
A Keeta desembarcou no Brasil prometendo dinamizar o disputado mercado de delivery e ampliar as oportunidades para restaurantes e entregadores. Antes mesmo da sua estreia no país, porém, a companhia já está realizando mudanças no seu quadro de pessoal – com demissões e novas contratações. Os desligamentos atingiram inclusive alguns dos primeiros contratados, responsáveis por estruturar a operação local e viabilizar a chegada da companhia ao país.
Fontes ouvidas pelo Startups alegam que 60 colaboradores da Keeta no Brasil já teriam sido demitidos nas últimas semanas (inclusive, uma lista com nomes chegou a circular em redes sociais). Controlada pela chinesa Meituan, a Keeta anunciou que seu serviço começará a funcionar no dia 30 de outubro em Santos e São Vicente, no litoral paulista, escolhidas para ser cidades-piloto.
Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, as demissões decorrem de “problemas de cultura” que já afetaram a operação desde o começo. De acordo com um ex-funcionário, que inclusive foi um dos primeiros contratados para a operação de recrutamento na companhia, a empresa estava mais preocupada em bater metas e acelerar sua operação em vez de construir uma cultura interna forte.
“Todo mundo entrava com altas expectativas, já que era uma empresa grande, com grandes planos. Mas rapidamente nos deparamos com um ambiente de pressão constante, com metas difíceis”, afirma o ex-recrutador da companhia. Segundo ele, um exemplo dessas metas era a orientação de prospectar somente funcionários da 99Food ou iFood, oferecendo salários altos – prática que esbarrava em problemas como os contratos com cláusulas de não concorrência.
“Nós não conseguíamos fechar vagas, porque as pessoas só queriam alguém com experiência daquele setor. Só que o iFood não vai liberar essas pessoas daquele setor, porque sabe que são valiosas. A 99 tampouco vai liberar, porque sabe que são valiosas”, afirma.
“Eles demitiram pessoas com ótima performance sem motivo algum. Eu já trabalhei em muita empresa de tecnologia e sei que métricas são o essencial mas nunca tinha visto dessa forma. E tinha pouco feedback, o que gerava muita insegurança. Em pouco tempo, já tinha muita gente querendo sair”, afirma a fonte.
Outro ex-funcionário que conversou com o Startups revelou que estava ativamente procurando outro emprego durante o seu tempo na Keeta, dada a falta de segurança no ambiente da multinacional. “Acreditei que, como a empresa é gigante, quem estivesse no começo cresceria muito rápido. Chegando lá a realidade foi outra. A estrutura em si era bem ruim, ficavam trocando de coworking o tempo todo. Não havia uma estrutura bem definida”, revela.
De acordo com ambas as fontes ouvidas pelo Startups, o fato de as demissões coincidirem com a troca de CNPJ da operação brasileira da Keeta (nos seus primeiros meses, ela era terceirizada), não foi uma mera coincidência. “Vários não passaram do período de experiência. Eles falavam do período de uma forma que eu nunca tinha visto, definindo metas no meio dele e dizendo que se elas não fossem batidas em 100%, pessoas seriam demitidas”.
Revisão de desempenho
Em nota enviada ao Startups, a Keeta reforçou que não houve layoff. Segundo a companhia, os desligamentos decorreram de um processo periódico de revisão de desempenho conduzido segundo as políticas e os calendários globais da empresa.
“As posições para a operação no Brasil foram integralmente preservadas e a companhia segue contratando conforme o plano de expansão”, destacou a empresa em nota. Atualmente, ela conta com cerca de 1,2 mil funcionários no Brasil, e quer chegar a 1,5 mil até o ano que vem.
Para um dos ex-funcionários, as demissões realizadas recentemente podem não ter relação com dificuldades financeiras, o que seria o caso de demissões em massa que atingem o mercado de tecnologia eventualmente, onde empresas precisaram “apertar o cinto” e ser mais eficientes. Entretanto, ele chamou a atenção para o lado “cultural” das dispensas realizadas.
“Quando demitiram cerca de 15 pessoas de onboarding, em uma tacada só, colegas perguntaram os motivos, se era salário, se era performance. A resposta da empresa foi que as demissões foram de pessoas que ‘poderiam representar riscos futuros para a companhia'”, disse a fonte para o Startups.
Disputas judiciais e caso de polícia
O aumento da concorrência entre os apps de delivery veio acompanhado de disputas judiciais e virou até mesmo caso de polícia. Recentemente, a Keeta entrou na Justiça contra a 99Food acusando a empresa de incluir “cláusulas de bloqueio” nos contratos com restaurantes parceiros. A Justiça paulista deu ganho de causa para a Keeta, mas a 99Food informou que vai recorrer da decisão.
Depois de ter abandonado sua operação no Brasil em 2023, a 99Food, controlada pela também chinesa DiDi, voltou ao jogo este ano, com operações em Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro, e o objetivo de se tornar um superapp.
Ainda neste mês, a Polícia Civil de São Paulo cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa de um ex-funcionário do iFood, para apurar furto de dados sigilosos e informações privilegiadas. A suspeita é que o homem estaria tentando vender esses dados e informações para as concorrentes do principal player de delivery do país.
As disputas chegaram também no âmbito trabalhista. Em agosto, o iFood enviou uma notificação extrajudicial à 99Food exigindo que a empresa pare de tentar recrutar profissionais em cargos estratégicos que possuem cláusulas de não concorrência em seus contratos.