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Três Selos surfa na alta do vinil para emplacar clube de discos

Apesar de LP no Brasil ser artigo de luxo, selo independente aposta em curadoria e profissionalização para crescer

Três Selos
Três Selos. Crédito: Leandro Souza/Startups

João Noronha não chega a ver a Três Selos como uma startup, e mais como um clube de apaixonados por música que assinam música no seu formato mais clássico: o disco de vinil. Entretanto, ao entrar no seu quinto ano de operação, a empresa está se transformando para operar menos como um selo independente, ganhando mais eficiência para crescer, tal como uma… startup.

Para quem não conhece, a Três Selos nasceu da união de (obviamente) três selos independentes – atualmente são a Assustado Discos, EAEO Records e Nada Nada Discos – que se uniram para fazer grandes lançamentos. Inicialmente, o plano era importar discos e vender a preços mais acessíveis no Brasil, mas pouco tempo depois o plano mudou: encontraram no clube de assinatura o seu modelo para se firmar no mercado.

“Nascemos em um meio bem pouco profissional, que é o de selos independentes, onde as coisas são feitas muito mais no amor do que pensando no lucro”, explica João Noronha, que lidera a EAEO Records e é um dos diretores da Três Selos. “No primeiro ano começamos de forma quase amadora e ainda assim operamos com uma média de 300 assinantes. Foi no segundo ano, em 2020, que passamos a ter uma equipe própria”, revela.

Apesar do começo modesto, João revela que a pandemia deu um empurrão no mercado de vinil no Brasil, e a Três Selos aproveitou este momento para ampliar sua base, chegando na casa dos mil assinantes, o que para um mercado de nicho e com ticket médio alto, não é um mau número, segundo ele.

“Hoje estamos com uma média estável de assinantes, entre 800 e mil. Com o fim da pandemia, vinil deixou de ser uma prioridade para algumas pessoas, então o mercado de vinil desacelerou. Continua crescendo, mas não tanto”, completa João.

Apesar da fidelização que o clube de assinaturas traz, a Três Selos investiu em outro modelo para tornar sua operação mais rentável. Desde 2021, ela lançou a modalidade Três Selos Paralelo, onde além do lançamento mensal da assinatura, são lançados álbuns que podem ser comprados de forma avulsa, com descontos para quem é assinantes.

“Com o Paralelo, encontramos uma forma de melhorar nossas margens, com lançamentos de valor agregado, como discos duplos e edições especiais. Assinatura tem suas vantagens, fideliza clientes e prevê fluxo de caixa, mas tem suas limitações, não dá para ser duplo, pq o custo mensal para o assinante é baixo”, explica João. No caso da assinatura, o consumidor paga R$ 130 mensais por álbum, enquanto que na compra avulsa esse preço já sobe para R$ 180.

Foi pela Três Selos Paralelo que a empresa lançou recentemente alguns de suas reedições mais vendidas, como um box especial do clássico disco do maestro brasileiro Arthur Verocai, de 1972. “Para os lançamentos da Paralelo, conseguimos fazer algumas parcerias com selos grandes como Sony e Warner. Outro lançamento grande, como o Kaya N’Gan Daya, do Gilberto Gil, negociamos diretamente com o escritório do Gil”, revela.

Para colecionadores

Apesar do buzz criado em torno do mercado de vinil – no Brasil não existem números deste crescimento, mas globalmente, as vendas de LPs novos ultrapassaram em 2023 as vendas de CDs, algo que não acontecia deste 1987 – a Três Selos reconhece que no Brasil ainda é um segmento bastante nichado.

“O Brasil não tem capacidade de colocar o vinil no mainstream”, dispara João. Entendendo este perfil diferente do consumidor de vinil, que desenbolsa a partir de R$ 150 para comprar um disco novo lacrado, a empresa investiu em curadoria e edições mais caprichadas.

Cada lançamento, tanto da assinatura quanto da Paralelo, contam com capas especiais duplas, pôsteres e encartes informativos contando a história de cada disco. Para estes conteúdos, a Três Selos trouxe jornalistas especializados como Lorena Calábria e Ramiro Zwetsch, que resgatam dados históricos e entrevistas os artistas para trazer informações adicionais à audição dos álbuns.

