Em 2019, quando o Grupo Boticário (GB) decidiu subir a barra na frente de inovação tecnológica, decidiu também intensificar sua atuação com startups. Agora, às vésperas de iniciar a 2ª edição de seu programa de aceleração, a gigante de cosméticos inicia uma nova fase de interação com os negócios da nova economia para melhorar sua experiência do cliente e eficiência operacional.
Com um faturamento de R$ 15,7 bilhões, o GB tem um portfólio de marcas como O Boticário, Eudora e Beauty Box, além do e-commerce Beleza na Web (comprado em 2019) e a Quem Disse, Berenice?. Desde o ano passado, o grupo tem feito uma série de aquisições no mundo das startups. Foram incorporadas a desenvolvedora de soluções para o varejo cearense Casa Magalhães e a consultoria especializada em inteligência artificial GAVB. Na semana passada, foi a vez da logtech Equilibrium.
Segundo Daniel Knopfholz, vice-presidente de tecnologia do grupo, o atual momento da empresa é parte de uma virada de chave: “Há 3 anos, o grupo era uma empresa bastante tradicional em termos de tecnologia, que tinha uma área de TI fazendo gestão de projetos e fornecedores, recebendo demandas e terceirizando tudo”, diz o executivo em entrevista ao Startups.
Em 2020, o Grupo Boticário direcionou mais de R$ 600 milhões para “investimentos para o futuro”, incluindo processos fabris, logística e tecnologia. Apesar de os números de 2021 ainda não terem sido divulgados, Daniel afirma que houve um aumento significativo nos recursos empregados nestas frentes no ano passado: “Estamos em aceleração de investimentos”, ressalta.
Com o intuito de unir as expertises de tecnologia e de negócios, a empresa resolveu internalizar todas as suas atividades de tecnologia, desde a experiência de consumidor, revendedor e franqueado, passando por áreas como o sistema de venda direta e o motor de promoções, onde mora a inteligência comercial da empresa, até o desenvolvimento e gestão de portais e aplicativos. As aquisições da Casa Magalhães e de códigos de fornecedores fazem parte deste processo de fortalecimento do arsenal tecnológico do GB, assim como o aumento da área de TI de 200 pessoas para 1,800 funcionários, em sua maioria desenvolvedores.
Apesar de a internalização trazer benefícios como o conhecimento do negócio por parte do time técnico, bem como controle e uma maior velocidade de execução, Daniel explica que o movimento também trazia riscos, como a tendência de estagnação. “Criar nossa própria plataforma é ótimo, nada como a nossa equipe para saber a dor do cliente e resolvê-la. Mas um risco – que felizmente não tivemos – é o de ficar focado em uma só tecnologia, olhando para o próprio umbigo”, diz o executivo.
Segundo Daniel, isso não ocorreu por alguns motivos, que incluem a aproximação com o mundo das startups. “Há um motivo de nos mantermos aquecidos e envolvidos com o que está acontecendo no universo da inovação, entendendo as novas tecnologias, monitorando tendências e estando perto de quem as gera. É uma mitigação. Além disso, entendemos que não conseguiremos fazer tudo com desenvolvimento próprio”, ressalta.
Outro motivador é a vontade da liderança da companhia de gerar mudanças sociais ao fomentar o empreendedorismo, bem como apoiar o desenvolvimento de negócios baseados em tecnologia na indústria da beleza. “O Brasil ainda tem muita escassez [de inovação no setor de cosméticos]. Entendemos que estimular o desenvolvimento de soluções nacionais em áreas como retail tech e beautytech é uma mitigação de riscos mas é um incentivo também para o mercado nacional: se estas evoluções servem para a gente, servem para outros”, pontua.
Resolvendo dores de founders
Para avançar rumo às suas ambições, o Grupo Boticário lançou um programa gratuito de formação de desenvolvedores em parceria com escolas como a Alura em 2020, e intensificou seus esforços no relacionamento com a comunidade open source. A GB Ventures, que opera sob a mesma diretoria do corporate venture capital do grupo, também está entre as iniciativas de fomento ao empreendedorismo e inovação.
Na ocasião do lançamento da GB Ventures em 2020, a companhia recebeu inscrições de 130 startups e selecionou 13 para o seu batch zero, que buscou selecionar retailtechs e beautytechs além de trend setters, empresas que podem impactar significativamente o comportamento do consumidor. O grupo incluiu empresas como a Feel, sextech que produz vibradores e produtos de cuidado íntimo, a Meu Q, que formula produtos de cabelo personalizados com inteligência artificial e a Beegol, que desenvolve um modelo de machine learning para recomendações.
Quando o assunto é o que fundadores ganham ao participar da aceleração do GB, Daniel diz que startups tem três benefícios diretos. Primeiro, há o acesso a uma ampla rede de relacionamentos, que podem abrir portas. “Conhecemos [fundadores] que estão fazendo trabalhos incríveis, que estavam em grandes multinacionais e conseguiam uma agenda rapidamente, mas quando perdem aquele sobrenome corporativo, levam porta na cara. Nosso programa tenta trazer uma solução para isso”, aponta Daniel.
