
A EasyTelling, startup brasileira fundada em janeiro de 2024 por Maria Paola de Salvo e Lucas Miranda, está mostrando que inovação não depende apenas de grandes cifras – e que, se tem uma coisa que os brasileiros fazem bem, é entregar mais com menos. Com um investimento pré-seed de US$ 125 mil, liderado pela Antler, a empresa criou uma plataforma de inteligência artificial conversacional capaz de transformar o conteúdo de 225 milhões de estudos científicos em aplicações práticas para empresas líderes globais em papel & celulose e dispositivos médicos, incluindo multinacionais Fortune Global 500, em projetos de pesquisa aplicada e P&D.
O feito impressiona quando comparado à norte-americana OpenEvidence, considerada uma espécie de “ChatGPT para médicos”. Fundada em 2021 por Daniel Nadler e Zachary Ziegler, a companhia captou US$ 200 milhões em outubro em uma rodada Série C e passou a valer US$ 6 bilhões – apenas três meses após levantar outros US$ 210 milhões.
Com apenas 0,06% do valor da última captação da OpenEvidence, a EasyTelling já entrega resultados concretos, despontando como uma espécie de “DeepSeek brasileira da ciência”.
A diferença é que, enquanto a OpenEvidence atua exclusivamente no campo da medicina, a EasyTelling desenvolveu uma plataforma que pode resolver desafios em todas as áreas do conhecimento. Além de localizar o artigo científico mais relevante para uma determinada demanda, a startup entrega a recomendação com critérios adicionais, como o TRL (Technology Readiness Level), que indica o grau de prontidão da solução para aplicação prática.
Teste comparativo entre plataformas
Para testar a efetividade das plataformas, a fundadora da EasyTelling fez um teste independente comparando sua plataforma com a OpenEvidence e com o ChatGPT. Ela perguntou se havia estudos científicos que comprovassem a superioridade da terapia gênica em relação às demais terapias para a AME1 (Atrofia Muscula Espinhal tipo 1), doença rara e grave que afeta bebês e compromete funções motoras essenciais, como o movimento e a respiração.
Enquanto a brasileira EasyTelling trouxe como resposta um artigo recente, de julho de 2025, com uma meta-análise, considerada o padrão-ouro da evidência científica, a norte-americana OpenEvidence apresentou o mesmo estudo diluído entre outros onze papers que não respondiam à pergunta. Já o ChatGPT afirmou não haver evidências disponíveis.
“Se uma família precisasse fundamentar um laudo médico para pedir agilidade no tratamento com terapia gênica de seu bebê, por exemplo, ela teria mais efetividade em nossa plataforma”, afirma Maria Paola.
A indignação da fundadora é a de que, mesmo com resultados superiores ao da bilionária plataforma norte-americana e um alcance mais amplo, suas conversas com potenciais investidores para uma nova rodada seed têm sido infrutíferas.
“Todos me dizem que não conseguiremos nem US$ 500 mil aqui no Brasil”, lamenta. Sua percepção é a de que os investidores brasileiros têm menos apetite para o risco e evitam projetos disruptivos, buscando garantias como receita recorrente na tomada de decisão.
Novos modelos de negócio
Para contornar essa limitação, a CEO da EasyTelling vem desenvolvendo estratégias criativas de capitalização. Além do modelo B2B baseado em fee, a startup está preparando uma versão premium B2C, com uma oferta mais enxuta voltada a profissionais que precisam de evidências científicas no dia a dia, como advogados que buscam fundamentar petições para tratamentos médicos não cobertos pela ANS (Agência Nacional de Saúde), por exemplo.
A empreendedora também planeja lançar uma plataforma gratuita para pesquisadores, permitindo que eles publiquem seus estudos na EasyTelling. “Com inteligência artificial conseguimos gerar uma ficha técnica da pesquisa em linguagem de mercado, apontando todas as possíveis aplicações”, explica Maria Paola.
A proposta é aproximar ciência e mercado, criando um ecossistema em que ambos se beneficiem. “Pensamos em gerar receita por meio de taxas sobre as conexões realizadas, como por exemplo quando uma empresa encontra uma pesquisa com potencial comercial.”
Para Maria Paola, em países emergentes como o Brasil, onde o acesso ao capital é mais restrito, a escassez se transforma em motor de inovação. Similar ao surgimento do DeepSeek na China, negócios como a EasyTelling mostram que é possível criar tecnologia de ponta com uma fração dos recursos das startups norte-americanas. O desafio, agora, é fazer com que fundos globais ampliem seu olhar para potenciais unicórnios fora do Vale do Silício.