WhatsApp
Aplicativo do WhatsApp (Foto: Canva)

Na última semana, o WhatsApp, controlado pela Meta, causou alvoroço ao anunciar mudanças em seus termos de uso. A atualização gerou apreensão entre fundadores de startups que utilizam o aplicativo como base de suas soluções, especialmente aquelas que oferecem automações e integrações com inteligência artificial. Muitos empreendedores temeram precisar ajustar seus produtos ou até mesmo repensar suas estratégias. No entanto, fontes ouvidas pelo Startups apontam que, pelo menos na maior parte dos casos, não haverá impactos significativos para essas empresas.

Nos novos termos, o WhatsApp afirma que “fornecedores e desenvolvedores de tecnologias de inteligência artificial ou aprendizado de máquina, incluindo, entre outros, grandes modelos de linguagem, plataformas de inteligência artificial generativa, assistentes de inteligência artificial de propósito geral ou tecnologias similares, estão estritamente proibidos de acessar ou usar a Solução WhatsApp Business, direta ou indiretamente, para fins de fornecer, entregar, oferecer, vender ou disponibilizar tais tecnologias quando estas forem a funcionalidade principal (e não incidental ou acessória) disponibilizada para uso”.

Diante disso, surge a dúvida: o que, de fato, muda para as startups que baseiam seus negócios no aplicativo?

O Startups conversou com Gustavo Chaves Barcellos, advogado e sócio do Silva Lopes Advogados, para ler e interpretar os novos termos. De acordo com o profissional, as novas diretrizes da Meta não lhe parecem um retrocesso tecnológico ou uma barreira à inovação das startups.

Para ele, as mudanças refletem um movimento mais amplo de reorganização regulatória do ecossistema digital, que envolve tanto o uso de inteligência artificial quanto as políticas de moderação de conteúdo.

“Desde o julgamento do Tema 987 pelo Supremo Tribunal Federal, que redefiniu o modelo de responsabilidade civil dos provedores no Brasil, as plataformas passaram a adotar uma postura mais preventiva. O STF deixou claro que os provedores têm deveres de cuidado e moderação proporcionais ao risco da atividade, mesmo antes de uma ordem judicial. Esse novo parâmetro elevou o custo regulatório de operar sem protocolos claros de compliance, inclusive para soluções integradas via APIs, como as que utilizam o WhatsApp”, aponta o advogado.

O advogado afirma ainda que, no caso específico da cláusula que proíbe “AI Providers” de acessarem ou usarem a Business Solution, o objetivo é de evitar que ferramentas generativas não supervisionadas interfiram na moderação e na privacidade dos usuários.

“A Meta está se antecipando a um cenário em que a inteligência artificial e os fluxos de dados cruzados possam comprometer a segurança das interações e a rastreabilidade das comunicações — temas que, no Brasil, têm sido centrais”, complementa.

Tchau, concorrência

A opinião é parecida com a de Cecílio Cosac Fraguas, fundador e CEO da Jabuti AGI e mestre em Computação Distribuída e Engenharia da Computação pela Unicamp. Segundo o profissional, o movimento da Meta representa uma tentativa de reorganizar o ecossistema dentro das suas próprias regras.

Ele explica que a empresa está mirando principalmente os grandes modelos fundacionais, como ChatGPT e Claude, que utilizam a infraestrutura do WhatsApp sem gerar receita direta para a plataforma. “O que a Meta está bloqueando são os agentes dos modelos fundacionais, porque esses agentes não estão vendendo, eles só estão usando a infraestrutura da Meta, inclusive deixando ela mais lenta e mais cara. Então, os primeiros que a Meta empurrou para fora são os grandes players, as big techs que são concorrentes direto dela. Por enquanto, parceiros oficiais, ela está dizendo que estão protegidos, que as startups podem respirar”, disse em entrevista.

Ainda de acordo com o executivo, a Meta não vai bloquear nenhum agente que estiver atendendo o cliente em nome de uma empresa. “Quem está criando agentes e passou por toda a certificação e está usando a API oficial, está protegido, não está em risco”, complementa.

Cecílio também vê que, mesmo as startups que utilizam modelos de linguagem da concorrência (como o da OpenAI ou da Anthropic) integrados a soluções comerciais no WhatsApp, não correm risco imediato com as novas diretrizes.

