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Startups e universidades: Como criar conexões para fomentar a inovação

De olho nesse potencial, Finep destinará R$ 75 mi para projetos de risco tecnológico criados por empresas e universidades

Inovação
Foto: Startups

O relacionamento entre startups e o meio acadêmico pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento do país. Se sozinhas elas já trabalharam para pesquisar e desenvolver soluções inovadoras, juntas têm o potencial de apoiar ainda mais a criação de novos serviços e iniciativas. No Brasil, essa aproximação ainda é é incipiente – e demanda alguns empurrões de diferentes atores para se tornar uma prática frequente e mais eficaz.

De olho nesse potencial, a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), agência pública de fomento à ciência, tecnologia e inovação em instituições públicas ou privadas, lançou um edital que estimula a aproximação entre universidades, centros de pesquisa e empresas. A entidade vai destinar um total de R$ 75 milhões para projetos de risco tecnológico desenvolvidos em conjunto entre empresas e universidades (ou Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs).

Cada projeto receberá de R$ 1,5 milhão a R$ 5 milhões. Os recursos devem ser utilizados para desenvolvimento ou aprimoramento de novos produtos, serviços ou processos; avaliação de desempenho (inspeção, ensaios, teste de conformidade e certificação); e patenteamento de soluções desenvolvidas no projeto. 

“Foi a primeira vez que lançaram um edital que de fato incentiva [a conexão entre empresas e universidades] com valores financeiros razoáveis e mostra que quer ajudar”, afirma Luiz Ricardo Marinello, sócio do Marinello Advogados, escritório de advocacia especializado em assessoria para entes inseridos na inovação tecnológica e economia criativa.

O advogado explica que outras ações foram criadas no passado, como a lei 10.973, de 2004, que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. No entanto, elas não tiveram muita eficiência. “Ainda havia uma certa nebulosidade de interpretação das nomas”, diz Luiz.

Em 2016, veio a lei 13.243 – que, segundo o especialista, deu mais liberdade e empoderamento para o servidor público assinar contratos com a indústria e licenciar suas tecnologias. “Desde então, temos um cenário mais interessante, com empresas se aproximando mais das indústrias e o governo mais atento sobre seu papel de criar formas de incentivo.”

Luiz Ricardo Marinello, sócio do Marinello Advogados (Foto: Divulgação)

Requisitos para aplicar

Com o edital da Finep, a expectativa é que a conexão entre empresas e universidades seja ainda mais forte. Não há um prazo final de inscrição – termina quando acabar o dinheiro. Segundo Luiz, a verba disponibilizada é boa, mas não deve demorar muito para chegar ao fim. “Para as indústrias que tenham interesse em aplicar, esse é o momento”, diz o advogado.

Os projetos elegíveis são aqueles de pesquisa e desenvolvimento que gerem direitos de propriedade intelectual através da inovação. Podem participar pequenas, médias e grandes empresas de qualquer lugar do país.

O edital traz algumas contrapartidas com base no tamanho das empresas. Aquelas de pequeno porte, por exemplo, com R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões de receita operacional bruta em 2021, terão que aportar 5% do que a Finep financiar para o mesmo projeto. Quanto maior a empresa, maior a contrapartida, podendo chegar a pelo menos 50% em negócios acima de R$ 300 milhões de receita.

Para os empreendedores interessados, o primeiro passo é avaliar qual tecnologia desejam desenvolver. A companhia precisa atender os requisitos do edital, como estar há pelo menos um ano operando no mercado e pensar em um projeto que envolva propriedade intelectual. “Depois, é a hora de buscar a ICT que tenha a tecnologia que a empresa está buscando e negociar com ela como vai ser a elaboração do projeto”, explica Luiz.

O advogado ressalta que, nessas conversas, é fundamental discutir a quem pertencerá a propriedade intelectual que resultar da parceria. “Cada caso será de um jeito. As partes devem fazer uma análise do que cada uma está aportando para o projeto e deixar claro no contrato para evitar conflitos no futuro.” Com tudo encaminhado, a última etapa é aplicar para a Finep e desenvolver o projeto com os centros de pesquisa.

Os potenciais da parceria

A junção entre mercado, governo e universidade é o que promove de fato a inovação e pode trazer retornos sociais, econômicos e ambientais para o país. A opinião é de Lucas Delgado, sócio da consultoria EMERGE Brasil, especializada em projetos que unem ciência e inovação tecnológica.

Ele explica que a parceria pode ser muito vantajosa para startups que já atuam próximas da ciência e trabalham em áreas de biotecnologia, transformação genética, novos materiais e geração de energia, entre outros. “Essas  empresas precisam da ciência para se desenvolver e aplicar P&D aos seus produtos. Naturalmente, isso abre portas muito fortes para esse tipo de relacionamento”, pontua.

