No auge do hype dos carros elétricos, lá em 2015 e 2016, a Fisker chegou a ser vista por alguns como um sério concorrente na arena até então dominada pela Tesla. O motivo: à frente do negócio estava o renomado designer Henry Fisker, veterano com passagens em nomes graúdos como BMW, Ford e Aston Martin – isso sem contar que seu primeiro veículo, o SUV Ocean, chegou a chamar a atenção do público e teve um bom número de pedidos.
Entretanto, em 2024, o cenário para a Fisker é outro: a empresa está à beira de uma provável falência, após entregar poucas unidades da Ocean a seus clientes. Nos últimos meses, para tentar evitar o trágico desfecho, a companhia chegou inclusive a fazer seguidas ondas de demissões, uma em fevereiro e depois outra em abril, em uma medida desesperada para estancar a perda de caixa.
No fim de abril, o próprio Henry Fisker declarou em uma reunião com colaboradores que a companhia estava avaliando opções viáveis para o negócio, incluindo uma potencial venda, “comprometida em identificar potenciais compradores ou caminhos para injetar capital no negócio”, conforme reportou o TechCrunch.
Apesar das medidas para preservar o caixa, a espiral de queda da Fisker só se acentuou nos últimos meses. No último ano, as ações da empresa, listadas na bolsa desde 2020 por meio de uma SPAC, caíram 81%. Desde a sua abertura de capital, a companhia perdeu 97% do valor.
Em abril, a empresa largou seus planos de expandir o portfólio. No ano passado, ela anunciou dois novos produtos: o Pear, um veículo elétrico de baixo custo (US$ 30 mil) e produzido pela Foxconn, e o Alaska, querendo entrar no badalado mercado das pickups elétricas.
Outro movimento da Fisker que chamou a atenção foi o plano de desenvolver um Papamóvel totalmente elétrico e sustentável. Em 2021, Henry chegou a se reunir com o Papa Francisco para oficializar o projeto. Contudo, parece que a ajuda “divina” não surtiu muito efeito, e nada mais sobre o novo Papamóvel foi revelado.
Segundo um processo aberto nas últimas semanas, foi divulgado que Fisker parou de pagar à empresa de engenharia que a ajudou a desenvolver esses veículos. A empresa, uma subsidiária norte-americana da gigante de engenharia alemã Bertrandt AG, também acusa Fisker de reter indevidamente propriedade intelectual associada a esses veículos. Está pedindo cerca de US$ 13 milhões em danos – detalhe, segundo reports internos, a companhia não tem muito mais do que US$ 50 milhões em caixa.
O buraco é mais embaixo
Segundo analistas, o fracasso da Fisker pode residir nos problemas de seu produto original, o Ocean, que seguidamente recebia reclamações de consumidores em função de problemas mecânicos e de software. Além disso, o mercado para veículos elétricos não vive um grande momento: além da diminuição da demanda, mais marcas hoje disputam o mercado. É só ver a Tesla, que vem sofrendo seguidas quedas no seu valor de mercado.
Contudo, segundo fontes próximas à Fisker o problema também era estrutural. “A falta de processos e procedimentos foi alucinante”, disse Sean O’Grady, ex-gerente regional de vendas da Fisker, ao TechCrunch. “A mesma desculpa que eu ouvia o tempo todo era, bem, se você nunca trabalhou para uma startup antes, é assim que é, é caótico”, destacou o ex-executivo da montadora.
Diariamente, a empresa ouvia reclamações de clientes carros apagando, freios defeituosos, portas emperradas e muito mais, que muitas vezes tiveram que esperar semanas ou meses por consertos. Em cima disso, a empresa contiuava a empilhar decisões equivocadas, mais preocupada em preservar a sua reputação do que reconhecer as falhas e atender seus clientes.
Além, obviamente, do CEO Henry Fisker, outro nome por trás dessa série de más decisões é a CFO e COO Geeta Gupta-Fisker – que também é esposa do CEO. Um exemplo foi a forma com a qual a companhia implementou seu atendimento ao consumidor. Em meio a constantes reclamações devido aos problemas com o Ocean, Geeta terceirizou no ano passado o atendimento remoto para uma empresa, Prelude Systemas – o que não ajudou muito na situação.
Em cima de tudo isso, em janeiro passado o atendimento foi simplesmente descontinuado – e conforme fontes, a Fisker simplesmente parou de pagar a Prelude. Segundo um processo movido pela própria Prelude, a Fisker estaria devendo US$ 660 mil em valores não pagos.
Contudo, a lista de problemas nas decisões de Geeta não para por aí: em uma medida para economizar, a executiva recusou pedidos internos para estocar peças de reposição para o Ocean, a fim de atender clientes com problemas em seus veículos – o que se provou um grande problema quando as reclamções dos consumidores do Ocean começaram a acumular.
Houve problemas com os mecanismos de travamento e maçanetas das portas. Os porta-chaves não funcionavam regularmente. Os parafusos do capô do Ocean tinham tendência a se soltar, o que fazia com que alguns voassem e quebrassem o para-brisa ou causassem danos à carroceria.
Fisker também não reservou dinheiro para cobrir reparos em garantia, de acordo com os funcionários – marcando outro afastamento de uma prática padrão do setor. “A empresa se preocupa muito com sua reputação”, disse O’Grady ao TechCrunch. “É quase como se essa fosse a primeira coisa que eles pensam o dia todo, todos os dias”, finalizou.