Para Diego Pastega, sócio e CTO da Storm Education, parte do alvoroço causado pelas novas regras do WhatsApp Business veio de uma interpretação equivocada do anúncio feito pela Meta. Assim como Cecílio, o CTO ressalta que a mudança mira principalmente as big techs que utilizam modelos de linguagem em larga escala dentro do aplicativo — e não startups que usam inteligência artificial de forma complementar aos seus produtos.

Diego também destaca que os novos termos deixam claro que cabe à Meta decidir quem é ou não um “AI provider”, o que pode ter gerado incertezas entre empreendedores. Apesar disso, o executivo afirma que a relação entre a Meta e as startups de IA está longe de ser negativa. Ele cita o movimento recente da empresa de Mark Zuckerberg de criar um hub voltado a negócios que usam inteligência artificial dentro do WhatsApp — iniciativa que já reuniu cerca de 100 startups (de 200 participantes) para discutir modelos de negócio e novas possibilidades de integração.

Cecílio, por outro lado, chama a atenção para um ponto importante: o uso das APIs não oficiais da Meta, prática ainda comum entre muitas startups que dependem do WhatsApp para operar. Segundo ele, essas integrações “alternativas” não são ilegais, mas funcionam fora do ecossistema certificado da empresa — o que as torna altamente vulneráveis.

“Imagine você fez sua startup inteira usando uma dessas APIs open, ou uma API até paga, mas não oficial, e, de repente, para de funcionar, daí você não tem suporte, não tem o que fazer. O que eu estou observando é que a frequência de atualização, que a Meta derruba essas APIs não oficiais, está maior”, ressalta.

Briga entre big techs

Para Marcos Almirante, fundador e CEO da Storm Education, a razão por trás de tudo isso é briga de big tech. “É uma disputa pelo grande mercado de inteligência artificial, integrado às redes sociais, nesse caso, o WhatsApp. A grande maioria das empresas não está afetado por isso. É normal que quando uma notícia tão grande, em cima de uma plataforma tão grande, haja um certo desespero, até que as pessoas parem e leiam além da manchete”, critica.

O executivo reforça essa visão ao comparar o WhatsApp à “praça pública do Brasil” — um espaço onde tudo acontece: onde as pessoas conversam, fazem negócios, compartilham notícias e até aprendem.

Apesar dessa onipresença no cotidiano dos brasileiros, ele lembra que a “praça pública” não é, de fato, pública. O WhatsApp pertence a uma empresa privada, e quem define as regras desse ambiente é a Meta.

Startups se sentem prejudicadas

Apesar disso, algumas startups se sentiram prejudicadas pelas mudanças da Meta. É o caso da Zapia, que, na semana passada, anunciou que decidiu acelerar o desenvolvimento de seu próprio aplicativo e diversificar os canais de atendimento.

“A notícia da Meta nos obriga a acelerar planos que já tínhamos. Sempre soubemos dos riscos de depender de uma única plataforma; é um padrão conhecido no mundo da tecnologia”, afirmou Juan Pablo Pereira, cofundador e CEO da Zapia, em nota.

Outro fundador que se sentiu lesado foi Bruno Okamoto, do My Group Metrics, que classificou as mudanças como extremamente agressivas. “A percepção é que a Meta meio que abandonou todo mundo, e a gente tem que se virar e entender as dinâmicas de como funciona o sistema”, opina em entrevista.

Segundo ele, no caso do My Group Metrics, as mudanças da Meta trouxeram impactos diretos e indiretos. A startup teve diversos números banidos mesmo com API oficial, incluindo alguns usados para o onboarding de novos membros de sua comunidade. Além disso, números que utilizavam APIs não oficiais também foram bloqueados.

“A gente tinha 10 números operando e todos foram banidos. São números que a gente tinha mais de três anos trabalhando, disparando mensagem sem nunca ter tido problema”, conta.

Para o profissional, isso evidencia um cerco mais rigoroso da Meta sobre qualquer tipo de disparo de mensagens, dificultando a atuação de empresas que dependem do WhatsApp — o principal canal de comunicação no Brasil.

*A Meta foi procurada pela reportagem para prestar mais esclarecimentos, mas não enviou posicionamento. A única resposta obtida foi uma mensagem direcionando a reportagem para um link com informações gerais sobre as mudanças.