No entanto, a conexão gera resultados mais amplos e pode alavancar também startups do mundo digital. “A forma mais tradicional de relacionamento do mercado e universidades é recolher mão de obra. Mas podemos ir além e criar projetos que melhorem a competitividade da empresa, além de fortalecer setores em que o Brasil pode se tornar competitivo globalmente”, diz Lucas.

Ele acrescenta que para as universidades a parceria pode ajudar resolver um de seus principais desafios: noção sobre o mundo dos negócios. “O exercício da startup é entender o mercado, saber onde existe demanda e problemas a serem resolvidos. Essa não é necessariamente uma expertise do ecossistema acadêmico”, pontua. Segundo Lucas, as universidades têm tentado cada vez mais reforçar esse relacionamento, buscando formas de levar a pesquisa da bancada dos laboratórios ao mercado. “É um desafio robusto, e as startups podem dar um direcionamento.”

Felipe Novaes, sócio fundador e managing director da The Bakery, empresa que ajuda corporações a obterem resultados com inovação, ressalta que as universidades e a Academia de maneira geral produzem muita tecnologia que poderiam ser comercializadas. “Existem muitas coisas que as startups querem resolver e já foram solucionadas na Academia. O problema é que ninguém sabe. As empresas não sabem nem procurar onde estão essas patentes ou não entendem os textos dos documentos, que normalmente são cheios de termos técnicos”, argumenta.

“Quando a gente consegue juntar as duas partes ambas ganham eficiência, unindo o técnico-científico ao econômico e mercadológico”, afirma Felipe. Para o executivo, a conexão só pode trazer benefícios. “Se conseguíssemos juntar o capital intelectual das universidades com a agilidade e visão de negócios das startups e o capital financeiro das grandes empresas, o Brasil de fato seria exportador de tecnologia.”

Felipe Novaes, sócio fundador e managing director da The Bakery (Foto: Divulgação)

Outras formas de se aproximar

Embora o relacionamento entre empresas e universidades ainda seja incipiente no Brasil, startups que queiram fortalecer essa conexão têm algumas alternativas além da Finep. Lucas Delgado, da EMERGE, cita ações do instituto Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que faz chamadas públicas, projetos cooperativos e oferece apoio financeiro para startups desenvolvimento do projeto de inovação.

“É um projeto de política pública fantástico para incentivar a aproximação entre empresas e universidades. O objetivo é investir e reduzir o risco de investimento em projetos inovadores”, observa Lucas. O Embrapii normalmente subsidia até um terço do valor, mas tem uma parceria com o Sebrae que também ajuda a financiar o projeto.

No ano passado, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)  lançou o Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas para Transferência de Conhecimento (PIPE-TC). A iniciativa visa financiar projetos feitos por pequenas empresas em parceria com pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa.

Lucas fala também do papel das consultorias especializadas, como a EMERGE e a The Bakery. Outro player nessa área é a Innoscience, uma consultoria em inovação e estratégia fundada por um grupo de profissionais com experiência executiva e sólida atuação acadêmica. “O papel dessas consultorias, especialmente no Brasil, é ser o construtor de pontes. Entender qual é a dinâmica de cada parte e construir projetos conjuntos”, diz Lucas.

Luiz Ricardo, sócio da Marinello Advogados, cita também um trabalho mais informal. “Os empresários podem bater na porta dos núcleos de inovação tecnológica, se apresentar e dizer que quer desenvolver algo em conjunto”, pontua.

Lucas Delgado, sócio da consultoria EMERGE Brasil
Lucas Delgado, sócio da consultoria EMERGE Brasil
Foto: Divulgação

Avançou, mas pode melhorar

A opinião unânime dos especialistas é que o projeto da Finep é um passo importante para a aproximação entre startups e o meio acadêmico, mas não pode ser o único. “O governo tem que investir mais em ciência e tecnologia. Precisamos de mais editais, com valores maiores e mais incentivos”, pontua Luiz Ricardo, da Marinello Advogados.

Lucas Delgado, da EMERGE, ressalta que as ações precisam envolver 4 agentes: universidade, empresas, indústria e governo. “Precisa de mais mobilização governamental, mas também de um movimento mais forte do mercado”, pontua. Ele explica que empresas maiores têm um papel importante para estimular essa aproximação, já que naturalmente se aproximam de startups B2B que, com o apoio dos centros de pesquisa, podem gerar novas soluções para o mercado.

Do lado das universidades, Felipe Novaes, da The Bakery, afirma que “a Academia ainda é muito fechada em relação às suas pesquisas e propriedades intelectuais”. Por isso, incentivos como os da Finep são importantes para abrir novas portas aos pesquisadores e o mercado em geral.

Um desafio ainda a ser enfrentado, segundo Felipe, envolve a gestão das propriedades intelectuais. “Muitas vezes, da forma como o processo é estruturado – seja por modelo de negócio da universidade ou por legislação – inviabiliza a comercialização da propriedade intelectual. É uma questão sistêmica de como funciona a Academia, mas existe muita possiblidade de remanejo”, conclui.