A UX para Minas Pretas (UXMP), projeto criado por Karen Santos com foco na capacitação e empregabilidade para mulheres negras na área de user experience (UX) fez uma transição de seu modelo original sem fins lucrativos para se tornar uma startup com foco em educação.
Fundada em 2019, a UXMP tem entre suas lideranças Aline Santos, Patricia Gonçalves e Germanna Rosa, que na nova fase tornou-se sócia e COO da empresa. Mais de 900 mulheres foram treinadas pela iniciativa, através de organizações e professoras parceiras, com empresas como Natura e Accenture contratando as alunas após a formação.
O projeto também conta com uma comunidade com mais de 1500 mulheres, todas participantes do programa que dão e recebem suporte da rede enquanto progridem na carreira de UX. Nestes espaços digitais e presenciais, mulheres negras, indígenas, cis e trans se conectam e colaboram em torno do avanço profissional no segmento de experiência do usuário, e também encontram apoio emocional para desenvolver suas habilidades socioemocionais.
Em entrevista exclusiva ao Startups, Karen falou sobre os fatores que levaram à virada de chave, e das expectativas de crescimento para este ano: “Geramos muito impacto nestes últimos dois anos enquanto projeto e comunidade, e em 2021 começamos a pensar em como poderíamos chegar mais longe e alcançar mais pessoas. Queremos contratar mulheres pretas que hoje atuam como voluntárias para desenvolver produtos e serviços, e atender uma forte demanda do mercado como um negócio de fato”, pontua a fundadora.
O nicho de UX está em franca expansão, mas tem um problema de diversidade: profissionais negros representam somente 21% do segmento, segundo a pesquisa Panorama UX de 2021. Quando se trata de mulheres negras, o número tende a ser ainda menor. Ao mesmo tempo, a categoria segue crescendo, com 76% dos profissionais reportando aumento em salários, apesar da crise ocasionada pela pandemia. Neste contexto, o objetivo da UXMP é viabilizar o acesso educacional nesta área a mulheres negras, considerando o alto custo de treinamentos em tecnologia, através dos pilares de comunidade, capacitação e desenvolvimento de carreira.
Novo momento, novas metas
Em sua nova fase, a UXMP pretende formar cerca de 3 mil alunas este ano em todo o Brasil em 2022 através de um modelo remoto, com workshops e imersões, além de programas de treinamento extensivos. A startup pretende ampliar suas modalidades de treinamento, e acrescentar cursos em áreas como ciência de dados, desenvolvimento ágil, e outras funções que compõem times de tecnologia, além de programas de liderança.
A startup também planeja internalizar o treinamento em disciplinas de UX, que será pago pelas próprias alunas sob o modelo ISA – em que as mulheres pagam pela capacitação depois de empregadas – ou por “madrinhas”, que queiram contribuir para a formação de mulheres negras na área de experiência do usuário. A criação de um marketplace de talentos também está no radar da UXMP para os próximos meses.
Além disso, a edtech continuará trabalhando com empresas, que poderão patrocinar turmas e contratar uma série de serviços. Segundo Karen, a oferta engloba produtos que apoiam a retenção de mulheres negras uma vez que são contratadas. Isso inclui uma plataforma de mentorias fornecidas por mulheres negras para as alunas e ex-alunas dos programas, através de um modelo por assinatura.
Segundo Karen, há uma preocupação de empresas em tornarem suas equipes de tecnologia mais diversas, mas ainda faltam ações para que o jogo vire de fato. “Em muitas ocasiões, os esforços acabam acontecendo para que a empresa fique com uma boa imagem externa. Porém, quando olhamos para o lado de dentro, tudo fica muito no campo do discurso”, ressalta, acrescentando que a UXMP pretende preencher esta lacuna.
Gerando transformações
Para apoiar sua transição para um modelo comercial, a UXMP tem passado por programas como o Future Female, iniciativa do governo britânico com foco em negócios de base tecnológica liderados por mulheres, e atualmente pela aceleração da Rede Mulher Empreendedora.
“A construção deste processo e do modelo [sem fins lucrativos] também é bastante importante para a gente se enxergar neste lugar, entendendo que sim, é possível seremos mulheres empreendendo neste nicho, com impacto social”, acrescenta Karen, que liderava o projeto em paralelo a suas atividades como designer de produto na QuintoAndar, de onde saiu em agosto de 2021 para focar na UXMP.
Segundo Karen, a transição subverte o tabu de que não é possível gerar transformações sociais sendo um negócio. Evidência disso é a intenção da UXMP de manter seu braço sem fins lucrativos, que as fundadoras querem subsidiar com a operação comercial. “Mulheres fizeram isso acontecer nos últimos dois anos e meio de forma voluntária, e juntas construimos uma comunidade muito robusta. É uma empresa que tem um propósito”, aponta.
Mais empresas que geram impacto social vão começar a surgir, diz Karen: “O mercado vai passar a enxergá-las, entendendo que são um veículo de mudança, não só do ponto de vista das pessoas impactadas, mas também da perspectiva de negócios”, ressalta.
Ainda sobre a relevância da tese da UXMP, os números mostram uma realidade desigual em times de tecnologia, que coexiste com o discurso atual de diversidade como diferencial de negócio e crucial para a inovação. Um levantamento da PretaLab e Thoughtworks feito entre 2018 e 2019 mostra que homens representavam 68% da força de trabalho em tecnologia, e brancos 58.3%. Ao mesmo tempo, a falta de profissionais no setor pode chegar a 70mil anuais, segundo dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom).
“[Tecnologia] é um mercado extremamente aquecido e nossa proposta é extremamente oportuna, tanto em termos da necessidade de qualificação de profissionais para entrar neste setor, mas também do ponto de vista de diversidade e da falta de pessoas negras nestes departamentos, sobretudo de mulheres negras. Nós atuamos em duas ou mais dores das empresas neste sentido”, pontua Karen.
O impacto gerado pela UXMP no setor antes mesmo de se tornar uma empresa também ilustra o potencial da startup em seu novo momento, diz a CEO. “A partir do momento que profissionalizamos o que já fizemos e transformamos isso em produtos e serviços, conseguimos mirar mais possibilidades no horizonte e crescer para alcançar ainda mais pessoas – e continuar a transformar realidades”, finaliza.