Em 2025, 75% dos investimentos feitos por fundos de venture capital acontecerão com o apoio da inteligência artificial, segundo a empresa de pesquisa Gartner. E olha que a previsão foi feita em 2017, quando a OpenAI tinha apenas dois anos de vida e a IA generativa ainda nem era um tema.
Nomes como Tribe Capital e Correlation Ventures estão bastante adiantados por terem abraçado o modelo de Quantitative investing, ou investimentos quant, para a sua tomada de decisões. Mas a realidade geral do mercado é que o número projetado pelo Gartner ainda parece bem distante de se concretizar. Mas o direcional é claro: todos os fundos vão usar inteligência artificial. “Se não usar, a acuracidade das duas decisões, comparada com outros fundos, terá prejuízo”, crava Milena Oliveira, sócia e cofundadora da Volpe Capital.
Segundo ela, a gestora já vem discutindo internamente quem será o fornecedor dessas ferramentas. “É um produto necessário”, completa. Como a IA ajuda muito na previsibilidade e na otimização, Milena destaca dois cenários em que ela poderá ajudar os gestores de fundos. O primeiro é o acompanhamento do portfólio, com sinalização em tempo real de problemas que eventualmente só seriam detectados mais adiante. O outro é na hora de fazer novos negócios. Como os sistemas são treinados com exemplos, será fácil ter acesso a modelos de negócios, casos de empresas que deram certo, ou errado, e contexto sobre características de mercado que levaram a determinado desfecho.
Gustavo Gierun. managing partner do Distrito, acrescenta ainda a possibilidade de uso no seleção de negócios a serem avaliados, já que os fundos costumam receber muitos contatos e gastam muito tempo avaliando pitches. A IA poderia fazer esse processo inicial de entrevistas, por exemplo. “As ferramentas vão ajudar as gestoras a serem mais eficientes e, consequentemente, darem mais retorno aos investidores”, ressalta.
O problema virá quando aparecer algo muito inovador, que nunca foi feito antes. “Como o modelo vai te ajudar a ter essa previsibilidade de que isso vai dar certo?”, questiona Milena. Por isso ela destaca que o elemento humano, o tête-à-tête de conhecer o fundador, as pessoas do time, e a leitura de sinais subjetivos do processo de investimento, continuarão a ser fundamentais, já que nenhuma máquina será capaz de reproduzir isso. “A IA será uma ferramenta importante na tomada de decisão, mas ela jamais vai substituir o olhar do investidor experiente que está olhando um aspecto mais geral do investimento do que simplesmente os dados”, afirma.
Marcello Gonçalves, sócio da DOMO, que se diz avesso a hypes, conta o caso de um fundo americano do qual a gestora é próxima e que usa um grande volume de dados para gerar relatórios enormes que balizam suas decisões. “Eles investiram na FTX”, pontua. “Acho que o investimento jamais será decidido por uma máquina. Nosso mercado não vai mudar dessa maneira”, completa.
Milena, Marcello e Gustavo participaram nesta semana de um painel sobre o impacto da IA nos investimentos em startups que aconteceu durante o Oracle Insights Sessions, em São Paulo. A conversa foi mediada pelo fundador e editor-chefe do Startups, Gustavo Brigatto.
Quem paga a conta?
Mais do que boa vontade, se tornar um data-driven VC exige investimento. E é aí que está o grande gargalo. “A gente tem um faturamento limitado. Diferentemente das startups a gente não faz rounds. Eu dependo do dinheiro que eu consigo captar. E a gente tem o 2% de taxa de administração que é o que banca o nosso dia a dia. Então a que ponto eu tenho que estar para tomar a decisão de contratar um software que vai me ajudar na decisão, ou um talento que vai me ajudar na decisão também?”, pondera Marcello. Segundo ele, na DOMO, essa decisão ainda não está no horizonte. Para ele, há outras decisões anteriores a serem tomadas na vida empresarial do negócio. “Pelo menos no nosso caso o Gartner vai ter que rever a projeção”, brinca o gestor.
Gustavo Gierun adiciona um outro ponto que tende a segurar um pouco o avanço da IA pelos gestores brasileiros: a falta de dados disponíveis sobre o mercado. Ele avalia que, dentro de casa, os fundos têm muitas informações sobre suas atividades. Mas será preciso uma evolução para que haja mais compartilhamento de dados entre os diferentes players.
Mas se em casa de ferreiro o espeto é de pau – ou seja, se nem os VCs estão implantando a IA em ritmo acelerado – como cobrar isso das investidas e de possíveis adições ao portfólio?
De acordo com Milena e Marcello, tanto Volpe quanto DOMO não têm exigido que startups estejam na última moda. Pelo contrário. “Se não tiver de IA de verdade, não precisa nem colocar na apresentação do negócio”, diz Milena. O que precisa ser feito, segundo ela, é acompanhar as evoluções do mercado e fazer as mudanças de rota necessárias para se adaptar caso haja sentido estratégico. Para Marcello, a IA só deve se tornar um tema central da tese de investimento daqui uns 3 ou 4 anos, quando o assunto estiver mais maduro – e a gestora estiver em seu próximo fundo.
E 2024?
“Precisa ser melhor [que 2023]”, dispara Milena quando perguntada sobre as expectativas para o ano. Segundo ela, as empresas passaram por ajustes e reorganizações nos últimos dois anos, focando em produto e no desenvolvimento sustentável dos negócios. Além disso, os fundadores ficaram mais preparados. Para ela vão haver mais rodadas de VC na medida que os negócios estão mais estruturados. “Investir em tencologia na América Latina é um ótimo investimento. Se você Investir agora talvez seja a melhor safra do seu fundo”, acrescenta.
Marcello destaca o cenário econômico com queda de juros e ressalta que o Brasil tem mostrado evolução e que, não se atrapalhando, o cenário é positivo. Para ele, o aumento do custo de oportunidade para quem está em uma grande empresa e pensava em empreender por uma questão oportunística também aumentou, o que garante que quem está na linha de frente está realmente comprometido no que está fazendo.
Gustavo Gierun comenta que o volume de transações já vem aumentando desde o fim do ano passado, o que é uma sinalização positiva para 2024. Janeiro e fevereiro também têm mostrado fundos mais confiantes em tomar risco, segundo ele. “Estou animado. Acho que vamos passar por pelo menos mais dois anos de avanço da indústria. Não quer dizer que vamos chegar nos níveis de 2021. Talvez nem deveria. No fim das contas, a consistência é mais importante do que esses picos de crescimento”, finaliza.