Liquidez ainda será desafio em 2026, mas o verão está no horizonte | Foto: ChatGPT
Liquidez ainda será desafio em 2026, mas o verão está no horizonte | Foto: ChatGPT

Depois do boom das startups em 2021, o ecossistema de venture capital atravessou um longo inverno. Nos últimos dois anos, começaram a surgir sinais de recuperação – batizados pelo mercado de “primavera”. O verão, porém, segue distante. A expectativa é que 2026 ainda seja um ano de transição, marcado por um cenário econômico desafiador, com juros elevados (ainda que em trajetória de queda) e um ambiente político instável, fatores que continuam limitando a retomada mais consistente das captações.

Investidores ouvidos pelo Startups afirmam que o mercado brasileiro de venture capital chega a 2026 mais maduro e seletivo, mas com desafios de liquidez. Para Fernando Silva, sócio da Crescera Capital, a sinalização de cortes na taxa Selic no ano que vem serão mais importantes que o tamanho dos cortes em si para os investimentos em startups.

“Mais importante do que o tamanho do corte, é a sinalização de que é uma trajetória decrescente, iniciando um novo ciclo de liquidez. Em 2020, 2021, a gente teve um ciclo maravilhoso, porque estávamos no fundo do poço dos juros. Tudo indica que em 2026 haverá uma sinalização para um ciclo melhor, mas acredito que o ápice virá no triênio 2027, 2028 e 2029”, diz.

Renato Valente, managing partner da Iporanga Ventures, se classifica com um “otimista, sempre”, e diz acreditar que o humor mercado está se recuperando tanto do lado dos investidores, quanto dos fundadores. Talvez a velocidade não seja a que todo mundo desejaria, afinal, estamos no Brasil e os desafios são muitos, brinca ele. Para 2026, o calendário ainda será um desafio adicional, com Copa, Eleição e muitas emendas de feriados. “É um ano onde talvez nada aconteça. Ou muito pouco. É um ano meio curto”, pondera.

Atualmente no fim do ciclo de seu segundo fundo, a Iporanga está fazendo apenas investimentos de follow on nas empresas do portfólio. Alguns outros negócios são feitos por meio de veículos especializados (SPVs). Sobre o fundo três, Renato disse que, diante da maior dificuldade de captação dos últimos tempos, a Iporanga está segurando as conversas. “Ainda não temos o tamanho que gostaríamos. Então entre ser pequeno e conversar e explorar mais, preferimos conversar”, explicou.

Eleições no radar

A expectativa é que o ambiente para captações comece a melhorar no segundo semestre, após a definição dos candidatos à Presidência, quando o mercado conseguirá precificar com mais clareza os cenários para os próximos quatro anos, avalia Marcello Gonçalves, sócio e fundador da DOMO.VC. Inclusive, a gestora planeja lançar seu quarto fundo na segunda metade do próximo ano, apostando em juros mais baixos e em uma sinalização eleitoral positiva para favorecer o ambiente de captação.

Para além da questão dos juros, Marcello estará atento às propostas dos candidatos no incentivo à inovação e ao empreendedorismo. “Juros são parte do problema, mas não o problema. Existe uma característica do investidor brasileiro, de ser mais de curto prazo do que de longo prazo. Associado a isso, existe um problema relativo à atuação dos governos. Os três maiores mercados de venture capital atualmente, que são EUA, China e Israel, foram altamente impulsionados pelo governo, por meio de leis, benefícios e distribuição de capital. No Brasil, isso não acontece. Hoje, vemos o BNDES e a Finep investindo, mas em poucos fundos. Ou seja, o governo afunila ainda mais um mercado que já é concentrado”, aponta.

No consenso entre os investidores ouvidos, o pano de fundo eleitoral tende a funcionar menos como um gatilho imediato de retomada e mais como um elemento de redução de incertezas. Em sua Carta do Gestor de fim de ano, a Airborne Ventures aponta que o apetite do mercado para movimentações maiores, como exits e secundárias, dependerá diretamente da percepção de estabilidade.

“Somado a isso, a expectativa de uma trajetória de redução de juros é um vento a favor fundamental: isso torna o cenário mais positivo tanto para o LP (Limited Partner), que volta a alocar em ativos de risco, quanto para o VC, que encontra um custo de capital e valuations mais favoráveis para investir. Se o sentimento for de previsibilidade, devemos ver uma aceleração relevante de liquidez”, escreveu a gestora.

Tokenização e IA

A inteligência artificial continua sendo uma temática relevante em 2026, ainda que de forma menos eufórica, enquanto teses como deeptechs, hardware e criptoativos ganham cada vez mais espaço. Focada no segmento de finanças, a Iporanga está com um olhar atento aos temas de blockchain e stablecoins. Há duas semanas a gestora soltou um relatório só sobre as criptomoedas pareadas a ativos estáveis.

