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Gente normal não muda o mundo. Quem é recebido no Onovolab, centro de inovação independente se depara com essa frase, que diz muito sobre a forma de pensar de Anderson Criativo, que junto com Leandro Palmieri, fundou o centro em 2018.

Anteriormente diretores da Neelkeen, agência que entre outros feitos, organizou o Social Media Week e trouxe a conferência de inovação The Next Web para o Brasil, os empreendedores pensaram em como causar um impacto ainda maior no ambiente nacional de inovação. Decidiram então criar um centro para orquestrar a interação entre academia, startups e grandes empresas. Com a cara e a coragem, largaram tudo em São Paulo para criar uma nova vida e tocar o projeto em São Carlos, cidade a 293 km de distância da capital, em uma tecelagem caindo aos pedaços.

Acelerando para 2022, os mais de 20 mil metros da sede são ocupados por residentes como Santander, iFood e Luiza Labs/Magalu. Com um impacto estimado em R$ 100 milhões para a cidade, o centro diz ter gerado 1 mil empregos para São Carlos e região. Cerca de 500 mil pessoas já visitaram o espaço ao longo dos anos, que realizou mais de 400 eventos gratuitos para a comunidade, sempre sobre temas relacionados à inovação. Em parceria com empresas como Credicitrus, Lupo e UniEduK, os braços do Onovolab agora se estendem, com novos centros sendo inaugurados em cidades como Ribeirão Preto (SP), Indaiatuba (SP), Araraquara (SP) e Porto Alegre (RS).

Em um papo com o Startups, o CEO do Onovolab, Anderson Criativo, falou sobre sua trajetória empreendedora, como é tocar um negócio que trata de inovação longe dos grandes centros, futuro do trabalho e de onde afinal vem esse sobrenome. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.


Você saiu de São Paulo para se mudar para São Carlos sem dinheiro, sem contatos e sem muita perspectiva, para fundar o Onovolab. O que te motivou a fazer isso?

Foi uma questão de idealismo mesmo. Juntou a idade – eu estava fazendo 40 anos – o fato de ter tido filhos recentemente, e querer fazer algo que realmente causasse impacto de verdade, sem demagogia. Um negócio que pudesse democratizar empreendedorismo e inovação. Comecei a ficar incomodado demais com o ecossistema de startups e isso não aconteceu do nada, foi um processo que vinha acontecendo há alguns anos. Fomos muito pioneiros nesse espaço, vimos tudo acontecer desde o começo. E uma das coisas que observei é que, ao longo dos anos, este ambiente continuou muito elitizado, algo reservado para poucos. Pensei então que podia e precisava criar um negócio que fosse menos exclusivo, mais aberto.

O Onovolab nasceu dessa insatisfação pessoal misturada com uma questão de idealismo, de fazer minha parte para mudar a realidade do país. O fator chave para mim é que, se o Brasil não fizer nada em termos de inovação, de estimular as pessoas a fazerem coisas diferentes no longo prazo, vamos ter problemas. Cogitei montar o Onovolab como uma ONG, mas pensei que teria que aprender como atuar nesse espaço e não tinha esse tempo, então resolvi fazer do jeito que eu sei. Mas o Onovolab fica no limiar entre ser uma empresa e um negócio de impacto.

Já tínhamos realizado muitos eventos de grande porte e a ideia original do Onovolab era que ele fosse um evento permanente. A gente fazia eventos para reunir as pessoas uma ou duas vezes por ano. De repente, veio o insight sobre o efeito da reunião diária das pessoas. Mas o Onovolab é mais que um lugar de trabalho: é um lugar de encontros, de conexões focadas em inovação. Se eu reúno pessoas interessantes, os negócios acontecem como consequência.

Quais foram os fatores que levaram à decisão de sair da capital e ir para São Carlos?

A decisão de sair da capital foi um misto de casualidade com oportunidade. Casualidade, porque o pessoal de São Carlos nos convidou para visitar a cidade na época que a gente estava escolhendo um local para o Onovolab – que até então seria São Paulo, pois eu não cogitava fazer isso fora da capital. A oportunidade surgiu quando a gente encontrou um proprietário de uma fábrica gigantesca, que topou a parada, sem contrato nem nada. A única chance que a gente tinha de fazer algo grandioso, sem dinheiro, era pegar um lugar abandonado e ter o apoio de um empresário fora dos padrões.

