A cidade do Rio bateu níveis recordes de calor no verão passado, com a sensação térmica ultrapassando os 60º em algumas regiões. Uma das soluções para esse problema é a restauração florestal, processo que costuma ser lento – e caro –, mas que está prestes a ganhar novos aliados: os drones. A solução vem da startup franco-brasileira Morfo, que ganhou uma licitação de quase R$ 1 milhão da prefeitura do Rio para um projeto de 100 hectares na Zona Oeste da cidade.
A licitação foi publicada nesta terça-feira (23) no Diário Oficial do Município. O projeto, no valor de R$ 939.872,00 tem duração total de 36 meses, e a previsão é que a restauração comece em agosto, no início do período de chuvas.
Esse é o primeiro contrato da Morfo com um ente público. Até o momento, todos os projetos haviam sido com a iniciativa privada, mesmo na França. Com três fundadores franceses, sendo dois da Guiana, a startup tem hoje escritórios no país europeu e no Brasil, e metade dos colaboradores é brasileira.
“O Brasil tem o maior potencial de restauração florestal no mundo, e a Morfo quer participar com essa parte científica e técnica. Nossa solução não se baseia apenas em drones, mas em pesquisas sobre a natureza e a biodiversidade. Trabalhamos com diversos tipos de projetos, com foco na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, e estamos desenvolvendo uma parceria com um instituto de pesquisa do Norte do Brasil para nos aprofundar ainda mais no bioma amazônico”, conta Adrien Pages, co-fundador e CEO da Morfo, em entrevista exclusiva ao Startups.
A conexão com a prefeitura do Rio veio em razão de uma necessidade do município de encontrar formas de acelerar a restauração florestal e alcançar áreas de difícil acesso, como encostas e topo de morros. Até então, esse reflorestamento era feito da forma tradicional, com plantio manual de mudas, por meio do programa Refloresta Rio, que existe há 37 anos na cidade.
Com a ajuda dos drones, o plantio é 50 vezes mais rápido e também sai bem mais barato para os cofres públicos. O valor para um hectare de reflorestamento tradicional em área urbana varia entre R$ 70 mil e R$ 100 mil, o que significa que para os 100 hectares contratados pela prefeitura, o valor total ficaria em cerca de R$ 7 milhões a R$ 10 milhões.
Biodiversidade
Outra vantagem, segundo Hélio Vanderlei Coelho Filho, subsecretário de biodiversidade da prefeitura do Rio, é a possibilidade de ampliar o número de sementes plantadas. “Quando o programa começou, a gente queria uma cobertura florestal rápida, então usávamos cinco ou seis espécies. Mas, com o passar dos anos, essas áreas não têm a biodiversidade que a Mata Atlântica tem, com 200 espécies. Com os drones, vamos usar em média 150 plantas nativas da Mata Atlântica”, afirma.
A área escolhida para a recuperação fica no bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Caso o projeto dê certo, a ideia é expandir para outras regiões da cidade.
“Vamos acompanhar a evolução dessa floresta para que a gente possa comparar com o método tradicional de plantio. Com os dados coletados durante esse período e o sucesso do projeto, tem mais mil hectares para expandir. Queremos ampliar a biodiversidade das florestas cariocas para que haja o retorno de mamíferos, pássaros, insetos e abelhas nativos”, diz o subsecretário.
Base científica
Em novembro do ano passado, a Morfo captou € 3,6 milhões em uma rodada seed, com extensão de mais € 4 milhões validada em abril deste ano. O aporte foi feito pelos fundos de venture capital franceses Raise Ventures, AFI Ventures, Teampact Ventures e Demeter.
A startup também esteve entre as greentechs que acompanharam delegação do presidente francês Emmanuel Macron na Amazônia, em março, ao lado do presidente Lula.
Apesar de contar com os drones para operacionalizar a recuperação florestal em larga escala, Adrien conta que a base do trabalho da startup é, na verdade, científica. A Morfo tem laboratórios no Brasil e na França para estudar as plantas e o solo, e saber quais espécies podem ser usadas no plantio. E também faz parcerias com laboratórios externos, além de universidades, como as federais de São Carlos e Viçosa, no Brasil.
“Os drones são o elemento chave, mas mais importante são as pesquisas que fazemos. Estamos coletando dados para entender o comportamento dessas espécies e nosso objetivo é que, nos próximos 10 ou 15 anos, tenhamos dados suficientes para treinar modelos de inteligência artificial que nos ajudem reduzir os riscos e os níveis de incerteza”, explica o CEO da Morfo.