Fazer negócios no Brasil e na América Latina não é nada fácil. Mas o retorno vem para quem é paciente. Os fundos de venture capital que o digam. Pouco mais da metade dos gestores que atuam na região apresentam retornos que se encaixam nos top 25% em comparação com nomes globais. Cerca de um quarto deles está ainda melhor: fica entre os 5%.
Quando comparados a índices como o CDI americano, o IBOV em dólares e mesmo o S&P500, os fundos latinos também se dão bem, chegando a performar até 3,5 vezes melhor para as casas que se encontram no quartil superior de desempenho. A análise foi feita usando informações cedidas pela gestora Spectra sobre o desempenho de 42 fundos que representam 70% do capital alocado na região.
“Para os empreendedores e investidores que passam por dificuldades, mas conseguem perseverar, o retorno é desproporcional. Depois que se supera a barreira de entrada, existe um mar azul que permite expansão”, avalia Ana Martins, sócia da gestora Atlantico. Ela cita como exemplo o Nubank, que é um dos melhores negócios feito pela Sequoia toda poderosa em nível global.
Junto do Mercado Livre e do iFood, o roxinho integra um grupo que a Atlantico batizou de “Trio Triunfante” – numa clara alusão às Sete Magníficas, grupo que reúne as sete gigantes globais da tecnologia: Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Nvidia, Meta e Tesla.
O trio latino é um dos destaques do Latin America Digital Transformation Report, um estudo anual feito pela Atlantico para analisar as principais movimentações e tendências no mercado. Com o tema “A América Latina faz melhor”, o material de quase 200 páginas dá contexto sobre a digitalização das empresas, oportunidades na transição energética, o mercado de fintechs, sentimento de fundadores, e temas quentes como os impactos do Ozempic – os brasileiros dizem que não aprovam muito o uso do remédio; as bets – que já consomem mais de 1% da renda de famílias das classes D e E -; e uma percepção negativa sobre o uso excessivo dos celulares.
De acordo com a Atlantico, a região tem um potencial enorme para cumprir em termos de geração de valor pelas empresas de tecnologia. A cifra exata é de US$ 4,17 trilhões de dólares para a região como todo e US$ 1,44 trilhão para o Brasil se a referência for os EUA. Por lá, o valor de mercado das principais empresas de tecnologia representa 76,7% do PIB. Em LATAM o percentual é de 2,9%, enquanto no Brasil ele fica em 3,5%.
Se for para ficar mais perto da Índia ou da China, a distância é bem menor. São quase US$ 900 bilhões para Latam e US$ 300 bilhões para o Brasil. Com 30 unicórnios, a América Latina tem bons candidatos na fila para ajudarem nessa expansão. A Atlantico destacou quatro, que têm feito um bom trabalho de expansão internacional: Wildlife, Hotmart, Wellhub (antigo Gympass) e Cloudwalk.
Sim, vamos falar de AI
Pois é. Assim como no estudo do ano passado – e como em qualquer conversa que se prese hoje em dia – a inteligência artificial é um dos pontos abordados no estudo da Atlantico.
O brasileiro se mostra bem atento ao assunto, com 60% das pessoas dizendo terem algum conhecimento do tema. Ao mesmo tempo, parece haver reticências em relação ao compartilhamento de dados pessoais com as ferramentas: 74% das pessoas terem respondido que não estão confortáveis ou estão desconfortáveis com isso. Só 17% se sentem à vontade. Os 10% restantes não souberam opinar.
Dentre as instituições com as quais as pessoas se sentiriam tranquilos em compartilhar seus dados, instituições financeiras atuais lideram a fila, seguida por empresas de saúde, outros tipos de instituições financeiras e quem oferece serviços de embedded finance. As ferramentas de IA por si só, estão na lanterninha.
O ceticismo também parece assolar os fundadores. Apesar de a adoção da tecnologia entre empresas e desenvolvedores se mostrar mais elevada na América Latina do que na média global, a percepção geral é de que o mercado e os investidores têm expectativas que estão muito além da realidade. Em termos de impacto no negócio, o que parece estar bem claro é a capacidade de redução de custos. Agora, se o uso de IA vai impactar no aumento de receita, as opiniões parecem bem divididas.
E sim, a imagem que ilustra essa matéria foi gerada no DALL-E via ChatGPT por um prompt criado pelo Startups.
State of VC
Aproveitando que o assunto são os fundadores já dá para falar sobre as expectativas deles em relação ao mercado como um todo. E elas são otimistas. Em uma escala de 0 a 10, a nota média de otimismo ficou em 6,3, contra 5,3 ano passado. A faixa de otimismo, por assim dizer, também aumentou. Se ano passado as notas variaram entre 4 e 7, esse ano elas ficaram entre 5 e 8. Entre os investidores, o otimismo foi exatamente igual ao dos fundadores: 6,3.
Ana Martins destaca que um ponto importante da pesquisa nos últimos dois anos é a estabilização tanta das expectativas quanto do volume de investimentos, que agora se encontra em níveis pré-pandemia, com a América Latina representando cerca de 1,5% do mercado global, mesmo patamar de meados de 2020. “As pessoas encontraram um novo normal”, diz.
Neste novo momento, as rodadas em companhias em estágio inicial representam a maior parte dos aportes e os valores médios captados estão em tendência de alta. Somando as rodadas seed e as série A, o valor médio ficou em US$ 8,8 milhões na primeira metade de 2024. Nos EUA, o valor foi de US$ 14,4 milhões.
Essa proximidade talvez seja explicada pela presença frequente de fundos internacionais nas captações. No primeiro semestre, nomes gringos estiveram envolvidos em 54% dos negócios, mesmo patamar registrado em 2023.
De acordo com Ana, isso reforça a percepção inicial do estudo sobre os retornos dos investidores. “O capital que antes era turista, os fundos que quando tinham um baque saiam, agora estão retornando. Depois de um primeiro ciclo que mostrou resultados, eles perceberam que é uma região volátil, mas enxergam potencial”, completa.