A Village Capital completa dez anos de atuação na América Latina consolidando sua presença no Brasil, onde tem apoiado empreendedores por meio de programas de aceleração e parcerias com organizações locais. A instituição já impulsionou mais de 250 startups na região desde 2015 e, agora, volta seus esforços para ampliar a rede de apoio no país e reduzir as barreiras de acesso a capital para fundadores fora do radar tradicional de investidores.
Embora já atendesse empreendedores de países como Chile, Colômbia, México, Argentina e Brasil, foi em 2019 que a organização estruturou iniciativas e operações locais na região. “Muitos colegas internacionais nos desencorajaram a ir para o Brasil. Eles disseram: não vá para lá, porque é difícil, eles já têm um ecossistema tão avançado”, relembra Daniel Cossío, diretor regional da Village Capital para a América Latina.
“O ecossistema brasileiro era realmente mais avançado que os outros da região. Mas a estratégia não foi chegar aqui dizendo o que e como cada organização deveria fazer. Pelo contrário, entramos no Brasil não para ditar regras, mas para descobrir em quais frentes poderíamos agregar valor”, explica.
Em vez de trazer soluções prontas, a Village Capital buscou entender onde poderia contribuir com o ecossistema já estabelecido. “As organizações locais nos receberam como parceiros e isso nos permitiu incluir empreendedores brasileiros em nossas iniciativas de forma mais consistente”, pontua.
Colaborações com organizações como Artemisia e Sebrae consolidaram um modelo de atuação colaborativo que se tornou marca registrada no país. “Uma das coisas que mais vejo é que não se trata de competir com organizações ou com incubadoras e aceleradoras estabelecidas, mas de colaborar e trabalhar juntos”, destaca Daniel.
Para os players nacionais, a Village Capital se posicionou como fonte de apoio internacional, com presença não apenas na América Latina, mas também nos Estados Unidos, Europa e África.
O Brasil no contexto regional
Para Daniel, o Brasil ocupa um papel particular no ecossistema latino-americano. A regulação mais avançada impulsionou a inclusão financeira e abriu espaço para soluções inovadoras, enquanto o tamanho do mercado interno permite que startups cresçam sem necessidade imediata de internacionalização. “É um país em que fundadores experientes estão dispostos a apoiar novos empreendedores. Isso cria uma rede de colaboração muito sólida”, avalia.
Segundo ele, três fatores se destacam como diferenciais competitivos:
- Comunidade colaborativa: fundadores mais experientes dedicam tempo para apoiar novos empreendedores, criando um ambiente de mentoria natural.
- Marco regulatório avançado: iniciativas como o Pix mostram um ambiente favorável à inovação em serviços financeiros, com infraestrutura que facilita o acesso a crédito e score – ainda ausentes em outros países da região.
- Mercado interno robusto: o tamanho do mercado doméstico permite sustentar o crescimento inicial de startups sem a pressão imediata pela internacionalização.
Apesar dos avanços, Daniel aponta desafios. O principal é a pressão por crescimento acelerado, que nem sempre se alinha com a realidade das startups de impacto.
“Na América Latina, o maior desafio é ter fundos de VC dispostos a reconhecer que, em alguns setores, o caminho até o product-market fit é mais longo. Muitas vezes há pressa para captar e escalar o mais rápido possível, mas isso pode levar ao fracasso: empreendedores esgotam o capital rapidamente ou queimam recursos que poderiam ser melhor utilizados”, alerta.
Para enfrentar essa realidade, a Village Capital aposta na diversificação das opções de financiamento. Além do VC a organização tem trabalhado com instrumentos alternativos como dívidas conversíveis e acordos de receita, que oferecem mais flexibilidade conforme os modelos de negócio.
Próximos passos
Na América Latina, a Village Capital tem como foco a chamada “oportunidade econômica”, que engloba serviços financeiros, educação e desenvolvimento de competências. “Com o avanço da inteligência artificial, relatórios indicam que muitos empregos podem se tornar desnecessários no futuro. Isso pode ser assustador, mas também abre oportunidades. Podemos reduzir as barreiras de entrada para educação, re-skilling e up-skilling”, afirma Daniel.
A visão é de que ferramentas antes exclusivas agora podem ser democratizadas, permitindo que mais pessoas criem seus próprios negócios. O executivo acredita que estamos próximos de ver o primeiro unicórnio construído por um único fundador, graças às soluções de baixo custo disponíveis atualmente. “A barreira de entrada para ter um negócio é muito baixa hoje, e essa é a parte mais emocionante”, observa.
Com foco em 2030, a companhia estabeleceu uma meta ambiciosa: reduzir as barreiras de acesso ao capital para 50 mil startups alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. No Brasil, isso significa não apenas apoiar diretamente empreendedores, mas também capacitar outras organizações do ecossistema, como aceleradoras e incubadoras locais, compartilhando metodologias e práticas desenvolvidas ao longo da década.
“Não se trata apenas do que a Village Capital faz para alcançar milhares de empreendedores, mas de garantir que o que funciona para nós também seja público”, explica Daniel, referindo-se ao modelo de “treinamento de treinadores” que a organização vem desenvolvendo.
Para ele, o Brasil não sofre de falta de empreendedores dispostos a enfrentar grandes desafios. Há fundadores usando inteligência artificial para ampliar o acesso à saúde, iniciativas para regenerar solos em áreas rurais e startups criando soluções financeiras para mercados não atendidos. O desafio agora é garantir que essas soluções recebam o apoio necessário para crescer e gerar impacto real, construindo um ecossistema mais justo, acessível e inclusivo para todos os empreendedores brasileiros.