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VCs X aceleradoras no Brasil: onde está o gap?

Estudo aponta que 70,5% dos VCs brasileiros, na hora de investir, são indiferentes ao fato de uma startup ser acelerada

Maturidade baixa? Falta de investimentos? Falta de comunicação? Onde está a distância entre VCs e aceleradoras? (Foto: Canva)
Maturidade baixa? Falta de investimentos? Falta de comunicação? Onde está a distância entre VCs e aceleradoras? (Foto: Canva)

Nos Estados Unidos, quando uma startup passa por uma aceleradora como Y Combinator ou 500 Global, é praticamente um selo que chama investidores interessados. Contudo, a cena tupiniquim não poderia ser mais diferente do que se vê lá fora. De acordo com o levantamento, 70,5% dos VCs brasileiros são indiferentes se startups passaram ou não por uma aceleradora – ou seja, isso não é critério na hora de investir.

A constatação vem do estudo (e tese de mestrado) de um veterano no mercado brasileiro de venture capital, Gabriel Hidd, atualmente diretor do Parque Tecnológico de Santos. Na pesquisa, que ouviu 44 VCs nacionais, apenas 25% deles vêem a aceleração como um diferencial, e outros 4,5% dão relevância a startups que passaram por incubadoras.

Com passagens em aceleradoras gringas como a International Accelerator (em Austin) e nacionais como a ACE, ele fez o levantamento baseado em uma inquietação pessoal, face à falta de dados sobre como as rodadas nacionais de VCs contemplam startup vindas de aceleradoras.

A partir dos dados compilados para a tese, Gabriel estima que mais de 5 mil startups passaram por incubadoras ou aceleradoras. Entretanto, os cases de rodadas levantadas por startups aceleradas são poucos.

“Trabalhando em aceleradoras, via que muitas tinham dificuldades em buscar investidores, e em alguns casos até atrapalhava na hora de captar. Também era difícil ver o track record de rodadas levantadas no lado das aceleradoras, e foi por isso que resolvi conduzir o estudo, perguntando no lado dos VCs”, explica Gabriel, em papo exclusivo com o Startups.

No estudo, outras críticas dos VCs às aceleradoras também despontaram. Uma delas é diluição do capital no caso de startups aceleradas. “Um dos respondentes chegou a afirmar que incubadoras e aceleradoras atraem empresas ruins e que ‘poluem’ o ambiente de startups, ao tomar participações societárias de mais de 10%”, dispara Gabriel.

Gabriel Hidd, responsável pelo estudo sobre VCs e aceleradoras. Foto: divulgação.
Gabriel Hidd, responsável pelo estudo sobre VCs e aceleradoras. Foto: divulgação.

Outra “bola levantada” pelos respondentes foi a de que, na realidade do ecossistema brasileiro, os bons fundadores “estão em outro patamar”, e não necessitam de incubação ou aceleração para atrair investidores.

Pergunta aos VCs

Assim como fez Gabriel para o seu estudo, resolvemos perguntar para VCs do mercado brasileiro se realmente esse gap entre o venture capital e aceleradoras é uma realidade.

Para Franco Pontillo, um dos sócios da DOMO.VC, a resposta não é tão simples. “Ao meu ver, depende principalmente do estágio da startup e do fundo. Para o nosso fundo-anjo, a aceleradora tem um papel importante, pois é uma startup em formação, e a aceleradora tem esse papel de ensinar o básico”, explica.

Entretanto, Franco ressalta que, diferentemente do que se vê em mercados mais maduros, como o norte-americano, é fato que no Brasil não se vê muitas startups saindo da aceleração direto para a esteira de um VC. “Em muitos casos, tem startups que saem desse processo e recebem um investimento-anjo, pois ainda não tem a maturidade desejada por um VC”, pontua.

Para Romero Rodrigues, hoje sócio e investidor na Headline, mas que fez sua carreira do outro lado do balcão, como fundador do Buscapé, vê as aceleradoras como uma base importante para as startups, mas elas ainda tem um longo caminho para chegar ao grau de prestígio e maturidade que se vê lá fora.

“No Brasil as aceleradoras não têm a mesma reputação que lá fora, mas acho que isso é uma comparação um tanto injusta, pois a YC estabeleceu uma barra muito alta por lá. Criou uma reputação que se torna atrativa aos fundos, o que não tem ainda por aqui”, pondera.

Romero Rodrigues, sócio da Headline. Foto: divulgação
Romero Rodrigues, sócio da Headline. Foto: divulgação

Entretanto, Romero mesmo recorda que, nos primórdios do Buscapé, o primeiro investidor da companhia foi um grupo que na época era uma incubadora. “Foi o que nos ajudou na parte de processo da empresa, escritório, financeiro, jurídico, até na estratégia. Naquela época, porém, ainda não tínhamos a literatura, empreendedorismo não era uma palavra”, recorda.

