O Banco Central publicou nesta segunda-feira (26) uma resolução que define um limite máximo de 0,7% para a tarifa de intercâmbio (TIC) em cartões pré-pagos, emitidos por fintech. Até então, não havia um teto para as TICs em cartões pré-pagos ou de crédito. Executivos com familiaridade no assunto ouvidos pelo Startups afirmam que a mudança pode reduzir de 60% a 70% do faturamento de algumas fintechs, o que vai criar uma corrida para achar fontes alternativas de ganhar dinheiro.
Vamos começar do começo. A tarifa de intercâmbio é o percentual pago pelas bandeiras a cada transação ao emissor do cartão a cada transação. Esse é um modelo de operacao ”fácil”, que levou à criação de diversas fintechs nos ultimos. Construa um produto. Atraia usuários que fazem transações e seja remunerado pelo emissor. Depois busque outras fontes de receita. Sem erro.
“Até então, a média de uma transação nos cartões de crédito e pré-pago era de 1,5% a 2%”, afirma Gustavo Souza, managing partner do fundo SaaSholic, especializado em investir em empresas SaaS latino-americanas em estágio inicial.
Na lista das empresas que nasceram e operam sob esse modelo estão Acesso Bank, adquirida pela Méliuz, além das empresas de benefíco Flash e Caju e a Noh.
“Os grandes bancos oferecem cartões de débito e estavam monetizando muito menos do que as startups”, pontua Gustavo. Isso porque as instituições financeiras tradicionais já operavam sob um limite máximo. Desde 2018, o BC definiu uma cobrança cumulativa média de 0,5% sobre a tarifa de intercâmbio nos cartões de débito e o valor máximo de 0,8% por transação. Com a nova resolução, a taxa ficou definida aos 0,5%.
O tema de redução da TIC para os cartões pré-pago e de crédito vinha sendo debatido desde o ano passado. Do lado dos bancos, a proposta era criar um teto para a TIC em cartões pré-pagos assim como já era praticado nos de débito para igualar o tratamento regulatório entre os setores. As fintechs se posicionaram contrárias à resolução, justificando que isso impactaria suas monetizações e modelos de negócio.
Na prática, a definição do limite para as TICs altera toda a dinâmica de cartão pré-pago, limitando os ganhos para uma porcentagem significativamente menor do que as startups estavam costumadas a receber.
Coloquemos as coisas em perspectiva. O Nubank afirmou em comunicado que as tarifas de intercâmbio sobre os cartões pré-pagos representavam 7,0% da receita da companhia entre julho de 2021 e junho de 2022. Se as mudanças anunciadas pela Resolução BCB 246 estivessem em vigor desde 1º de julho de 2021, a receita teria sido afetada negativamente em 2,9%.
Impactos para as startups
A norma do BC entra em vigor em 1º de abril de 2023. Desta forma, as startups terão pouco mais de 6 meses para se adaptar ao novo cenário. “Várias das empresas surgiram com modelo de negócio baseado preponderantemente na monetização via TIC e elas serão as mais impactadas”, afirma Gustavo. “As fintechs terão que acelerar o desenvolvimento e lançamento de novos produtos que tenham potencial de monetização.”
O executivo enxerga dois caminhos. O principal é a oferta de produtos de crédito, que até então estava em segundo plano para essas empresas, já que a TIC trazia monetizações interessantes. Além disso, as startups devem focar cada vez mais em ofertas de software como outra avenida de monetização. “Se consegue oferecer valor para o cliente via softwares, é possível cobrar assinaturas e não depender apenas das taxas de intercâmbio”, pontua Gustavo. Sem a criação de novos produtos, essas empresas terão que gerar um volume gigantesco de transações para compensar a redução da taxa de intercâmbio.
Gustavo afirma que as empresas de benefício corporativo já tinham esse risco mapeado e, por isso, começaram a investir em ofertas multiproduto, principalmente com estratégias M&A. A Flash adquiriu a ExpenseOn em julho deste ano para entrar no mercado de gestão de despesas corporativas.
Copo meio cheio?
A Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) tem uma visão mais otimista do cenário atual. “A gente recebe essa publicação com bons olhos, porque trabalhamos muito para que não houvesse uma linha de corte muito baixa que prejudicasse em demasia as fintechs e nem tanto as instituições financeiras”, afirma Diego Perez, presidente da ABFintechs, ao Startups.
Isso porque ao invés de igualar as taxas para o débito e crédito, o Banco Central fez uma distinção: crédito e pré-pago em 0,7%; débito em 0,5%. “O BC foi sábio em conseguir equilibrar os detalhes e as particularidades de um meio para o outro. Os ajustes souberam equilibrar a coexistência de fintech e instituições financeiras de maior porte”, pontua Diego.
“A gente espera que as fintechs continuem prosperando e que os cartões pré-pago sigam sendo um meio importante para a democratização do acesso aos serviços financeiros”, acrescenta. Ainda assim, o executivo reconhece que muitas fintechs têm uma única fonte de monetização e que limitar a precificação das tarifas reduz a rentabilidade dessas startups, especialmente as de menor porte e que possuem apenas um produto.
A resolução do BC também uniformizou o prazo para disponbilização dos recursos aos estabelecimentos comerciais em transações com cartões de débito e pré-pago. “Antes o estabelecimento escolhia o meio de pagamento mais vantajoso com base da tarifa e no prazo em que o recurso ficava disponível. Agora, os arranjos pré-pagos estão equiparados aos dos outros meios de pagamento e não existe a possibilidade de o estabelecimento escolher qual deles é o mais vantajoso”, explica Diego. “Cabe à fintech trabalhar a competitividade e disponibilizar o recurso em menor tempo.”
Ele ressalta que isso traz benefícios para o consumidor final. “O estabelecimento não tem o poder de definir qual é o meio de pagamento que aceita ou não. Vai haver uma certa harmonia entre todos os meios possíveis, seja em prazo de liquidação ou tarifa. Acaba sendo indiferente para o estabelecimento comercial qual dos itens vai preferir”, conclui.