Não chega a ser mais nenhuma novidade: depois de anos de alta, especialmente durante a pandemia, o mercado de SaaS parou de crescer. Os tempos de multiplicadores altos para startups do ramo ficaram no passado e, no lado de quem compra, os questionamentos sobre o modelo de recorrência viraram algo, com o perdão da redundância, algo recorrente. Nesse cenário em transformação, executivos grandes como o CEO da Microsoft, Satya Nadella, chegaram a ser incisivos, dizendo que o SaaS está com seus dias contados. Mas e aí, será que está morrendo mesmo?
“Se você tem uma empresa SaaS, pare agora. O modelo SaaS morreu. Já é tarde demais. O aluguel de software está chegando ao fim”, disparou Mohannad El-Barachi, fundador e CEO da startup canadense Wrk, em conversa com o jornalista do Startups, Leandro Miguel Souza, durante o Web Summit Rio.
Segundo o executivo, o modelo de mensalidade utilizado pela maioria de players de SaaS não se aplica mais. Para ele, muitos negócios estão se cansando da falta de flexibilidade no modelo, que não leva em consideração baixas de utilização ou momentos de recessão econômica como o atual.
Para Miguel Burger-Calderón, sócio-fundador da By Founders for Founders (BFF), fundo ianque early stage especializado em SaaS, dizer que o SaaS está morto ainda é um exagero, mas ele admite que, com certeza, se trata de um mercado que vive uma transformação profunda. “Não acho que está morrendo, mas está evoluindo. Entretanto, o modelo de aluguel de software, com cobrança por assento, tipo Salesforce, vai realmente desaparecer”, prevê.
O papel da IA
Em meio a toda essa mudança, está a inteligência artificial. Um consenso para Miguel e Mohannad é que a IA está cumprindo um papel decisivo na transformação do mercado de SaaS, obrigando players a sair da cobrança mensal para um modelo baseado em consumo. “O uso de IA está empurrando o mercado para preços baseados em transações. É a única forma de escalar de forma justa”, declara Mohannad.
Para Miguel, empresas tradicionais de SaaS já estão atentas a isso e se ajustando. Um exemplo recente é o da Zendesk, que estabeleceu um novo modelo de cobrança para sua oferta de agentes de IA: o valor a ser pago está condicionado ao volume de demandas que são solicitadas e atendidas.
“Faz mais sentido pagar apenas pelo que está sendo usado. Com a pressão econômica atual, até as grandes empresas estão reavaliando contratos caríssimos com plataformas que ninguém usa”, analisa o investidor. “A IA virou tudo de cabeça pra baixo. Hoje, software está se tornando mais sobre entrega imediata e personalização do que sobre grandes plataformas alugadas”, completa Mohannad.
Inclusive, para o CEO da Wrk, uma plataforma de automação de software com no-code, a IA está reduzindo a necessidade das organizações em adquirir softwares de terceiros. Segundo ele, está cada vez mais fácil e barato construir novas soluções, com equipes menores e maior velocidade.
“Com IA, fundadores inteligentes estão criando soluções integradas a processos já existentes, com personalização, softwares modulares, embutidos e orientados a resultados. Aqui na América Latina, por exemplo, o uso do WhatsApp como canal principal já mostra uma direção clara”, pontua Mohannad.
Para onde vai?
Miguel destaca que, como investidor, seu foco não é correr atrás das “buzzwords”, mas sim entender a evolução do SaaS e apoiar fundadores com profundidade de conhecimento no domínio. “Não corro atrás da tendência do momento. O pior portfólio é feito por quem era investidor de blockchain há 5 anos e hoje virou de IA. O que sei é SaaS, então foco em como ele está evoluindo”, pontua.
Para Mohannad, entretanto, essa incerteza no mercado de SaaS tornou o cenário bem mais incerto, o que fez muitos investidores preferirem a cautela em estágios mais avançados e fazer apostas menores. “Voltamos a ver um pouco do spread and pray, pois na verdade não sabemos ainda para onde tudo está indo”, afirma.
Perguntados sobre como o cenário de software como serviço deve ficar nos próximos anos, nem Miguel nem Mohannad tem previsões concretas. Entretanto, o consenso é óbvio: quem não se adaptar vai desaparecer. Para Miguel, a próxima geração de “unicórnios” pode até não ser chamada de SaaS, mas continuará entregando soluções baseadas em software.
“Estamos passando por mais uma iteração do ciclo. Os que se adaptarem, vão sobreviver, como sempre aconteceu. Mas o que será o SaaS daqui a 5-10 anos? Ninguém sabe ao certo”, conclui o sócio da BFF.