Investimento

País do futuro? VCs gringos buscam mais que escala no Brasil

Com oportunidades de país jovem, Brasil tem ecossistema maduro. Fundos gringos do Cubo destacam importância do mercado local

Brasil. Foto: Canva
Brasil. Foto: Canva

O que leva um fundo de venture capital estrangeiro a investir em startups brasileiras? A resposta mais óbvia é, talvez, o tamanho do mercado local, que garante às empresas um grande poder de escala e, consequentemente, crescimento. Mas vai além disso. Com o ecossistema de startups mais amadurecido, o país oferece as oportunidades de um país jovem, com a estrutura regulatória e o ambiente de negócios de economias mais avançadas.

Outras características únicas do mercado brasileiro, como a resiliência dos empreendedores, a mentalidade early adopter da população, e o potencial para liderar a corrida pela transição energética e a bioeconomia, são fatores que têm ajudado o Brasil a sair da eterna posição de “país do futuro” para, quem sabe, tornar-se finalmente o país do presente.

“O Brasil representa um mercado consumidor significativo na América Latina, onde ideias que prosperam aqui têm uma tendência natural de sucesso regional. Observa-se também que os reguladores brasileiros frequentemente mostram maior receptividade à inovação em comparação com seus pares na América Latina e globalmente. Esses são os principais pontos de atratividade do Brasil para investidores e empreendedores”, avalia Ingrid Barth, presidente da Abstartups e do startup20 no Brasil.

Casos de sucesso

Conectados ao Cubo Itaú, em São Paulo, dois fundos de venture capital argentinos, o GRIDX e o Kamay Ventures, chegaram há pouco tempo no país e ilustram a vontade do ecossistema latino de se aproximar do Brasil. Além dos fatores de atração citados por Ingrid, também chamam atenção os casos de sucesso de empresas brasileiras como Nubank, iFood e Gympass, além do crescimento de empresas latinas por aqui, como o Mercado Livre, a Decolar e a Creditas.

O GRIDX é um fundo de VC no modelo de company building que investe em equipes científicas que queiram empreender em biotecnologia. Apesar de atuar na América Latina desde 2017, o fundo só chegou ao Brasil em 2021 – e ficou bandeira no Cubo no final do ano passado. Também tem escritórios na Argentina, no México e, em breve, no Uruguai.

Morando no país desde 2010, o argentino Francisco Salvatelli, partner do GRIDX, conta que sempre soube que havia oportunidades e boa ciência no Brasil. No entanto, o tamanho do mercado assustava. “O Brasil é grande, é difícil, tem suas barreiras. Mas desde o início sabíamos que, se queríamos investir na América Latina, o Brasil era o lugar para se estar. Temos a maior biodiversidade do planeta aqui e ferramentas para explorar essa biodiversidade. Além disso, queremos ir atrás de investidores brasileiros, como family offices”, explica.

Ambiente regulatório e democracia

Para Francisco, outro ponto importante é o avanço no ambiente regulatório brasileiro, com o Marco Legal das Startups, por exemplo, e o apoio de instituições como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao governo federal, e o Sebrae.

“Temos visto avanços, como uma abertura maior das universidades para o empreendedorismo, além de marcos jurídicos, como a lei do Microempreendedor Individual (MEI), e programas de fomento à inovação. Sabemos que é importante estar aqui. Pode ser que o Brasil demore a engatar, mas quando engata, sai da frente”, brinca o partner do GRIDX.

E, de fato, muitos fundos de venture capital que surgiram no Brasil no início do ciclo das startups já engataram, ressalta Pedro Sirotsky Melzer, vice-presidente da Abvcap, founding partner da Igah, Ventures, e sócio do Pátria Investimentos.

“O Brasil tem hoje gestoras de VC que estão indo para a quarta ou quinta safra de fundos. O país tem ciclos completos, tem IPOs – mesmo que alguns tenham sido feitos de forma irresponsável. Além de ter escala e um contexto muito favorável. Uma população jovem, conectada, aberta a adotar novas tecnologias. Não dá para esquecer também que somos um dos maiores países democráticos do mundo. Temos um desafio de instabilidade política, mas não temos um problema geopolítico. Não temos interferência governamental no mercado de tecnologia, o que nos coloca na frente de países como a China ou do Oriente Médio”, diz Pedro.

