
Tecnologia de ponta 100% própria e desenvolvida “na gringa”, mas focada em um mercado bem brasileiro: o de motos elétricas. Esse é o plano da Auper, empresa fundada no Canadá, mas que desde o começo teve o Brasil como primeiro objetivo. Depois de anos no modo stealth, a empresa resolveu aterrisar no Brasil, já com primeiros modelos à venda e fabricação nacional.
Fundada em 2021 pelos brasileiros Silvio Rotili Filho e Alan Callegaro, juntamente com o norte-americano David Ofori-Amoah, a Auper é cria do McMaster Automotive Resource Centre (MARC), centro referência em desenvolvimento de tecnologias automotivas e que fica em Hamilton, região metropolitana de Toronto.
Um entusiasta das duas rodas, Silvio se mudou para o Canadá em 2017 para seu PhD, já com o plano de desenvolver uma empresa voltada à mobilidade elétrica. Antes de fundar a companhia, ele e Alan atuaram em projetos do MARC, trabalhando com grandes marcas automotivas como Stellantis e Chrysler. David, que atualmente é o engenheiro chefe na startup, trabalhou em empresas como Caterpillar e se somou à dupla no começo do projeto da Auper.
“Assim fomos desenvolvendo o know-how para desenvolver um projeto 100% nosso, criando sistemas eletrônicos, software, hardware, tudo “dentro de casa”, diferentemente de outros players que apenas importam e integram tecnologias que não são proprietárias”, explica Silvio, em conversa exclusiva com o Startups.
Tirando do papel
Em seus dois primeiros anos, a Auper operou no bootstrapping, com os fundadores investindo recursos próprios para fazer um modelo funcional da sua primeira moto – a 600 CE. Com o primeiro modelo testado e validado, a companhia fechou a sua primeira rodada – cujos investidores e valor não foram divulgados – no ano passado.
“Com esse primeiro investimento, começamos a planejar a chegada da nossa operação no Brasil, fazendo as certificações do produto e preparando a pré-venda”, destaca Silvio. “Ficou no stealth mode até praticamente agora. Não queríamos cantar alto até então, pq o que mais vimos nesse setor foram empresas que geraram buzz, e na hora de entregar decepcionaram. Mesmo assim, tivemos uma resposta além da expectativa”, completa.
A primeira edição da CE 600 – com motor mais potente e chamada de “founder edition” – teve suas 100 unidades esgotadas a um valor de R$ 49,900. As outras edições da moto, a 600 CE modelo base (R$ 25,900) e 600 CE de bateria estendida (R$ 34,900) também atraíram consumidores, com a empresa já anotando mais de 400 reservas. “Tudo isso, com zero de divulgação”, orgulha-se Silvio.
Para atender à demanda, a Auper agora está iniciando a fase de manufatura, com uma planta fabril própria em Joinville. A sede da empresa fica em Porto Alegre, no Tecnopuc, mas ela optou pela fabricação em Santa Catarina pelos benefícios tributários e facilidade na importação de componentes importados.
“A expectativa para o terceiro trimestre é de começar a entregar as primeiras unidades. Vamos começar com a fabricação e entrega destas edições da pré-venda, para que no ano que vem escalar de forma mais robusta a produção do nosso modelo-base”, pontua.
A empresa ainda tem uma estrutura enxuta, com pouco mais de 30 pessoasl, mas que deve ser ampliada ao longo do ano, de acordo com o aumento da demanda. No entanto, apesar do crescimento esperado para o headcount no Brasil, a companhia quer manter seu P&D no Canadá, e já tem modelos futuros para tirar do papel.
B2B e investimentos
Apesar do começo 100% B2C, uma das apostas da Auper para escala no próximo ano é o B2B, de olho em empresas que estão interessadas em motos elétricas para suas frotas. “A moto é apenas a parte inicial da nossa visão. Temos o foco B2C, mas a gente vê uma demanda gigantesca com o B2B, que tem coisas que se alinham com o nosso desenvolvimento, como a parte de segurança, rastreabilidade e gestão para entregadores”, destaca.
Além disso, Silvio destaca que o fato da Auper ter sistemas 100% próprios ajuda na hora de atender demandas específicas dos clientes B2B, e a companhia tem planos de montar uma frente dedicada ao B2B em um futuro não muito distante.
O interesse no B2B é respaldado por recentes anúncios no mercado. Em março, o iFood anunciou uma parceria com a a gestora Yvy Capital, investindo US$ 7,5 milhões para a estruturação de um fundo de US$ 50 milhões para acelerar o mercado de motos elétricas no país.
Por falar em investimentos, a Auper já abriu uma rodada para reforçar o caixa em sua fase de expansão fabril. Segundo Silvio, alguns fundos de fora já estão fechados com a empresa, e no momento a companhia está em conversa com investidores nacionais para completar o aporte.
“Para escalar a produção, é inevitável captar. Optamos por um misto de fundos de fora, que já investiram na rodada anterior e vão voltar, mas estão de olho também em investidores locais, que também podem abrir portas por aqui. Entretanto, não queremos apressar as coisas. Nosso plano é crescer de forma sustentada”, finaliza o CEO.
O comentário cauteloso de Silvio é uma referência indireta a outras companhias de motos elétricas que miraram alto para o mercado brasileiro, mas acabaram tropeçando na sua própria ambição. O maior exemplo disso é o da Voltz, montadora que recebeu mais de R$ 100 milhões da Creditas, investiu em lojas físicas, uma fábrica em Manaus, firmou uma parceria com o iFood para “eletrificar” sua frota de entregadores, mas teve dificuldades na fabricação e entrega dos modelos.
No ano passado, em nota à imprensa, o iFood divulgou que a parceria com a Voltz foi descontinuada, pois a montadora estava passando por dificuldades operacionais e financeiras, descumprindo prazos previstos e indicadores de qualidade exigidos pela companhia para manter a parceria.
Outra concorrente da Auper é a Vammo, startup que monta suas motos na Zona Franca de Manaus, mas opera em um modelo de assinatura para entregadores de aplicativos. A empresa, fundada pelo ex-Tesla Billy Blaunstein e Jack Sarvary (ex-Rappi), levantou R$ 30 milhões no ano passado.