Não é de hoje que os empreendedores de startups vem expressando seus descontentamentos com o ecossistema. Mas, agora, eles decidiram tomar uma ação mais efetiva para se posicionar e gerar mudanças. Assim, surge o Movimento De Startups Para Startups (DSPS), com o intuito de promover maior representatividade, pertencimento, identidade e coletividade no ecossistema brasileiro de startups.
O Startups apurou que a iniciativa servirá como embrião para uma chapa de oposição nas eleições da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) programadas para outubro. Pessoas com familiaridade no assunto contaram que a expectativa é reunir agentes do ecossistema que não se sentem mais representados pela atual gestão e pelo atual formato da entidade e liderá-la no próxima ciclo.
“Sentir-se representado por uma entidade, um clube, um movimento, uma ONG, uma classe política é o que move indivíduos para apoiar incessantemente esse “ente”. No momento em que esse ente escolhe mudar sua essência, o risco de dissolução de seus apoiadores é real e imediato. O DSPS nasce para resgatar a essência de entes que teriam, no passado, o propósito de ser o moinho do ecossistema de startups brasileiro. Mas, que, de alguma forma, perderam sua água”, diz o Manifesto do DSPS, divulgado nesta terça-feira (6). O documento, que foi lançado com 5 assinaturas, já tinha quase 40 quando essa matéria foi publicada.
Segundo Ricardo Motta, empreendedor e um dos criadores do movimento, discussões sobre as grandes dificuldades enfrentadas no ecossistema vêm acontecendo há algum tempo, principalmente sobre o sentimento de esvaziamento e perda de identidade de alguns dos grandes atores do setor. “As startups estão sentindo dificuldade de encontrar apoio e suporte, ficando um pouco à parte do que vem sendo discutido sobre esse tema a nível nacional. Nos últimos anos, houve uma série de mudanças no ecossistema, e as comunidades começaram a buscar criar associações locais para se proteger de uma série de situações que estão muito distantes do que os atores principais têm percebido”, diz.
Como exemplo, ele cita a carta contra assédio no ecossistema de empreendedorismo e inovação brasileiro. O documento – lançado em março em 2023 e assinado por empreendedoras de todo o país – era endereçado à Associação Brasileira de Startups (Abstartups), e denunciava comportamentos morais, sexuais, étnicos e sociais, além de cobrar o compromisso da entidade em ajudar a erradicar o assédio em todas as suas formas.
“Situações como o movimento contra o assédio e outros movimentos semelhantes nos fez discutir sobre o que está acontecendo no ecossistema. Decidimos criar o DSPS com uma ótica colaborativa, para que possamos ouvir mais e criar espaços de diálogo que vão para além de São Paulo, que não se limitem às startups de grande escala e não olhe para as comunidades de forma tão utilitarista”, explica Ricardo.
Motivações para o DPSP
“Nos últimos dois anos, a falta de transparência e de diálogo tem sido uma pauta constante nos grupos de comunidades e rodas de startups pelo Brasil. O papel dos entes tem perdido o valor, e está tudo muito distante do dia a dia das startups. Nossa intenção é voltar a aproximar o ecossistema como um todo de uma forma mais colaborativa, coordenada, cooperativa, para que de fato o impacto possa ser sentido para além das capas de revistas sobre o papel de uma ou outra entidade. A gente quer o impacto na ponta – e não tem como fazer isso sem diálogo, transparência e representatividade”, pontua.
Na prática, o objetivo do DSPS é promover diálogos mais abertos para que os atores do ecossistema – associações, hubs de inovação, etc – possam interagir de forma mais transparente. Além disso, o movimento olha para a possibilidade de criar ações que fortaleçam a rede de relacionamento das startups que estão começando a sua jornada, mas que ainda não têm uma estrutura muito bem elaborada.
Dentre os nomes que assinaram o documento estão Bruno Pinheiro (PiaR), Laura Gurgel (Yunus Social Business), Bruno Freitas (Torus.consulting) e Vinny Machado (Vortex Ventures). Segundo Ricardo Motta, não há uma meta de assinaturas. “A expectativa é que os principais líderes de comunidades e startups que não têm esse sentido representados a nível nacional possam ser acolhidos pelo movimento. O ecossistema precisa deixar de ser controlado apenas para um tipo de startups – só aquelas que performam e são grandes, pois tem muita gente que também precisa ser ouvida”, destaca.
“A ideia é que a gente apoie empreendedores na missão de tirar suas ideias do papel, conectando mais as pontas, abrindo mais o diálogo e não deixando tudo centralizado em uma única visão. Queremos evitar situações como a dos assédios ou até mesmo as demissões que ocorreram na Abstartups recentemente, além de uma série de situações que não estão tão transparentes para torná-las menos obscuras e menos ocultas”, pontua Ricardo.
Entenda o contexto
Em maio de 2023, a Abstartups demitiu cerca de 30% do seu quadro de funcionários, e atrelou os cortes aos desafios do contexto macroeconômico que vem afetando também o ecossistema de startups. Na época, pessoas ouvidas pelo Startups ressaltaram que a companhia vinha passando por mudanças de gestão e atrasando o pagamento de alguns parceiros – algo que não era comum até os últimos meses. O Startups apurou que a Abstartups teria perdido o patrocínio de um de seus maiores mantenedores, o que apertou as contas da instituição.
As notícias de demissões e atraso de pagamentos desencadearam uma grande movimentação por parte de algumas comunidades e associados, que expressaram suas preocupações e descontentamentos com a Associação por meio de uma carta aberta. “Temos testemunhado uma série de denúncias graves de irregularidades e falta de pagamento de fornecedores, além da perda do patrocínio de alguns dos principais mantenedores da Abstartups. Esses acontecimentos abalaram profundamente a confiança dos empreendedores e colocaram em xeque a integridade e transparência desta instituição”, diz o texto.
O documento exigia esclarecimentos por parte da instituição, questionando se a Abstartups estava falida, qual era a verdadeira situação financeira da entidade, o status da parceria com o Sebrae, a razão para o atraso dos pagamentos dos mentores, entre outros pontos. Solicitava-se também que a Associação apresentasse um plano de ação concreto para lidar com essas questões, garantindo que todos os débitos fossem quitados e que medidas fossem tomadas para evitar a repetição de tais problemas no futuro.
Como resposta, a entidade disse estar aberta ao diálogo, e reiterou alguns dos mecanismos utilizados para comunicar e compartilhar suas atividades. “A Associação foi criada e é regida por um estatuto que garante o seu caráter transparente e representativo. Continuamos fortemente comprometidos em construir o ambiente ideal para as startups transformarem o país.” Além disso, reforçou ter um setor de compliance para adotar as melhores práticas de governança; além de um Código de Conduta para estabelecer regras e valores que orientem as ações dos colaboradores; um canal de denúncias e ouvidoria para garantir a comunicação entre os associados, parceiros e a entidade; e um canal de WhatsApp direto com o time de relacionamento para facilitar as demandas dos associados.
Questionado sobre os recentes acontecimentos na Abstartups, Ricardo ressalta que o objetivo do DPSP não é endereçar exclusivamente esta associação, e sim o ecossistema como um todo. “A gente quer colaborar. De maneira nenhuma queremos ser contrários a essas entidades, mas está claro que precisa haver uma mudança. Temos buscado dialogar nesse sentido – seja com a Abstartups ou com qualquer outra entidade representativa. Nossa intenção é, de fato, propor mudanças não apenas no discurso, mas nos resultados”, finaliza.