Alternativas de investimento ganham espaço no inverno de VC

Opções como venture debt e M&As podem garantir crescimento mesmo em cenários de juros altos e investimento restrito

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Negócios | Foto: Startups

Em períodos de juros altos, investidores mais criteriosos e redução no volume de investimentos, encontrar alternativas além do venture capital tornou-se essencial para que os empreendedores mantenham suas startups em operação e, especialmente, garantam a continuidade e o crescimento dos negócios.

“Existem alternativas ao venture capital para que os empreendedores não fiquem tão refém desse dinheiro”, disse Fernando Mirandez Gomes, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, durante painel sobre o futuro do capital de mercado de investimentos na América Latina, promovido pelo Asaas Connect nesta quinta-feira (10). “Algumas opções, inclusive, podem ser bastante vantajosas por não exigirem a diluição do equity (participação acionária) da startup”, acrescentou.

Uma das alternativas é o venture debt (ou dívida de risco). Diferente do venture capital, em que os investidores adquirem uma participação acionária e se tornam sócios da empresa, no venture debt a startup recebe capital na forma de dívida, que deve ser paga com juros em um prazo determinado. Essa modalidade de financiamento pode ser atraente para empresas que preferem não diluir ainda mais sua participação acionária, uma vez que o foco está no pagamento dos empréstimos, e não na cessão de quotas ou ações. Além disso, o venture debt pode ser uma opção viável para companhias que não têm garantias ou fluxo de caixa suficiente para justificar um empréstimo tradicional.

“Em um cenário de valuations apertados, o venture debt pode ser benéfico para os empreendedores, pois oferece o capital necessário sem impactar diretamente o valuation do negócio. Temos observado um aumento nas rodadas de venture debt, não apenas com fundos brasileiros, mas também com investidores estrangeiros realizando essas operações no Brasil”, comentou Fernando.

Como toda modalidade de investimento, o venture debt também tem as suas desvantagens. Assim como em qualquer empréstimo, a dívida deve começar a ser paga de imediato pelo empreendedor, acrescida de juros, o que pode pressionar o fluxo de caixa, especialmente em empresas que ainda não geram receitas constantes.

Durante conversa com a empreendedora, investidora e conselheira Stéphanie Fleury, o executivo também destacou o potencial das finanças descentralizadas, conhecidas como DeFi. Esse ecossistema de aplicações financeiras, construídas sobre redes blockchain, opera sem intermediários tradicionais, como bancos ou corretoras. Com isso, os usuários podem realizar transações financeiras, como empréstimos, negociações de ativos e investimentos, diretamente entre si, utilizando contratos inteligentes (smart contracts).

“Isso permite que o empreendedor tenha um fôlego financeiro maior até conseguir realizar a próxima rodada de investimentos, além de aproximar o mundo das startups das empresas que não são nativas digitais, que já estão mais acostumadas a essas estruturas. A vantagem das finanças descentralizadas é que elas dispensam a necessidade do sistema tradicional para o financiamento, servindo como uma alternativa ao venture debt”, destacou.

No entanto, as DeFi também apresentam desafios. O ecossistema é complexo e envolve riscos de segurança, volatilidade e incertezas regulatórias que podem limitar sua adoção. Assim, embora ofereçam uma forma inovadora e acessível de captação, as DeFi são mais indicadas para startups que compreendem bem o mercado cripto e buscam evitar os caminhos tradicionais do venture capital.

Stéphanie Fleury, investidora, conselheira e fundadora da DinDin, e Fernando Mirandez Gomes, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, em painel no Asaas Connect 2024
Stéphanie Fleury, investidora, conselheira e fundadora da DinDin, e Fernando Mirandez Gomes, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, em painel no Asaas Connect 2024

M&A como alternativa

“Muito se fala sobre IPO, mas a saída por M&A também pode ser extremamente vantajosa para ambos os lados”, afirmou Stéphanie Fleury, fundadora da conta digital DinDin, que foi vendida para o Bradesco em dezembro de 2020, tornando-a a primeira mulher a vender uma startup para um banco na América Latina. “Um aspecto relevante do M&A, que ainda é pouco comentado, é a aceleração da maturidade do ecossistema ao conectar diferentes players, além de proporcionar aos fundadores de primeira viagem uma experiência valiosa”, destacou.

Fernando dividiu as aquisições por M&A em dois grupos. O primeiro abrange as empresas incumbentes adquirindo startups para acelerar sua transformação digital. “Grandes players como Magalu, Itaú e Bradesco começaram a comprar startups para se digitalizar, integrando inovações criadas por essas empresas ao seu ecossistema”, apontou.

Essa transição, no entanto, requer adaptação de ambas as partes: a startup, que opera em um ambiente ágil e dinâmico, precisa se ajustar à rotina de uma organização consolidada, que possui maior governança e, muitas vezes, processos decisórios mais lentos. Por outro lado, a grande empresa encontra uma cultura altamente inovadora, com uma capacidade robusta de se adaptar às mudanças e demandas do mercado.

“O melhor tipo de M&A é aquele em que o comprador permite que o fundador continue livre para conduzir sua startup como antes. É crucial não prender o empreendedor em uma caixa, permitindo que cada parte desempenhe seu papel com o que faz de melhor, para que assim possamos colher os frutos da colaboração e acelerar os negócios”, explicou.

O segundo grupo refere-se a startups adquirindo outras startups. Em um cenário mais restritivo para captações, a tendência é que as empresas que não conseguem levantar investimento acabem sendo vendidas. E aqueles que têm capital disponível podem aproveitar para adquirir concorrentes e potenciais parceiros.

“Empresas que conseguem levantar um grande investimento muitas vezes utilizam esses recursos para realizar aquisições, comprando startups que não se sustentaram financeiramente, mas que possuem equipes e produtos de excelência. Isso se torna uma estratégia para consolidar suas operações, crescer e aumentar sua competitividade contra os incumbentes”, destaca.

Recentemente, a fintech Asaas anunciou uma mega rodada Série C no valor de R$ 820 milhões, liderada pela BOND, com participação da Softbank, 23S Capital e Endeavor Catalyst. A empresa informou que parte dos recursos será destinada a aquisições, potencializando sua já ativa estratégia de M&As. Em março deste ano, o Asaas realizou sua terceira aquisição, ao comprar a NexInvoice, uma startup de automação de contas a pagar do grupo Guiando. Antes disso, a empresa já havia adquirido a Base ERP e a Code Money, em 2021.

Já a Gupy, aproveitou o cheque de R$ 500 milhões para comprar a Kenoby, sua principal concorrente na área de recrutamento e seleção. Em 2022, a Adobe adquiriu a rival Figma, desenvolvedora de uma plataforma online de design colaborativo, por US$ 20 bilhões. Outro exemplo é a Betterfly, unicórnio chileno do segmento de recursos humanos e benefícios corporativos, que comprou a brasileira SeuVale para expandir seuportfólio de serviços voltados para o RHs.