Startup Farm
Alan Leite, CEO e sócio da Startup Farm (Foto: Reprodução/LinkedIn)

O fim de tarde no Rec’n’Play 2025 ainda reservava um painel aguardado por quem acompanhou de perto o boom das startups no Brasil. Depois de uma agenda intensa de palestras e debates, um pequeno grupo se reuniu em uma das salas do evento, movido pela curiosidade: afinal, o que aconteceu com a Startup Farm?

Antes mesmo de se sentar, o CEO e cofundador da aceleradora, Alan Leite, quebrou o gelo com ironia:

“Então, vocês querem saber se a Farm morreu?”

A provocação arrancou risadas, e Alan seguiu o tom descontraído, perguntando quem ali era empreendedor, quem já tinha ouvido falar da Farm e quem estava apenas por curiosidade. O clima leve, de reencontro e lembrança, marcou o início de uma reflexão sobre a época em que a Farm era sinônimo de aceleração no Brasil.

“A Farm não morreu. Ela está de sabático, descansando um pouquinho depois de trabalhar muitos anos”, completou Alan, abrindo uma conversa que misturaria memórias, provocações e planos de futuro.

O ‘choque’ como aprendizado

Criada em 2010, a Startup Farm foi uma das primeiras aceleradoras privadas do Brasil, e tornou-se uma das mais importantes da América Latina. Com 21 turmas, mais de 250 startups e mil fundadores apoiados em 24 países, a iniciativa se consolidou como um marco na formação da cultura empreendedora e de inovação da região, com um volume anual de 4 mil inscritos para cerca de 60 selecionadas.

Durante o painel, Alan e parceiros – entre eles, ex-acelerados, investidores e sócios – revisitaram essa trajetória e o legado deixado pela companhia. “A Farm não morre enquanto a rede criada ainda existir”, resumiu o CEO, ao lembrar que o valor estava tanto no método quanto nas conexões criadas entre os empreendedores.

“Foi uma das melhores experiências que tive”, contou Leonardo Freire, CTO da Locus Software. “O aprendizado e os contatos duram até hoje.” Já Erick de Albuquerque, diretor-executivo da Frevotech, destacou que foi com a Farm que aprendeu o verdadeiro significado de smart money. “Percebi um enorme diferencial na qualidade das mentorias e no cuidado para que os empreendedores não se sentissem frustrados em seus negócios”, afirmou.

Além do suporte técnico e estratégico, a Farm ficou conhecida por sua cultura intensa. “A gente criava um ambiente laboratorial com o máximo nível de estresse, mas com suporte. Era sangue nas paredes, mas era para ajudar”, admitiu Alan.

A lógica era simples: testar rápido, errar rápido, aprender rápido. “Nosso processo de seleção era 90% análise de pessoas. Se o time é bom, ele mata rápido o negócio ruim”, lembrou.

Essa metodologia moldou uma geração de fundadores acostumada a lidar com pressão, tomada de decisão ágil e foco em métricas de resultado – algo ainda raro na primeira metade da década passada.

“O objetivo da Farm era oferecer tudo que o fundador precisava para avançar. Criávamos uma estrutura e uma trilha metodológica com conteúdo, acesso ao mercado, conhecimento e conexões – todos os elementos necessários para que o empreendedor acelerasse a validação do negócio e chegasse ao sucesso na outra ponta”, destacou Alan.

Por que a Farm parou

Após os anos de glória, o tempo passou, e o modelo, segundo Alan, deixou de se sustentar. “Para que o ambiente favoreça o nascimento e crescimento de empresas inovadoras, é preciso uma série de elementos – um deles é o acesso ao capital. A lógica e a estrutura de uma aceleradora exigem desenvolver os negócios para reduzir riscos e garantir que o capital investido retorne. É um modelo tão complexo que poucas aceleradoras no mundo conseguem se manter financeiramente de pé”, afirmou.

Em paralelo, o ecossistema passou a se diversificar. Hubs corporativos, programas de inovação aberta e fundos early stage começaram a ocupar o espaço antes exclusivo das aceleradoras tradicionais. “Há 12 anos, quando começamos, tudo o que a gente sonhava era ter coworkings, aceleradoras, investidores e empreendedores. Tudo o que acontece hoje era o nosso sonho de mais de uma década atrás”, disse Alan.

“Por volta de 2019, percebemos que o programa não estava ideal para aquele momento. Chegou um ponto em que entendemos que não estávamos entregando o valor que acreditávamos ser possível para o tipo de fundador com quem queríamos trabalhar”, explicou. “É um mercado muito duro, que exige inovação, investimentos, startups – a máquina toda. A taxa de mortalidade é altíssima, a taxa de burnout também, sem falar nos riscos e na responsabilidade fiscal.”

E agora?

O hiato começou há seis anos e, com o respiro, Alan consegue olhar para trás e analisar o que deu certo e o que poderia ter sido feito melhor. “A gente errou muito – não por falta de fé no projeto, mas por falta de experiência. Algumas empresas morreram, o que é natural. O problema mesmo foi na seleção das pessoas, que muitas vezes estavam desalinhadas com o perfil, a cultura e os valores da Farm.”

Embora não haja data definida para um retorno, Alan não colocou ponto final na história da Farm. “Temos muita vontade de voltar, e sempre aparece alguém perguntando o que precisa ser feito para retomar o projeto.” A resposta, simples na teoria, é difícil de aplicar na prática. 

“Tem dinheiro para financiar o projeto por 10 anos e ver no que dá?”, questionou. “Estamos falando de investimentos de longo prazo – há empresas em que colocamos dinheiro e ainda não tivemos retorno. Ao apoiar negócios iniciantes, existe sempre o risco: ou o retorno vem, ou a estratégia morre e vira zero, o que aconteceu algumas vezes.”

A pausa, segundo ele, é um tempo de reflexão. “Conversas acontecem eventualmente, mas ainda não há um plano estruturado para o retorno da Farm”, esclareceu.

Para Alan, um eventual retorno da aceleradora depende, primeiro, de um olhar profundo sobre os aprendizados e de refletir sobre como seria possível contribuir com o ecossistema novamente. “Será que os empreendedores precisam de uma estrutura como a da Farm hoje? O programa como era ainda faz sentido? A conta fecha? Se a resposta for não, não tem como. Tudo isso precisa ser avaliado”, concluiu.