Alem desses dois fatores, tivemos um elemento que, se eu não mencionasse, deixaria de fora um lado muito importante da história, os talentos. O fator educacional da cidade de São Carlos pesou demais esse na hora que a gente temos a decisão: uma cidade com 250 mil habitantes, com 40 mil universitários tem massa crítica e tem talento, que é um ingrediente crucial da inovação.

São Carlos não é muito próxima da capital, e grande parte das atividades do ecossistema continuam acontecendo em São Paulo. Como tem sido atrair pessoas para ir até vocês e fazer as coisas acontecerem por aí?

Não é fácil. De fato, eu perco oportunidades de visitas e tudo mais pelo fato de estar a três horas de carro de São Paulo. Mas quando eu vejo, por exemplo, uma visita da Ana Botín, presidente mundial do Santander, que sai de Madrid e nos visita a gente em São Carlos [o Santander é cliente do Onovolab], lembro que estamos fazendo um negócio que é tão relevante a ponto de fazer uma pessoa vir de outro país para visitar a gente.

Estando fora de São Paulo, o desafio é basicamente esse: fazer algo muito relevante a ponto de ser um ímã de visitantes. Mas mesmo mesmo a gente estando no interior, já recebemos pessoas de 24 países no Onovolab e de todos os estados do Brasil. Então, mesmo com as dificuldades de levar alguns visitantes, recebemos uma quantidade enorme de pessoas.

E qual é a reação usual de quem faz a viagem para visitar vocês?

Costumamos receber dois tipos de feedback de quem nos visita: o primeiro é que elas não esperavam ver isso no interior, que o espaço fosse tão grande e impactante. E o segundo é que as pessoas costumam dizer que a essência é diferente, pois é possível sentir algo diferente de visitar um hub em São Paulo. As pessoas não sabem descrever bem o que é, mas acredito que é a intenção que a gente colocou lá no começo: a gente queria que fosse um lugar mais emoção, menos frio, leve e gostoso de estar, de fazer negócios. É algo abstrato, mas desde o começo a gente desenhou o local para que fosse assim.

Além disso, tem a questão do dia a dia: não adianta falar “eu quero que seja um lugar democrático”para que isso aconteça de fato. Se for algo artificial, chega uma molecada de escola pública – como as muitas que nos visitam – e se sente mal. Acho que o que contribui para criar essa atmosfera é as pessoas verem que é legítimo. A gente não trata um super executivo que vai lá e trata pior quando vai alguém que a gente até então não conhecia.

As pessoas sabem que, mesmo com grandes empresas dentro do Onovolab hoje em dia, não perdemos a essência de se jogar no underground. O lugar é aberto, acolhedor e isso tem a ver com uma atitude da nossa equipe, de quem é residente, que está sempre aberto para conversar e não impõe barreiras.

Quais foram as principais mudanças e aprendizados sobre o modelo de negócio do Onovolab, ao longo dos últimos anos, sobretudo depois da pandemia?

Primeiro, tivemos o desafio da sobrevivência: tivemos que tomar decisões difíceis durante a pandemia, porque a gente já estava num patamar de geração de emprego e faturamento. Tivemos que seguir em frente, adotamos um meio termo com responsabilidade, senão a gente quebraria. Não foi uma decisão heroica e sim de necessidade mesmo. Não convidamos as pessoas para irem quando quisessem. Conduzimos isso de forma madura, a gente estava lá para quem precisasse, e tínhamos um protocolo e cuidados, tanto que a gente não teve nenhum surto lá.

Para além disso, entre os aprendizados que tivemos há a questão de que hoje, quando tomamos uma decisão, ela é coletiva. É quase como se tivéssemos perdido o direito de tomar decisões individualistas. Hoje, qualquer coisa que eu falo, sempre penso que o que eu digo ou faço pode impactar pelo menos 1mil pessoas que estão lá dentro trabalhando.

Outro aprendizado é que as relações de trabalho estão mudando. A inovação, a troca de ideias e de experiências pessoal acontece coletivamente e presencialmente. Existem atividades que é possível fazer remotamente, mas os momentos de criatividade relação presencial são muito importantes e esse foi um aprendizado desses anos recentes. Acho que essa discussão está girando em torno do foco errado e tem sido muito simplista: muita gente, achando que as empresas querem presença, vigiar as pessoas, mas na verdade elas querem as opiniões, as trocas. Para a cultura corporativa, isso é muito importante. E é diferente fazer isso presencialmente e fazer isso de forma remota.

