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Venture capital e startups: a festa acabou?

Com a economia cheia de incertezas, a aversão ao risco aumentou e as torneiras de dinheiro farto se fecharam. Acabou a festa do VC?

Homem negro sentado no chão triste com o fim da festa
Foto: Polina Tankilevitch/Pexels

O ano de 2021 foi histórico para o mercado de venture capital. Cheques milionários, centenas de contratações e um punhado de novos unicórnios só no Brasil. Depois de um ano recorde em volume e número de investimentos, as startups estão precisando se adaptar a um novo cenário. Com a economia cheia de incertezas, a aversão ao risco aumentou e as torneiras de dinheiro farto se fecharam. A pergunta que fica é: a festa acabou?

Para Bruno Britto, da Cedro Capital; Fernando Silva, da Crescera Capital; e Renato Ramalho, da KPTL, a festa está só começando para quem trabalha direito e não “queimou a largada”. “Estamos vivendo o amadurecimento do setor. O VC começou a entrar em evidência com a taxa de juros baixa nos últimos anos, somado a um boom de empreendedorismo global”, avalia Fernando. O trio participou do mais recente episódio do MVP, o podcast do Startups, que está disponível nas principais plataformas. Para ouvir, é só clicar aqui.

Fernando cita a guerra entre Rússia e Ucrânia e a pandemia como fatores que também levaram à tensão atual no mercado e diz que, frente a esse cenário, é natural que as pessoas fiquem mais seletivas na hora de investir. “Houve uma seca brusca [de capital disponível]. Isso é normal. São ciclos e toda classe de produto passa por esses momentos”, pontua. Segundo Fernando, é nessas horas que o ecossistema ganha aprendizados. “As gestoras que trabalham de forma consciente, fazem conta na hora de investir e querem fazer o melhor negócio possível vão aproveitar este momento”, diz.

Do ponto de vista da Crescera, ele diz que a empresa já deixava passar ativos que apresentavam valuations considerados fora da realidade. “Para nós, não há muita mudança de mentalidade e continuamos fiéis às nossas definições.” Analisando a carta da Y Combinator, que alerta os empreendedores a segurarem o caixa e atuarem de forma mais responsável, Fernando afirma que já era isso que a gestora fazia. “A gente já era eficiente na alocação de recursos e diligente com as despesas antes da bolha estourar. Então isso só reforça o que falávamos antes”.

Bruno, da Cedro Capital, também vê o momento atual com bons olhos. “Estamos vendo um ajuste de liquidez em função do excesso do ano passado. É um momento de leve ressaca, mas a festa continua”, diz o executivo. Ele descreve o ciclo de amadurecimento do VC como positivo e destaca que bons projetos, equipes e empresas continuam captando.

De quem é a culpa?

Não dá para negar que muitos empreendedores erraram na hora de lidar com a abundância de capital. Tinha muito dinheiro disponível e parecia fácil captar mais e mais e mais. Muitas empresas aumentaram os times sem imaginar que no ano seguinte estariam passando por ondas de demissão em massa. Os que captaram grandes rodadas levaram o valuation às alturas, mesmo quando as avaliações não estavam de acordo com os fundamentos do negócio.

Mas não dá para colocar tudo na conta só dos empreendedores. “Todo mundo da cadeia teve culpa. Teve investidor sem o incentivo correto e alinhado. Que captou um fundo grande demais, tinha um período para investir e uma pressão para alocar o dinheiro. Se o LP [parceria limitada] não faz a conta, não vai questionar e todo mundo fica feliz, sendo enganado e sorrindo”, diz Fernando, da Crescera.

Renato, da KPTL, ressalta que os processos de aprendizado não são exclusivos do venture capital. “Todas as bolhas passadas que vivemos no mundo inteiro [passaram por isso]”, afirma. Ele cita a crise de 2008, a bolha da internet e até as recentes empresas que chegaram no IPO. “Não é uma particularidade do VC. O venture capital está passando por essa dor do excesso de liquidez e vai ficar um aprendizado grande.”

Ainda há alternativas

Os executivos concordam que vai ser um ano difícil, mas que as oportunidades continuam, e o corporate venture capital pode ser uma boa opção. Só nos últimos meses, grandes organizações como B3, Locaweb, Totvs, Renner e Valid lançaram seus veículos de CVC. Juntos, eles somam quase R$ 1,5 bilhão em aportes minoritários para startups de diferentes portes e setores.

“O Brasil sempre foi lugar de corporate venture. Quando não tinha dinheiro privado, o empreendedorismo era financiado por grandes corporações. O que está acontecendo agora, por questões de competição global e sobrevivência, as corporações estão acelerando suas estratégias de inovação, colocando tecnologia no dia a dia”, explica Renato, da KPTL.

Bruno, da Cedro, observa também oportunidades para fundos direcionados a outras regiões do país. Empreendedorismo acontece em todos os lugares, assim como o surgimento de negócios com grande potencial de crescimento. No entanto, a maior parte do dinheiro alocado ainda vai para o Sudeste.

“Nos Estados Unidos o capital é muito mais espalhado entre as diversas geografias. No Brasil, a concentração em São Paulo ainda é muito forte, mas há oportunidade de venture capital no país todo, o que cria um potencial de arbitragem para fundos que operam em outras regiões”, explica. No caso da Cedo, a gestora está localizada em Brasília e tem foco de atuação na região central do país.

Sobre as demissões em massa, eles dizem que a vantagem para o mercado é que tem muito profissional qualificado em busca de emprego. “As empresas badaladas estão cortando e as que foram escalando com responsabilidade e de forma consistente estão na outra ponta: contratando e crescendo”, observa Bruno.
Os unicórnios são as principais empresas cortando times para reduzir custos. Só nos últimos meses, Loft, Movile, Loggi, Ebanx, VTEX e Facily enxugaram a operação. A mais recnte da turma foi a MadeiraMadeira, que dispensou cerca 60 pessoas do seu quadro de 2 mil colaboradores. “Essa coisa de venerar e fazer unicórnio a qualquer custo está errado. Tem que ter produto, escala, modelo de negócio consistente e estratégia”, conclui Fernando.