O ano era 2017 e Alan Almeida estava andando nas ruas da Lapa, bairro da zona oeste de São Paulo, quando foi abordado por Marcos, que tinha em mãos seu alvará de soltura e pedia ajuda para recomeçar. O apelo do homem deixou Alan perplexo e com vontade de fazer algo para mudar a situação de pessoas que tentam reconstruir a vida depois do cárcere. Pouco tempo depois, nascia a Parças Developers School, startup que prepara pessoas periféricas e egressas do sistema prisional para o mercado de tecnologia.
Através do treinamento em linguagens de programação, a edtech de impacto social quer contribuir para reverter um quadro desolador. Segundo uma pesquisa da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas divulgada no ano passado, 45% das pessoas que deixam o sistema prisional após o cumprimento da pena enfrentam dificuldades para se reinserirem no mercado de trabalho. O caminho até abrir o CNPJ da edtech, que neste mês completa quatro anos de existência, resulta da percepção destes desafios.
Formado em direito, Alan atuava como voluntário em atividades com a população carcerária e trabalhava como desenvolvedor na Natura com um belo salário. A partir do encontro com Marcos, o empreendedor começou a se perguntar como poderia viabilizar oportunidades similares para egressos do sistema prisional. Carla Cristina Almeida, que à época era instrumentadora cirúrgica, assim como Alan conhecia de perto as dificuldades enfrentadas por pessoas que deixam a prisão para se reinserir no mercado. Com propósitos convergentes, o casal decidiu empreender, com o apoio inicial da Vai Tec, aceleração para negócios periféricos que investiu R$ 33mil para tirar o negócio do papel.
“Nosso foco é causar a transformação na vida de pessoas por meio da educação e tecnologia, ajudando talentos que vêm de um contexto de periferia e egresso de medidas socioeducativas a serem empregadas no mercado de tecnologia da informação. Temos duas propostas de valor: a primeira é ‘priorizando vidas e valorizando pessoas’, e a segunda é ‘vidas transformadas, influenciando vidas'”, diz Alan, em entrevista ao Startups. Em 2020, o educador Francisco Neto se juntou à Parças como conselheiro, e no ano seguinte virou o terceiro sócio da edtech.
Acelerando para 2022, a Parças já treinou 1,7 mil egressos e egressas para o mercado de tecnologia em áreas como front e back-end, bem como automação de testes, e preparou essas pessoas com habilidades socioemocionais para o mercado. Além de fornecer a formação, a edtech também acompanha o progresso da trajetória profissional dos alunos recolocados no mercado.
O número de participantes das formações da edtech aumentou significativamente depois da pandemia, quando o modelo foi digitalizado – até então, os treinamentos aconteciam em locais como presídios e unidades da Fundação Casa. Mais de 350 alunos se formaram e estão empregados, com uma média salarial de R$ 4,5 mil mensais.
Aporte à vista
Os clientes da Parças são organizações governamentais que compram a metodologia para uso em casas de detenção, além de empresas, que buscam empregar os formandos do programa como parte de seus compromissos na frente de meio ambiente, social e governança (ESG). Entre os clientes da edtech, estão a empresa de marketing digital Raccoon, a startup de educação financeira Barkus, além da Gerdau e da Porto Seguro. A receita atual da Parças está em cerca de R$ 1 milhão e a perspectiva é de ter um aumento no faturamento de 50% nos próximos 12 meses.
A edtech agora quer expandir o alcance dos treinamentos no país com a plataforma digital, além de aperfeiçoar as metodologias para o ensino presencial e remoto. A Parças também pretende montar ambientes físicos nos presídios, que terão equipamentos de ponta e cara de coworking: além de criar um cenário mais propício para a educação, o objetivo é aproximar alunos do tipo de lugar que podem trabalhar quando estiverem treinados e livres.
“O que entendemos é que muitas vezes, a sociedade não está preparada para formar o cidadão, muito menos para reintegrar [egressos do sistema prisional]. Por outro lado, quando falamos de formação, existe o aspecto de que estas pessoas precisam ser preparadas, não somente nas questões técnicas, mas também precisam ter uma estrutura pedagógica e emocional,” pontua Francisco.
“A questão é o foco na pessoa, em um aspecto não só de [prover] recursos, mas de [fomentar a] criação de uma outra visão de mundo,” diz o co-fundador, acrescentando que o maior desafio em relação ao público alvo da edtech é a manutenção da relação, ou seja, dar as condições básicas para que a pessoa egressa do sistema prisional consiga seguir no curso e esteja preparada para navegar as nuances do mundo do trabalho.
O avanço do modelo de negócio de impacto social da Parças vai demandar um investimento significativo. Com investidores como Nubank – através do Semente Preta, fundo para investimentos early-stage do neobanco – e Bossanova Investimentos, que juntos detém cerca de 11% da startup, a Parças vai buscar um aporte de cerca de R$ 10 milhões. As conversas com possíveis apoiadores já começaram e a expectativa é concluir a captação até março de 2023.
“Esses recursos vão nos dar condições para levar a execução para uma escala ainda mais significativa de atuação, com formação de alunos em um volume muito maior. Estamos falando de alunos que recebem bolsa financeira, computador no formato comodato, além de um aumento de equipe comercial, e mais instrutores para dar aula. A ideia é investir na sistematização dos métodos e na criação dos espaços nas unidades prisionais, que requerem uma infraestrutura muito própria e custosa, mas necessária”, explica Alan.
Ressignificando experiências
A Parças contabiliza múltiplas participações em iniciativas de fomento ao empreendedorismo, como o InovAtiva, do governo federal, um programa da Quintessa em parceria com a Votorantim, e a aceleração da BlackRocks Startups, além do PreCapLab, da investidora Luana Ozemela. Segundo Alan, o momento atual é de refletir sobre todos estes aprendizados em aspectos que vão desde como vender para o governo até modelagem financeira, para definir os próximos passos da edtech.
“Percebemos que precisamos ressignificar as experiências que já tivemos, todas as metodologias que nos permitiram chegar até aqui, e olhar de uma forma mais estratégica para o nosso modelo de negócio”, diz Alan, acrescentando que gostaria de atrair investidores que possam aportar smart money em áreas como vendas de grandes tickets e para o governo, além de internacionalização e estruturação de captações de grande volume.
Para além dos aspectos de negócios, a ressignificação que a Parças está conduzindo também abarca outros aspectos, como as esferas de influência que a startup precisará transitar para dar escala a seu modelo de treinamento para egressos. “Percebemos que [o diálogo mais próximo] com o setor público e de pessoas no espaço da política, que já se aproximam de nós, também é importante e estamos trabalhando em relação a isso”, diz Francisco.
Em um horizonte de um ano, além de fechar a rodada e sofisticar seu modelo de negócio, a co-fundadora Carla Cristina espera que a edtech continue a cumprir seus objetivos de impacto social. “Nosso maior desejo é que a Parças transforme inúmeros presídios, que muitas vidas sejam alcançadas e transformadas. E que ainda mais pessoas vislumbrem um futuro através de uma carreira em tecnologia”, finaliza.