Como está sendo a expansão do Onovolab para outras cidades?

Tem sido muito legal. O fato de não ter mais rotina, de poder estar em vários lugares, é muito legal. E eu acho que isso é um caminho que vai de encontro a poder trabalhar em lugares diferentes, é algo bacana que vem se assentando super bem com a equipe. A gente já inaugurou Indaiatuba, que foi a primeira experiência. Inauguramos Ribeirão Preto agora no fim do mês, que é uma cidade que a gente queria muito chegar. Pouco tempo depois, vamos inaugurar Araraquara e Porto Alegre, bem próximas uma da outra e Bebedouro no fim deste ano, então a expansão está indo super bem. Esse é o caso porque a gente finalmente conseguiu encontrar empresas que valorizaram o nosso trabalho e quiseram levar a gente para as suas cidades, proprietários que também acreditaram e trouxeram seus imóveis para para fazer parte do prédio. E agora estamos negociando ainda mais expansões e pensando também no em como podemos viabilizar isso a partir de parcerias, já que estamos tendo muita procura de redes e hubs já existentes nas cidades.

Com um oceano cada vez mais vermelho em termos de centros de inovação, como vocês tem conseguido se diferenciar?

Boa parte dos autodenominados hubs de inovação são puramente de startups. Nos diferenciamos muito por não ser um hub de startups, então sim ser um hub de inovação. Temos sim startups, mas também estudantes universitários, empresas, que juntos constróem soluções inovadoras. Esse fato de ter uma vocação mais ampla já muda tudo. Outro aspecto é o fato de a gente não estar na capital, que faz com que o meu mar não seja tão vermelho quanto se eu tivesse em São Paulo, por exemplo.

O terceiro aspecto é a questão de estarmos nos tornando uma rede. Por conta destes motivos, acho que ainda estamos longe desse oceano vermelho. E ainda tem poucas empresas fazendo, ou querendo fazer inovação. Na verdade, ainda tem espaço para mais para ainda mais players.

Como fica a inovação em um contexto atual de cada vez mais fragilidade, ansiedade, e imprevisibilidade, e a atração de investimentos para vocês neste cenário?

Como sempre, a inovação ficou restrita a poucas empresas, e as circunstâncias externas acabam sendo desculpas para não inovar. Por outro lado, as empresas que realmente são comprometidas com o negócio continuam fazendo inovação. Eu não vejo assim fatores externos influenciando tanto a inovação nas empresas quanto as suas decisões internas. Mas de forma geral, acho que o ambiente [macro] é sempre desfavorável para quem não quer inovar.

Sobre investimentos, não sentiu diferença em termos de interesse. Pra nós, sempre foi difícil, e não é o caso de agora estar pior, mas as condições nunca foram favoráveis. Quando eu estava fazendo a prospecção do Onovolab, em 2007, tínhamos a crise, depois veio a pandemia. Fatores macro, pra gente acabam não impactando tanto, porque nunca foi fácil buscar apoio de empresas.

Por outro lado, somos muito mais reconhecidos, o jogo mudou. Uma coisa era o trabalho gerar zero empregos e ser um sonho, com muitos duvidando da nossa capacidade ou do projeto. Mas depois de quatro anos e passada uma pandemia, a gente segue crescendo e expandindo, gerando emprego em grande escala. Nosso argumento se fortaleceu no sentido de chamar mais empresas para participarem disso. E além disso, acabamos oferecendo uma forma ultra barata para as empresas fazerem inovação de verdade, porque pegar um ecossistema que está pronto é uma coisa, começar do zero é algo bem diferente.

Como é um dia típico do CEO do Onovolab?

Acho que não tenho algo que se aproxima de um dia típico. Nos primeiros anos, a rotina era ficar em pé praticamente 12 horas por dia, recepcionando pessoas na entrada, mostrando o lugar, explicando o que é o Onovolab, porque a gente no começo não tinha segurança, nada. Mas isso mudou muito: meu dia atualmente é muito mais relacionado a conexões, trabalhar o futuro do Onovolab e essa é minha função como CEO. O Leandro cuida da operação e eu cuido da estratégia e meu dia é muito focado nas conexões que eu poderia estabelecer para potencializar o meu ecossistema. Essa é a pergunta que eu me faço todos os dias.

