De São Francisco, Califórnia* – Em um momento em que a inteligência artificial avança sobre processos, decisões e rotinas de trabalho, a Y Combinator propõe uma abordagem menos distópica, e mais colaborativa, para a relação entre humanos e máquinas. Para Gary Tan, CEO da aceleradora mais influente do Vale do Silício, o futuro da tecnologia não está na substituição, mas na amplificação das capacidades humanas.
“Não vamos nos submeter a estar abaixo da linha da API”, afirmou Tan, durante uma conversa com Dylan Field, CEO do Figma, no Config 2025. O cerne de sua filosofia está na ideia de “abrir os prompts”, ou seja, garantir que os humanos continuem no controle das ferramentas tecnológicas, mesmo em um mundo cada vez mais automatizado.
“Ao invés de nos tornarmos robôs, que devem seguir o que o algoritmo manda, quero ligar o computador e ter um prompt em branco que me permita fazer o que eu quiser”, disse. “Queremos ser ciborgues, não robôs”, declarou Tan.
A provocativa resume a visão do executivo de que a tecnologia deve ser uma ‘bicicleta para a mente’, ampliando as capacidades humanas em vez de restringir as pessoas a agir como robôs que apenas seguem comandos. Em outras palavras, ser ciborgue significa assumir o controle, enquanto ser robô é abrir mão dele para simplesmente obedecer ordens.
A nova fase da YC
Na Y Combinator, a aplicação prática da IA já mostra resultados. Recentemente, a organização usou o Gemini 2.5 Pro, do Google, para identificar conexões relevantes em um evento de ex-alunos, cruzando dados biográficos e registros internos para identificar quem cada convidado deveria conhecer e por qual motivo.
“Conseguimos descobrir quem era a pessoa ideal para cada participante encontrar, e por quê”, explicou Tan, destacando que uma tarefa que tradicionalmente levaria horas de trabalho manual foi resolvida com apenas um prompt de cinco frases.
Apoiando cerca de 800 startups por ano na Y Combinator, Tan observou que, em uma das turmas mais recentes da aceleradora, 25% das startups geraram 95% de seu código com auxílio de IA, um sinal de mudança significativa no desenvolvimento de software. “A tecnologia está avançando rapidamente. Cada vez mais, veremos soluções que antes não funcionavam bem em grandes bases de código começarem a funcionar. Acredito que, nos próximos anos, ou até meses, surgirão ferramentas realmente úteis aplicáveis a sistemas muito mais robustos e consolidados”, afirmou.
Aos olhos do executivo, ainda há muito espaço para crescimento, e o momento atual representa uma oportunidade sem precedentes. No entanto, Tan faz um alerta contra a ideia de que a IA seja uma tecnologia onipotente. “Essas coisas não são deuses”, enfatizou. “Elas só conseguem fazer o que um humano faria com a informação disponível.”
Um novo paradigma organizacional
Durante a conversa, o CEO da Y Combinator propôs uma revisão das estruturas tradicionais de gestão. Inspirado por Brian Chesky, do Airbnb, Tan defende o que chama de ‘founder mode’: quando líderes assumem mais protagonismo e liberam a autonomia de seus times, em vez de centralizar decisões.
Segundo Tan, Chesky percebeu que precisava ampliar sua própria autonomia para liderar com mais clareza. Para isso, mergulhou nos detalhes do negócio, buscou entender com profundidade o que estava acontecendo e passou a tomar decisões difíceis sempre que necessário, com o intuito de garantir que tudo estivesse alinhado com os objetivos da empresa. “Ao assumir mais responsabilidades como líder, ele acabou desbloqueando mais autonomia para suas equipes”, observou.
Essa postura, para Tan, exemplifica o ‘modo fundador’: um líder que não dita tudo o que os outros devem fazer, mas que tem clareza sobre o caminho a seguir e sobre o que é necessário para avançar. A abordagem, de acordo com o CEO da Y Combinator, vai além de políticas rígidas e promove ambientes de trabalho mais dinâmicos e colaborativos. “Em vez de cair no ‘sempre foi assim’, em regras engessadas ou em jogos políticos de poder, tudo começa a se transformar. Sai o conflito e as coisas começam a caminhar na mesma direção”, pontuou.
Tan afirma ter visto muitas startups adotarem esse modelo, deixando o microgerenciamento de lado em favor de uma autonomia genuína. “Estamos, provavelmente, no momento mais poderoso de todos os tempos”, concluiu.
*A jornalista viajou a convite da Figma