Corporações sólidas

Foram esses fatores que levaram a Kamay Ventures a trazer sua operação para o Brasil em março deste ano, depois de cinco anos atuando na América Latina. O VC faz parte de um grupo chamado Overboost, que além do investimento em startups, também oferece consultoria de inovação a grandes corporações e organiza e executa eventos corporativos. Com as três vertentes, o objetivo é aproximar as startups das grandes empresas.

Atualmente, a Kamay gere fundos de venture capital para três companhias: Coca-Cola Company, Bimbo e Arcor. Entre as startups brasileiras investidas por esses fundos estão a Nude, de alimentos à base de aveia, e a LogShare, que conecta empresas interessadas em vender a capacidade ociosa de suas rotas com aquelas que buscam oportunidades eficientes de frete.

Venture partner na Kamay Ventures, o brasileiro Humberto Matsuda conta que existe um isolamento natural do país em relação aos vizinhos latinoamericanos tanto em razão do idioma, que é diferente, quanto às dimensões territoriais. No entanto, ele acredita que esse cenário está mudando e que há um movimento de investidores brasileiros participando mais do ecossistema de inovação latino.

“O Brasil ainda é o principal mercado de VC na América Latina. Tem mais dinheiro e fundos aqui do que comparado com outros países individualmente. Mas ainda tem algumas verticais muito menos atendidas aqui do que em outros países. Por exemplo, na parte de drones. Não é um problema tecnológico, porque o Brasil tem polos de excelência, mas o ambiente regulatório ainda é hostil para essa atuação. Mas há muitas oportunidades”, explica Humberto, que acrescenta: “No nosso caso, percebemos que as companhias brasileiras estão investindo cada vez mais no Corporate Venture Capital (CVC) e estamos sempre buscando novas corporações sólidas para comporem os investidores do fundo”.

Soluções globais

Mas, afinal, o que as startups brasileiras devem fazer para atrair fundos de venture capital estrangeiros? Para Ingrid Barth, da Abstartups, é importante que essas empresas ofereçam soluções com potencial global, mesmo que no longo prazo. Além disso, ela aponta que setores como fintech, saúde, educação, varejo e mobilidade têm mostrado forte crescimento no Brasil, aproveitando desafios locais como oportunidades.

“Adaptar tecnologias para atender às demandas diversificadas do mercado brasileiro não só prepara as startups para escalar localmente, mas também as posiciona para uma expansão eficaz em mercados globais. Essa abordagem não só aumenta a atratividade para investidores internacionais, mas também fortalece a capacidade das startups de competir globalmente”, diz Ingrid.

Já Pedro Sirotsky Melzer, da Abvcap, acrescenta que uma boa forma de atrair investimentos é olhando para problemas locais como oportunidades. Afinal, as dificuldades encontradas por aqui podem ser as mesmas de outros mercados. Ele cita como exemplo o sistema financeiro brasileiro, que era concentrado, caro e ineficiente, e com as fintechs ganhou novas possibilidades.

Outro setor que, segundo Pedro, oferece chances de crescimento, é o da saúde, que também sofre com ineficiência e acesso limitado. E, ainda, o segmento de cibersegurança e antifraude, que são problemas globais, além de soluções climáticas.

“Tem muito espaço para investimento em tecnologia no Brasil ainda. E hoje temos investidores locais muito qualificados fazendo a curadoria dessas startups, o que dá mais segurança para os investidores estrangeiros. Muitos dos fundos de fora e locais estão posicionados para olhar oportunidades de clima e agricultura. Tem muita atenção e sede ao pote de encontrar soluções que resolvam. É importante que as gestoras locais contribuam fazendo uma curadoria para mostrar quem realmente está desenvolvendo uma solução relevante”, avalia.