Expectativa é de queda nos juros em 2026 | Foto: Shutterstock
Expectativa é de queda nos juros em 2026 | Foto: Shutterstock

O ecossistema de startups entra em 2026 otimista, porém, desconfiado. E com motivos. Se por um lado existe a promessa de um novo ciclo de crescimento puxado pela inteligência artificial e uma eventual queda nos juros, do outro, há fatores que podem adiar ainda mais a aceleração de um setor que nos últimos anos viu suas fontes de financiamento secarem e as saídas via IPO se fecharem. A baixa disposição ao risco, influenciada pela instabilidade do ambiente geopolítico global, também ganha um agravante local com as eleições presidenciais em outubro.

Segundo levantamento do Sling Hub, os aportes em equity nas startups brasileiras atingiram em 2025 o menor nível em quatro anos, com US$ 1,7 bilhão investidos, queda de 34% em relação ao ano anterior – e de 64% em relação aos US$ 4,8 bilhões registrados em 2022. Ao que tudo indica, o ano de 2026 ainda exigirá dos founders resiliência e criatividade para levantar recursos.

Emanuele Colonnelli, professor de Finanças e Empreendedorismo da Booth School of Business da Universidade de Chicago, afirma que o uso de instrumentos de dívida combinados com equity continuará sendo uma tendência global para driblar a falta de liquidez no venture capital.

“Fundadores têm recorrido a um conjunto mais amplo de instrumentos de financiamento para controlar a diluição, alongar o runway e adequar a estrutura de capital ao estágio da empresa e ao seu perfil de geração de caixa. Na prática, isso tem se traduzido em uma combinação mais cuidadosa de equity com opções estruturadas ou não dilutivas, especialmente no caso de empresas que já apresentam alguma tração operacional”, diz.

Segundo ele, a inteligência artificial deve seguir como um foco central, mas com uma alocação de capital mais seletiva.

“Investidores estão cada vez mais atentos a quais empresas demonstram adoção real, casos de uso repetíveis e caminhos críveis para escalar, em vez de um entusiasmo amplo e difuso em torno da tecnologia em si. Esse movimento se parece mais com um amadurecimento do mercado do que com uma perda de interesse”, aponta.

Taxa de juros

Do lado positivo, as quedas esperadas nas taxas de juros, tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, ainda que em ritmos e níveis distintos, podem ajudar a criar um ambiente mais favorável para o capital de risco no ano que vem. Alexandre Pires, professor de Economia do Ibmec-SP, afirma que a taxa de juros doméstica tende a continuar acompanhando o diferencial histórico em relação aos Estados Unidos, em cerca de 800 pontos-base, refletindo o prêmio de risco associado à situação fiscal do país. Ou seja, o espaço para baixar os juros no Brasil depende, em grande parte, de quanto o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) estará disposto a cortar as taxas nos EUA.

Atualmente, a taxa de juros dos EUA está entre 3,5% e 3,75%, mas o mercado espera cortes para 2026. “Os EUA vivem uma situação boa. A inflação ainda não está onde desejado, mas o país vive praticamente um pleno emprego. Além disso, o Powell [Jerome Powell, presidente do Fed], sai no ano que vem e a expectativa é que entre um presidente mais alinhado à visão do Trump, que vem pressionando por redução nos juros. Com essa mudança pode ser que as taxas caminhem para algo próximo a zero em juros real”, avalia Alexandre.

Mesmo com cortes ao longo de 2026, a avaliação do economista é que a Selic dificilmente cairá para patamares próximos de 10% sem uma melhora significativa nas contas públicas. A combinação de dívida em trajetória de alta, rigidez orçamentária e ausência de reformas mais profundas mantém os juros reais elevados, próximos da média histórica brasileira.

Segundo o boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no dia 22, a projeção para a taxa básica de juros no fim de 2026 é de 12,25% ao ano.

Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central do Brasil e CEO da goindex, alerta para o comportamento das taxas de juros de longo prazo. Apesar da expectativa de cortes nas taxas básicas, os juros longos permanecem elevados em várias economias, indicando um aumento estrutural do prêmio exigido pelos investidores.

Para startups, esse movimento pesa diretamente sobre os cálculos de valuation, ressalta o economista. Um eventual achatamento das curvas de juros seria um sinal positivo para o mercado de tecnologia, ao reduzir o custo de capital e melhorar as condições para investimentos de longo prazo.

Outro risco mapeado por Tony está na concentração excessiva do otimismo em torno da inteligência artificial. Para ele, grande parte do cenário positivo atual nos EUA está ancorada na continuidade do ciclo de investimentos em IA.

“Qualquer coisa que coloque esse movimento em risco, como uma correção mais forte de mercado, por exemplo, pode fazer com que os fatores negativos, como o enfraquecimento do mercado de trabalho, prevaleçam”, alerta. Em um cenário mais recessivo, isso poderia afetar o câmbio e limitar o ritmo de queda dos juros no Brasil.

Por outro lado, se o ambiente externo permanecer favorável e a volatilidade global seguir controlada, o economista vê espaço para uma retomada gradual do apetite por risco. “Se a bolsa continuar indo bem, isso movimenta o setor como um todo, aumenta a disposição para colocar dinheiro novo e reforça a expectativa de reabertura do mercado de IPOs”, afirma.

O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, caminha para encerrar o ano com alta de mais de 30%, enquanto os índices S&P 500 e Nasdaq, de Wall Street, acumularam alta de 18% e 22%, respectivamente.

Geopolítica no centro

A geopolítica continuará sendo uma variável central na definição dos fluxos globais de venture capital em 2026, aponta Emanuele. De acordo com o professor da Universidade de Chicago, investidores passaram a olhar com mais atenção para onde as tecnologias são desenvolvidas, para o grau de exposição das empresas a tensões regulatórias ou comerciais e para a resiliência de seus mercados e cadeias de suprimento a choques políticos.

“O venture capital seguirá buscando altos retornos, mas cada vez mais tem sido direcionado a geografias e modelos de negócio percebidos como mais robustos diante da fragmentação geopolítica”, afirma.

No Brasil, o mercado espera um ano mais instável em razão das eleições, com ritmo de crescimento reduzido, apesar da inflação sob controle. O boletim Focus prevê uma alta de 1,8% do PIB em 2026 – contra uma expectativa de crescimento de 2,5% a 3,2% em 2025. Já para a inflação, a projeção é de 4,06%.  

“Com as eleições, o mercado começa a precificar o risco político, com um cenário mais positivo ou menos. Como não temos candidatos definidos, ainda existe uma certa incerteza que o mercado está tentando antecipar, o que gera volatilidade”, afirma Alexandre Pires, do Ibmec-SP.

Para ele, caso os juros reais fiquem próximos de zero nos Estados Unidos, isso pode se refletir em um maior apetite por risco lá fora, mas que não necessariamente se traduzirá em maior liquidez no Brasil, que ainda permanece com taxas de juros reais elevadas.

“No Brasil, o governo acaba disputando com o empreendedor. Por aqui, o nível de retorno operacional esperado das empresas tem que ser muito maior para competir com os juros estratosféricos”, diz.