Com crescimento acelerado, a operadora digital de telefonia móvel Fluke está se movimentando para criar novas frentes de negócio. Sem medo da desaceleração no mercado de venture capital, a startup também está em busca de capital e se torna cada vez mais atraente para fintechs.
A Fluke foi fundada em 2018, com uma proposta de valor centrada em planos de celular sem amarras, que podem ser montados de acordo com a necessidade do cliente. Criada por Marcos Oliveira, Augusto Pinheiro, Vinícius Akio e Yuki Watanabe, na época estudantes que visavam atender outros universitários, a startup caiu nas graças do público. A base de clientes, que já ultrapassou os 11mil, cresceu mais de sete vezes no último ano e a receita mensal segue na mesma toada.
Outros marcos para a empresa nos últimos meses foram a rodada de equity crowdfunding, orquestrada pela Kria, que atraiu R$ 5 milhões de 621 investidores, e contou com o ex-Nextel Roberto Rittes como deal partner. Além disso, a empresa buscou capital adicional em uma rodada bridge; ambas as captações, que levantaram R$ 12 milhões, serviram para impulsionar a expansão da empresa nos 21 estados em que atua. Também em 2021, a startup foi selecionada para o Black Founders Fund, iniciativa de fomento do Google para empresas com pessoas negras no time de fundadores, e ingressou na aceleração da Y Combinator.
Os próximos 12 meses da startup baseada em São Carlos (SP) também serão pontuados por decisões importantes. Seguindo à risca as orientações da YC, que orientou seus fundadores a esperarem o pior, a Fluke deve buscar crescimento orgânico, o teste de novas linhas de receita e a proteção de caixa, bem como a busca por rentabilidade no curto e médio prazo.
“É prudente que a gente faça adaptações ao contexto atual. Seis meses atrás, eu provavelmente estaria falando de um crescimento muito mais acelerado, mas com um cashburn muito maior”, diz o CEO da Fluke, Marcos Oliveira, em entrevista ao Startups.
Abordagens de fintechs
Apesar do cenário mais conservador, a operadora vai precisar de mais capital, e já iniciou o processo de captação, com fundos nacionais e de fora do Brasil. Ao comentar sobre o tom das conversas com investidores até agora, Marcos diz que fundos tem um certo receio sobre mudanças regulatórias em telco no Brasil.
Para além destas questões locais, há uma ênfase em unit economics. “Uma coisa que mudou na abordagem de todos os fundos, especialmente neste estágio pre-Series A que estamos, é o fato de que estão olhando muito mais para a capacidade de geração de receita”, destaca.
Sem abrir quanto está buscando desta vez, Marcos diz que precisou ajustar a abordagem no pitch, justamente para responder ao atual contexto macroeconômico e demandas de investidores. “Boa parte do nosso cashburn seria para a aquisição de clientes. Mas se vou manter um crescimento mais orgânico, em torno a comunidade que já temos, eu diminuo a demanda de capital para aquisição de clientes”, ressalta Marcos.
Mesmo antes da correção no mercado, um dos destaques do pitch da Fluke é o custo de aquisição de clientes (customer acquisition cost, ou CAC), que a startup diz ser cerca de 50% mais baixo do que o de incumbentes do setor, com mais de um terço da base vindo de recomendações. Segundo Marcos, a startup tem uma taxa de rotatividade de 23%, enquanto incumbentes ficam em cerca de 35% a 50%, dependendo do trimestre. A estimativa da receita média gerada ao longo da vida do cliente (lifetime value, ou LTV) é 30% maior do que as gigantes de telecomunicação do país – algo que faz brilhar os olhos de players que buscam aumentar a recorrência da base.
Entre estes players, estão as fintechs. Segundo Marcos, a operadora digital tem recebido abordagens de empresas de serviços financeiros desde 2020. “O que atrai a atenção deste tipo de empresa é [a Fluke ser] um serviço de altíssima recorrência de uso, e que gera muitos dados de consumo: você consegue entender muito bem o comportamento do cliente, a hora que ele está on-line, o que ele consome. Isso é interessante para empresas que já têm uma base de clientes, mas querem gerar mais informações sobre eles, ou mesmo criar novas linhas de receita”, pontua.