Na visão de Leo Monte, presidente da Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVC), o Brasil ainda está por construir um ecossistema de aceleradoras com chancela e com capital para bancar startups mais maduras para uma track de venture capital.

“Temos aceleradoras que fazem um grande trabalho de time, de produto, de modelagem, mas no geral estamos ainda um passo atrás. No caso, passar por uma aceleradora não chega a dar uma vantagem na hora de buscar investimento”, dispara.

Fechando o gap

Representando o lado das aceleradoras, Pedro Waengertner, da ACE, admite que existem discrepâncias entre as teses das aceleradoras brasileiras e dos VCs daqui, mas também ressalta que a distância está diminuindo.

“Mais VCs estão buscando dealflow, buscam startups qualificadas, é um cenário diferente do que tínhamos 10 anos atrás, com muitos fundadores ‘no peito e na raça’, ou 5 anos atrás, quando o dinheiro estava farto”, analisa o cofundador e CEO da ACE.

Inclusive, Pedro deu exemplos de como o gap entre aceleradoras e VCs está fechando. No caso da ACE, ele citou o exit da Melhor Envio, que foi comprada pela Locaweb, e da Logcomex, que captou no ano passado R$ 165 milhões em uma rodada liderada pela Riverwood.

Conforme estaca Pedro, nos EUA um terço das startups que passam por aceleradoras se conectam com VCs early stage mais na frente, e isso não é exclusividade de nomes grandes como YC ou Plug and Play.

Pedro Waengertner, cofundador e CEO da ACE. (Foto: Divulgação)
Pedro Waengertner, cofundador e CEO da ACE. Foto: Divulgação

“Se compararmos com o mercado norte-americano, ainda falta a penetração das startups aceleradas, mas temos o volume, sim”, afirma o CEO da ACE.

Para Franco, um dos desafios é o de qualificar esse volume nas aceleradoras, e isso esbarra em um problema básico: o de investimento. 

“Falta dinheiro por aqui, é diferente de uma YC que coloca dinheiro na mão dos founders. A quantidade que se aporta aqui é baixa, e é por isso que fundamos um fundo anjo: para dobrar o dinheiro na ponta da aceleradora. Se aparecer mais fundos VC com tese de anjo, com certeza vão olhar para aceleradoras”, explica o sócio da DOMO.

Caminhos possíveis

A tal desconexão entre os VCs e as aceleradoras no Brasil abriu espaço para uma nova trilha no país. Mais e mais aceleradoras estão se tornando parceiras de grandes empresas em suas trilhas de Corporate Venture Capital ou de inovação aberta. É o caso de empresas como a própria ACE ou da gaúcha Ventiur.

“Como reflexo dessa dificuldade na hora dos exits, muitos fundos mudaram o modelo desde então, viraram parceiros de grandes empresas para tocar CVCs ou programas, mas daí o cliente principal não é a startup”, afirma Gabriel.

Para um agente do ecossistema que não quis se identificar, é aí que mora um problema importante: o de mudar o foco das startups para as necessidades da companhia contratante do programa de aceleração, mesmo que isso torne a startup menos atraente para um possível investidor.

“Nos EUA, aceleradoras preparam para uma trilha de investimentos. Aceleração no Brasil é um produto de prateleira mais para atender as corporações contratantes, do que gerar valor para as startups”, afirma a fonte.

Por outro lado, para Leo Monte, o híbrido de CVCs e aceleradoras é positivo, entregando às startups algo que muitos fundos não tem, que é o de abrir mercado diretamente.

Leo Monte, presidente da ABCVC (Foto: divulgação)
Leo Monte, presidente da ABCVC (Foto: divulgação)

“É uma tendência natural o plug das CVCs com as aceleradoras, pois a proposta de valor de uma startup acaba sendo melhor observada, e ajuda também os VCs a verem de forma prática como um negócio pode dar retorno”, avalia.

Via de mão dupla

No fim das contas, ouvindo diversos lados da história, uma máxima se repete: a de que é tanto papel das aceleradoras quanto dos fundos se encontrarem no meio do caminho para qualificar e gerar oportunidades.

“Teve uma época por aqui em que as aceleradoras foram os principais desenvolvedores do ecossistema, antes dos grandes cheques serem assinados. Faltou ter uma união mais forte dos VCs com as aceleradoras que fazem esse trabalho de base”, dispara Pedro Waengertner. 

Gabriel Hidd reforça o coro com o cofundador da ACE. “O Venture Capital também tem sua parcela de culpa, pois ele não sai tanto de sua bolha para conversar com aceleradoras e incubadoras para unir forças”, diz o autor da tese.

Para Romero Rodrigues, as aceleradoras brasileiras tem a missão de recuperar e estabelecer “selos de qualidade” que já possuíram em outro momento, antes do venture capital se tornar a estrela no cenário. “Tínhamos aceleradoras nacionais com demo days celebrados. Falta voltar um pouco disso, como é o caso da YC lá fora”, afirma.