Outro aspecto legal dessa mudança tem a ver com as discussões de paixão pelo trabalho. É difícil ter um dia que eu não trabalho, mesmo que não seja no sentido literal de “bater ponto”. O meu trabalho é muito conectado com a minha vida pessoal. Então, pra mim, não é uma rotina desgastante pra mim, porque é justamente hoje eu faço o que eu gosto o tempo todo. Mas não é um fardo, ou algo que me incomoda, a ponto de, por exemplo, não ter tempo para a família. Consigo equilibrar tudo e ter um dia a dia leve.

Você é sócio do Leandro Palmieri, de quem você teve outros negócios anteriormente e que é também uma pessoa muito próxima. Como a relação de vocês tem se fortalecido ao longo dos anos?

Em uma relação como a nossa, chega uma hora em que praticamente todos os objetivos são comuns. Acho que um fortalecimento acontece por conta disso, por conta de um alinhamento de objetivos e expectativas, que é a mesma coisa que acontece com a minha esposa também. Esse alinhamento é essencial, senão o relacionamento se enfraquece.

A vantagem de empreender em mais de uma pessoa é conseguir lidar com as oscilações. Quando um geralmente está animado, o outro nem tanto, é possível balancear as coisas. E esse equilíbrio faz a coisa continuar andando. É difícil os dois estarem muito animados. Os dois estão juntos, animados. Essa questão também faz com que quando os perrengues surgem, se torne mais fácil administrar e achar soluções.

Seu sobrenome é mesmo Criativo? E essa história do turbante, como começou?

Essa é outra casualidade: em 2007, quando eu fui criar minha conta no Twitter, já tinham pego o Anderson, obviamente. Tentei outras palavras e decidi usar “criativo”. Deu certo. Eu usava muito o Twitter na época e ia muito em encontros de redes sociais, fizemos o Social Media Week, e as pessoas começaram a me associar com o meu nome de usuário. O “Criativo” pegou e adotei como meu nome social.

Sobre o turbante, não é nada religioso ou algo do tipo. Eu via no Pinterest, nas redes os caras do Oriente Médio usando turbante. Achei legal, e decidi usar. Foi algo casual também, não foi um negócio planejado que disse que iria usar todo dia. E depois eu comecei a ganhar turbantes que realmente vieram dos países onde são usados mesmo, como Emirados Árabes, Jordânia.

Como estar à frente deste negócio te transformou como pessoa?

De muitas formas, profundamente. Acredito que a principal transformação foi essa de ter uma consciência que o que eu faço gera impacto coletivo. Com isso, é preciso ter uma responsabilidade muito grande. Tenho que ser muito coerente, entre a fala e a execução, porque isso impacta o negócio.

A gente também aprendeu nos últimos anos a não se empolgar, não tirar o pé do chão, porque às vezes isso acontece nos grandes eventos. Você anuncia uma expansão, recebe uma pessoa importante, avança em termos de faturamento e tudo mais e isso pode levar uma arrogância do tipo “nós somos os caras.” Como a gente passou por tanta coisa e ainda passa, continuamos com aquele sentimento de que algo pode dar errado. Por um lado, isso é ruim, porque obriga a ficar sempre no modo de atenção máxima, mas por outro lado, também te mantém mais inovador, mas também mais pé no chão. A gente não se empolga tanto com as coisas, tocamos o dia a dia e curtimos a jornada.


Raio X – Anderson Criativo, CEO, Onovolab

Um fim de semana perfeito tem…Nada muito sofisticado. Tem coisas que eu gostaria de fazer e que ainda não consigo, como viajar sem restrições e levar minha esposa, minha família. Mas dentro do possível, é descansar, ver futebol inglês e ler. Curtir um pouco as crianças, passear com elas.

Um filme: Gosto de cinema do mundo inteiro. Mas Matrix foi o filme mais impactante que já assisti.

Uma música: Sou muito eclético. Minha playlist vai desde João Gilberto, samba de enredo do Rio e São Paulo, até Raimundos, heavy metal, música árabe e house music. No ano passado, o relatório do Spotify mostrou que eu encontrei mais de 900 bandas novas: gosto muito de descobrir música.

Algo simples, que você não vive sem: Meus filhos, minha família. Os dias que fico sem eles fazem uma diferença muito grande, e isso é crucial para mim.

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