O foco da Três Selos é essencialmente na música brasileira, resgatando principalmente discos de artistas não tão conhecidos ou discos raros que em suas edições originais eram vendidos a altos valores nos sebos da vida. Pelo clube, álbuns como Vinte Palavras ao Redor do Sol, da paraibana Cátia de França, ou Simples, do soulman gaúcho Luis Vagner, receberam novas cópias no mercado, chegando a um novo público.

Rafael Cortes (Assustado Discos) e João Noronha (EAEO Records), da Três Selos (Crédito: Divulgação)
Rafael Cortes (Assustado Discos) e João Noronha (EAEO Records), da Três Selos (Foto: Divulgação)

Entretanto, a curadoria do selo também passou a trazer artistas mais conhecidos, ajudando a trazer mais consumidores para o seu site – onde todo o comércio é feito. Discos mais recentes como Boogie Naipe, do rapper Mano Brown, tiveram suas cópias esgotadas em poucos dias. “Para 2023, estabelecemos um calendário bem forte de lançamentos para reforçar essa presença”, completa João.

O cuidado também se dá no próprio “bolachão”, que em muitos lançamentos vem em edições coloridas, prensadas em sua maioria na planta da Rocinante, uma das três fábricas de vinis que o país tem. Aliás, a escassez de fábricas no Brasil chega a afetar o prazo de entrega de alguns dos discos da Três Selos, podendo passar de 90 dias para a entrega das prensagens.

“No caso das assinaturas, anunciamos e cobramos o disco meses antes da entrega, o que nos ajuda nos custos e torna o preço mais atrativo para o consumidor. No caso do Paralelo, saímos de zero discos vendidos, e assumimos antecipadamente o custo da prensagem, que sai em média R$ 90 mil, para fazer mil cópias. É uma operação de alto custo, e as margens não são grandes, pois o consumidor já paga caro”, analisa João.

Ainda assim, é um mercado de tentativa e erro. Enquanto uns discos esgotam rapidamente, outros podem ficar por meses “encalhados”. “Foi o caso recente de um disco do Cartola (Verde Que Te Quero Rosa), que encomendamos 2 mil cópias, achando que iria vender rápido e trazer novos assinantes, mas não foi tanto quanto esperávamos”, diz João.

Concorrência

Aqui no Brasil, a Três Selos não tem muitos concorrentes, apesar de ter alguns grandes. Um dos exemplos mais bem-sucedidos de assinatura de vinis é o da gaúcha Noize, que lançou em 2014 o seu clube e hoje acumula alguns milhares de assinantes, lançando discos de grandes artistas como Lenine, Caetano Veloso e Planet Hemp.

Quem também entrou na jogada e criou o seu clube de LPs foi a Universal Music, gravadora que resolveu revirar seu baú de clássicos e começou no ano passado a reeditar álbuns raros de artistas como Elis Regina, Erasmo Carlos, Paulinho da Viola e outros, também apostando na recorrência de receita.

Apesar de todos estes movimentos, João reconhece que o mercado brasileiro nem se compara com as vendas de vinis nos Estados Unidos, por exemplo. Por lá, startups como Vinyl Me, Please e Black Box, entre outras, tem dezenas de milhares de assinantes mensais. Aliás, várias delas tem um perfil mais startupeiro, incluindo camadas de inteligência para analisar gostos dos assinantes e fazer indicações customizadas de álbuns.

Até a Amazon entrou na jogada, lançando em 2021 sua modalidade de assinatura de discos, oferecendo diferentes trilhas (rock, jazz, pop etc.) para atender aos gostos dos clientes, e oferecendo desde discos clássicos até lançamentos como parte do pacote.

Claro que nos EUA o cenário é outro – onde um disco em média sai por US$ 30 dólares, um valor bem mais em conta se comparado ao salário mínimo de lá. É o mercado mais aquecido, que impulsionou em sua maioria o crescimento acentuado da mídia nos últimos anos. No Brasil, na visão de João, a situação é completamente diferente, o que torna o desafio da Três Selos algo bem mais, digamos, desafiador.

“É um mercado que tá se profissionalizando, tá crescendo, mas é artigo de luxo. Inclusive, temos uma base de assinantes que são de fora do país”, finaliza João.