Além disso, há a mentoria com executivos de alto escalão da empresa e líderes de mercado – como Ariel Lambrecht, cofundador da 99 e diversos outros empreendimentos e Paulo Veras, outro cofundador da 99 e empreendedor serial, além de conselheiro da empresa, que participaram da última edição. “É muito difícil para essas empresas poderem tirar dúvidas que levam a um business plan mais claro, como gestão de caixa com um CFO, ou investimento em mídia digital com uma VP de marketing. Trazemos referências de mercado e nossos executivos para tentar destravar estas dores”, frisa.
Outro vantagem é a oportunidade de contratos comerciais com o grupo. Isso não aconteceu na 1ª turma da aceleração, mas é uma possibilidade para a qual o GB tem uma “abertura declarada”, segundo Daniel. Por outro lado, o executivo ressalta que a gigante de cosméticos não quer que startups vejam o programa como um atalho para vender seus produtos para ela.
“O objetivo não é gerar um canal facilitado para que uma startup venda no Beleza na Web, ou coloque seus produtos nas nossas lojas. Isso pode acontecer quando vermos que os produtos são muito legais, que os empreendedores tem potencial de crescimento, mas não é algo obrigatório, nem um target do programa,” diz o executivo.
Por outro lado, a experimentação comercial com as startups também serve como um mecanismo para que o GB meça a aceitação de produtos desenvolvidos pelas startups. Por exemplo, a Feel fez uma parceria com a Quem Disse, Berenice? no dia da masturbação, que gerou bons resultados tanto para o GB quanto para a acelerada. “A Feel cresceu muito, sem dúvida pelo mérito da Marina [Ratton, fundadora da Feel e pelo trabalho muito bonito que ela faz, mas o selo de estar numa parceria e no programa com o Boticário faz muita diferença em termos de visibilidade, e para dar confiança para esta empresa também [por parte do público consumidor]”, diz o executivo.
O maior desafio em conduzir as iniciativas na frente de inovação tecnológica é a execução, segundo Daniel. “Quando você se propõe a atuar em todos os campos – fazer aquisição de empresas, acelerar, desenvolver pessoas – e sair de uma organização de 200 para mais de 2 mil pessoas em 2 anos e meio, garantir execução sem perder a qualidade interna, velocidade e a cultura é um desafio brutal,” ressalta o executivo. “Resolvemos isso com uma equipe de pessoas tecnicamente excelentes e adaptadas à nossa cultura.”
Mudando percepções
A aceleração do GB teve repercussões positivas mais profundas na empresa, em particular no que diz respeito a uma sofisticação no entendimento da alta gestão sobre como startups funcionam, e o que representam em termos competitivos. Parafraseando o presidente do grupo, Fernando Modé, Daniel diz que “startups sonham em ser o que a gente é, enquanto a gente sonha em ter as coisas que eles estão fazendo hoje”, e que a companhia teve a oportunidade de verificar isso na prática durante o programa.
“Toda empresa grande pensa que precisa ser mais rápida, tomar decisões de forma mais simples, ser menos burocrática. Elas veem as startups e querem trazer aquele ritmo, aquela pujança para dentro de si. Por outro lado, as startups olham para as grandes e falam que querem vender como elas, levar sua visão para um patamar superior, ter o mesmo impacto na sociedade”, aponta.
Segundo Daniel, há um caminho do meio que pode ser trilhado. “É sobre continuar com essa mentalidade de inovação, de velocidade de startup, aceitando que na maturidade vai ter que ter processo, capacidade de escalar, responsabilidade sobre o que se coloca no mercado,” pontua o diretor, acrescentando que apesar de isso parecer óbvio, executivos em incumbentes muitas vezes percebem o jardim do outro – no caso, as startups – como sempre mais verde.
A GB Ventures endereçou essa possibilidade ao conseguir uma alta adesão dos executivos mais sêniores da empresa, como vice presidentes e diretores, ao programa de aceleração. “Tivemos conversas muito frequentes entre nós e ao mesmo tempo entre os executivos dessas empresas, que perceberam que, para ser grande, tem que abrir mão de algumas coisas. Isso é fruto do nosso interesse, do alto envolvimento dos nosso C-level, e certamente gerou muitas coisas legais para nós também”, pontua Daniel.
Sobre as atividades dos próximos meses, o executivo diz que a empresa de cosméticos recebeu 166 inscrições para sua próxima turma de aceleração, com empresas que incluem startups trabalhando em segmentos como tokenização em varejo – algo que pode ser útil para o GB, em áreas como clubes de fidelidade – além de novos negócios focados em áreas como apoio na compra de cosméticos para consumidores com deficiência visual. O próximo batch de aceleradas terá entre 5 a 10 empresas, uma redução em relação à turma inicial. “Entendemos que 10 é um número bom para promover essa intimidade com a nossa alta gestão”, pontua.
Daqui a um ano, Daniel espera poder contar que a empresa está rodando soluções de startups, seja como aquisições ou como fornecedoras. “Esperamos ter avançado como uma plataforma que oferece condições para que startups com soluções inovadoras consigam se conectar com a gente. Seria muito legal poder falar de histórias de empresas pequenas, que ao interagir com uma empresa do nosso tamanho, tiveram uma aceleração verdadeira”, finaliza.