“O que está acontecendo é que todos os ativos financeiros serão tokenizados”, pontuou Renato. Segundo ele, as regulações que surgiram nos EUA, Brasil e outros países tiraram o assunto da zona cinzenta, e deram mais segurança para que investidores institucionais abraçassem o tema. “Não tem por que as instituições financeiras não começarem a adotar. E um dos primeiros casos de uso é o de câmbio e os pagamentos internacionais”, explicou. Segundo ele, o uso das stablecoins será impulsionada ainda pelos agentes de IA. A avaliação é que eles que farão transações em nome das pessoas usando as stablecoins como base.

Falando em IA, Renato ressaltou que um fenômeno interessante tem acontecido. Nas conversas com fundadores, ele tem ouvido muito a frase “só dá para fazer agora o que eu estou fazendo”. Isso por conta da escala. Ele citou o exemplo da Enter. Segundo ele, anos atrás ele fez um investimento em uma empresa semelhante quando estava na Wayra. O negócio conseguiu clientes, mas, sem IA, não avançou tão rápido quanto esperado.

Sobre a discussão de se há, ou não, uma bolha de IA, o investidor disse acreditar que sim e que haverá uma correção. Mas que o legado será positivo, como os investimentos feitos em fibra ótica pelas operadoras de telefonia na época da bolha da internet.

Fernando, da Crescera, compara o fenômeno da IA ao surgimento da digitalização, em meados de 2011, 2012: “Na época, o Marc Andreessen, da Andreessen Horowitz, falou que software estava devorando o mundo. O que é verdade, a gente estava passando por um processo de digitalização. E a minha visão de IA é que a gente está agora passando por um processo de otimização do mundo”.

Com histórico de atuação em cerca de 70 companhias de setores como govtechs, saúde e agro, a KPTL aposta em soluções que não são “luxo”, mas infraestrutura para seus clientes, o que garante maior estabilidade em tempos de volatilidade no mercado. “Ter um maior dinamismo econômico ajuda, mas o tipo de VC que a gente se posiciona é mais resiliente pela própria inovação. Temos reforçado nosso investimento em deep techs, ou seja, startups que tenham uma presença de inovação bastante profunda”, diz Renato Ramalho, CEO da KPTL.

Em período de desinventimentos, a KPTL está otimista com o mercado de M&As para o próximo ano. A casa realizou oito saídas nos últimos 30 meses, sendo três apenas em 2025, e avalia que 2026 deve manter um ritmo de médio a bom para M&As, impulsionado por qualquer sinalização de queda de juros. “Juros altos permitem comprar bem; quando os juros caem, os ativos sobem de preço”, afirma o investidor, destacando que cerca de 15 empresas do portfólio já estão em ponto de maturidade adequado para venda.

Copo meio cheio

Apesar de o verão estar demorando mais que o desejado para chegar, investidores acreditam que o período de seca foi importante para preparar o mercado brasileiro para uma nova fase. A Airborne Ventures descreve o ciclo de 2025/2026 como um período de reconstrução para o venture capital, após uma correção considerada necessária no mercado. Segundo a gestora, o capital segue disponível, mas opera agora com critérios mais rigorosos, privilegiando empresas com unit economics sólidos, execução consistente e fundamentos claros.

No early stage, especialmente em rodadas Seed e pré-Series A, a casa destaca que os valuations retornaram a níveis mais racionais, o que tem mantido o dealflow aquecido em setores onde o Brasil apresenta vantagens competitivas e gaps de eficiência, como B2B, fintechs e healthtechs. Para a Airborne, esse ambiente menos exuberante, porém mais disciplinado, cria condições historicamente favoráveis para a formação de bons vintages de investimento.

A gestora ainda aponta que parte das empresas que captaram no pico de 2021 podem passar por processos de recapitalização, vistos não como sinal de fragilidade, mas como ajustes naturais de estrutura para um novo ciclo mais saudável do mercado.

Fernando Silva, sócio da Crescera Capital, acrescenta que quem conseguiu captar nos últimos anos está “muito bem posicionado” para escolher bons empreendedores com mentalidade mais adequada ao novo momento de mercado. “Quem está líquido agora vai poder surfar. Essa tende a ser uma safra muito boa para quem tem dinheiro para investir. E eu acho que isso vai refletir futuramente no retorno dos fundos que estão em fase de investimento nesse período”, ressalta.

Em carta enviada aos investidores, a ABSeed Ventures adotou um tom de virada de ciclo, reforçando a leitura de que 2025 representou um ponto de inflexão para o venture capital, após um período prolongado de retração.

A gestora destaca um ecossistema mais maduro, disciplinado e institucional, com fundos mais seletivos, teses mais consistentes e novas dinâmicas de liquidez, impulsionadas por veículos como fundos secundários, search funds e corporate VCs. Mesmo diante de juros elevados e da volatilidade global, a ABSeed avalia que a indústria saiu fortalecida, com capital mais qualificado e maior preparo das gestoras.

A inteligência artificial aparece como eixo central dessa nova fase, reacendendo o papel do VC como motor de inovação. Internamente, a casa celebra o avanço da captação do Fundo III – com mais de 80% de recorrência de cotistas – e o início do deploy em startups nativas de IA, sinalizando confiança na construção de valor no longo prazo.