Cerca de 80% da base da Fluke é composta de jovens entre 25 e 39 anos, que também consumem outros serviços digitais. Digno de nota é o fato de que um terço dos pagamentos das contas de celular destes clientes acontecem via Nubank.
Questionado a respeito de conversas com o banco de David Vélez sobre uma possível venda, o co-fundador da Fluke desconversa. “O plano A continua sendo fazer um IPO em alguns anos”, afirma.
Uma coisa é certa: Vélez já está com a roupa de ir às compras. Ontem, o Financial Times publicou uma entrevista com o fundador colombiano, em que ele relatou estar retomando discussões sobre possíveis aquisições que começaram há um ano atrás, e que algumas destas oportunidades estão voltando com valores até 70% mais baixos.
Novas fontes de receita
Apesar de não monetizar os dados de clientes, a Fluke consegue obter insights que informam a criação de novas fontes de receita. Por exemplo, a startup sabe que 0.3% de seus clientes são assaltados por mês, o que abre caminho para testes de um novo produto, de seguros, a ser lançado com um parceiro ainda este ano.
“Como oferecemos o serviço de internet, que é um essencial e canal para quase qualquer coisa, podemos oferecer uma série de serviços”, diz Marcos. No roadmap de lançamentos também está a venda de celulares, que podem incluir um produto de aluguel de smartphones com seguro embutido, além de uma oferta de canais de streaming.
Outros movimentos que devem ajudar a Fluke a preservar caixa incluem a regulação de preços de atacado em telecomunicação. A empresa é uma operadora móvel virtual (MVNO, na sigla em inglês), que depende da rede da Vivo para operar. O custo da operadora principal é um dos mais relevantes para MVNOs, chegando a representar entre 80% e 95% da receita. Com as mudanças propostas pela Anatel e o CADE às incumbentes, a estimativa é que este custo seja reduzido em cerca de 25%.
Lidando com desafios
Com startups de todos os tamanhos reduzindo seus efetivos para economizar, Marcos diz que não tem intenção de fazer cortes na Fluke, que atualmente tem quase 100 funcionários. “Se por um lado, posso diminuir as demandas em aquisição de cliente, por outro lado estou antecipando que as novas linhas de receita e novos serviços vão envolver muito trabalho. É mais uma questão de conseguir ajustar, reposicionar o time, refazer o design organizacional da empresa e ver como as tribos e grupos de trabalho serão organizados, além de treinar as pessoas”, pontua.
Segundo o CEO, promover demissões em massa, como outras startups tem feito nas últimas semanas podem acarretar em um impacto na cultura, que é um dos pilares que a Fluke mais valoriza. “Todo o clima da empresa vai água abaixo em um momento destes. Nosso objetivo é garantir que vamos manter os empregos destas pessoas, ao posicioná-las em [projetos] que estão alinhados com os objetivos da empresa”, acrescenta.
Apesar da confiança na estratégia da Fluke, estar à frente de uma empresa nas atuais circunstâncias não deixa de ser desafiador, além de ser algo inédito para o jovem time de fundadores da startup. “Estou com 24 anos e liderando uma empresa com quase 100 pessoas, que confiam em mim para garantir as captações e que elas terão seu salário no mês seguinte, num contexto em que tantas empresas estão fazendo demissões e outras estão fechando as portas. Pensando que a obra ficou muito maior do que o criador, é preciso aprender a conviver com a instabilidade”, aponta Marcos.
Em um horizonte de um ano, o fundador espera que a operadora terá atravessado a atual turbulência do mercado, expandindo para todo o Brasil e chegando ao break-even, com um crescimento de cerca de 2.5 vezes, algo que o CEO considera razoável. “Um dos nossos maiores desafios será melhorar os economics, e juntando os avanços de regulação de telecom e novas fontes de receita, quero poder contar que conseguimos construir um negócio financeiramente sustentável”, finaliza.