fundadora do The Inclusion Learning Lab e do The Employee to CEO Project (Foto: Divulgação)

O papel das lideranças

O desafio vai além da simples substituição de funções. Ao mesmo tempo em que os gerentes estão em risco, as lideranças têm um papel fundamental em promover o engajamento dos colaboradores, preparando-os para desenvolver habilidades complementares à inteligência artificial.

“Hoje nós temos gerentes inadequados, que não são bons até para eles mesmos, determinando o futuro de todas as pessoas”, alerta Margaret. São esses líderes os responsáveis por implementar programas de capacitação, oferecer cursos e conduzir transformações culturais. No entanto, muitos ainda não fazem isso, ou o fazem de forma superficial, o que prejudica diretamente o progresso dos profissionais, que precisam se desenvolver para se manterem relevantes no mercado. “Colocamos esses líderes em posições que, na prática, impedem o progresso dos demais.”

O problema começa na base da estrutura organizacional. Se não corrigirmos os processos de atração, desenvolvimento e retenção de talentos, especialmente no caso de grupos historicamente sub-representados, como mulheres, pessoas negras, indígenas e pessoas de baixa renda, estaremos apenas perpetuando um ciclo de exclusão.

Nesse contexto, o letramento em IA precisa ser universal, acessível e efetivo. Caso contrário, a tecnologia, que poderia ser uma aliada na promoção de equidade, se tornará um “beijo da morte” para o futuro dessas populações.

E não adianta investir em capacitação se os colaboradores retornam a ambientes disfuncionais, liderados por gestores despreparados. O acesso ao conhecimento sobre IA deve ser democratizado, mas isso só gera impacto se o ambiente organizacional estiver pronto para acolher e incentivar esse desenvolvimento.

A questão central, segundo Margaret, é que não basta engajar os colaboradores na transformação digital. É preciso, antes, preparar as lideranças para promover esse engajamento. Gerentes e executivos do alto escalão precisam ser treinados para motivar pessoas a aprender, lidar com seus próprios medos, reconhecer erros e reconstruir a autoconfiança das equipes. Só assim será possível criar culturas de aprendizagem contínua – espaços em que todos possam se desenvolver e estar, de fato, prontos para o futuro.

Para ela, a inteligência artificial representa, possivelmente, a maior disrupção comportamental das nossas vidas. E com essa transformação vem a necessidade urgente de rever práticas de gestão, estruturas organizacionais, direitos e dinâmicas sociais. “Estamos falando de uma mudança que afeta pessoas, instituições e toda a lógica de funcionamento da sociedade.”

Diante disso, Margaret deixa uma pergunta: “Como fazer as pessoas mudarem?” A resposta, segundo ela, exige a construção contínua de um conjunto de ferramentas. Entre elas, alinhamento estratégico, avaliação e desenvolvimento de competências, incentivo ao aprendizado, programas de upskilling, desenvolvimento de lideranças e educação acessível. Trata-se de reformular não apenas estruturas, mas também o modo como lideramos, engajamos e preparamos pessoas para um futuro em que a colaboração entre humanos e máquinas será a norma, não a exceção.

Em sua primeira vinda ao Brasil, Margaret, que nasceu na Jamaica e hoje vive nos Estados Unidos, atua como consultora e apoiadora do Potenc.IA, programa gratuito de letramento em inteligência artificial voltado exclusivamente para mulheres. A iniciativa é fruto da parceria entre 50 empresas e a Prosper Digital Skills, organização especializada no desenvolvimento de habilidades digitais para transformação social. Do básico ao avançado, o Potenc.IA busca reduzir os impactos dos avanços da IA na força de trabalho feminina e promover protagonismo e equidade na transformação digital. Inspirado na trajetória e nas ideias de Margaret, o programa conta com sua atuação direta na estruturação dos conteúdos voltados a mulheres e grupos minorizados .