Minutos antes do painel com Nina Silva, Preto Zezé e Ana Fontes começar no Fire Festival, o auditório (o maior do local) esvaziou. Num evento em que milhares de pessoas estavam mais interessados em ouvir casos de quem chegou ao sucesso como produtores de conteúdo, aparentemente poucos queriam ouvir sobre impacto social. Ao ver o auditório semi-vazio, Nina Silva não teve problemas em confrontar a situação. “Que platéia mais murcha”, disse a líder do Movimento Black Money ao subir no palco. “Fiquei um pouco chateada com isso”, afirmou Ana Fontes, em entrevista ao Startups.
Esta anedota, de certa forma, se relaciona com um dos problemas que as principais figuras do empreendedorismo negro encontram ao ver iniciativas sociais nas empresas e startups: uma desconexão entre o social e o econômico. “O social não anda sem o econômico”, disparou Zezé, presidente da Central Única das Favelas (CUFA), em entrevista ao Startups.
Sem deixar a bola cair, Ana Fontes, fundadora do Instituto Rede Mulher Empreendedora, aproveitou e lançou outra provocação. “Num mundo ideal, socialtechs não precisariam existir”, disparou, chamando a atenção para a nomenclatura dada a startups que endereçam assuntos como empregabilidade, finanças, educação etc, mas são consideradas de impacto social por focar nos públicos pouco vistos pelo “esquemão”.
Na visão de Nina Silva, impacto social e inovação é algo que os empreendedores de periferia fazem desde sempre. “Falar de economia criativa, de tecnologia criativa, é algo histórico nosso, que é fazer mais com menos recursos”, destacou a empresária que hoje é uma das mulheres mais influentes do mercado e líder do principal ecossistema afroempreendedor no país, o Black Money. “Para nós, a tecnologia é ferramenta e deve ser sempre uma plataforma de impacto”, aponta Nina.
Mas e daí? Se a tecnologia deve ter impacto, então as socialtechs precisam existir, não é mesmo? Para Ana, elas são o que está fazendo a diferença neste momento para as comunidades subrepresentadas, já que estamos longe de viver num mundo ideal. “As iniciativas de empreendedorismo desta parcela da população têm que ter a ver com uma construção coletiva”, destaca.
Segundo Preto Zezé, as socialtechs são as que estão levando em conta critérios inclusivos e colocam seu público-alvo como protagonista. “A maioria das iniciativas ESG ainda vêem a favela como algo a ser explorado, criando ideias em que a favela se torna coadjuvante do processo”, aponta.
Contudo, tanto para Ana quanto para Preto Zezé, essa desconexão entre o social e o econômico é o que limita o crescimento das pautas, já que os fundos tradicionais ainda estão engatinhando ao lidar com as pautas ESG. “Geralmente quando uma empreendedora negra pensa em buscar investimento, pensa primeiro em voltados ao social. Não deveria ser assim”, avalia Ana.
Um não anda sem o outro
Para Ana Fontes, empresas ainda estão aprendendo a empregar o ESG dentro de suas estratégias, mas enquanto isso ainda tratam suas pautas sociais como algo à parte de sua linha de negócios. “Aumentou muito a busca das empresas pelas organizações sociais e suas causas depois da pandemia, mas ainda está muito limitado a ações de marketing”, afirma.
“Essa grana (de marketing) nos ajuda a ganhar musculatura, nossa capacidade de mobilizar, mas a pauta ESG não deixa de ser um negócio, e as empresas precisam saber conectar”, afirma Preto Zezé. Segundo ele, a CUFA atualmente representa mais de 5 mil favelas, com iniciativas gerando mais de R$ 870 milhões.
Esse potencial ao conectar social e econômico é o que fez Nina Silva criar um banco dedicado a negros e moradores de periferias, o D’Black Bank, neobanco que oferece crédito, cartão e educação financeira para seu público-alvo. Uma fintech em primeiro lugar, sem deixar de ser socialtech.
Perguntado pelo Startups, Preto Zezé listou outra uma iniciativa recente que abriu caminhos de como empresas podem alinhar o social e econômico de uma maneira mais eficaz. Ele deu o exemplo da Amazon, que firmou uma parceria com a Favela LLog para otimizar suas entregas em regiões periféricas em São Paulo, começando pelo bairro de Paraisópolis. “Já temos empresas que viram que podem atuar ao lado de causas, pensando em receita pra todos”, avalia.
Para Ana Fontes, o momento é de mostrar que a inovação não parte das mesmas pessoas, ou dos mesmos ambientes de empreendedorismo, mas é preciso falar de igual para igual do barraco para o arranha-céu. “Falar de diversidade nas empresas não é só sobre justiça social, mas também de economia”. “O social não vai andar sem o econômico, e vice-versa”, completa Preto Zezé.
(O jornalista viajou a Belo Horizonte a convite da Hotmart)