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Em um ecossistema onde a grande maioria das empresas é fundada ou liderada por homens, Priscila Siqueira está no rol de notáveis exceções de lideranças femininas à frente de startups de alto crescimento no Brasil. Desde 2020, ela é CEO da operação brasileira do Gympass, e antes de se juntar ao unicórnio global de bem-estar corporativo, construiu carreira em empresas de tecnologia em companhias como a Oracle.

Nascida na capital paulista, Priscila é a mais velha de três irmãos. Filha de uma dona de casa e um caminhoneiro, foi incentivada pela mãe a cursar o ensino técnico para ter condições de pagar a própria faculdade. Apostou em tecnologia como uma carreira versátil e com oportunidades para criar um futuro melhor para si. Deu certo: aos 16 anos de idade, ainda no segundo ano do ensino médio, começou a trabalhar no setor montando computadores, e foi progredindo na área, passando por programação, consultoria de implementação de sistemas de gestão e vendas, ao mesmo tempo em que foi ocupando cargos em um nível cada vez mais sênior. Em uma destas encruzilhadas de carreira, resolveu deixar o lado tradicional do setor de tech, e mergulhou de cabeça no mundo das startups quando entrou no Gympass em 2018.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Priscila falou sobre sua trajetória, a atuação no ecossistema de startups, bem estar no ambiente de trabalho e diversidade. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.


Você cursou o ensino técnico em processamento de dados, depois fez faculdade de ciência da computação. O fato de você saber muito bem o que queria foi útil para lidar com o machismo inerente a uma escolha de profissão que não é muito popular entre mulheres?

Sem dúvida. No meu curso na faculdade, tinham cinco meninas na sala (somos amigas até hoje) e todas sabiam muito bem o que queriam. Na verdade, a maioria das pessoas que estava no curso já trabalhava na área e estavam muito bem direcionadas.

Sobre estigma relacionado a gênero, hoje vejo que nunca percebi isso, talvez por não prestar atenção nisso e não saber muito sobre estas questões na época. Com a exceção de um pessoal que gerava discussões desagradáveis [sobre gênero] vez ou outra, estas situações não entravam muito no meu radar.

Além disso, eu não tinha nem energia ou tempo para pensar nisso. Chegava na faculdade super cansada, pois trabalhava duro o dia todo. Acordava às 5h da manhã para pegar um fretado da zona leste até a Chácara Santo Antônio, onde eu trabalhava, e voltava de ônibus, depois de subir a pé da Avenida 23 de maio até o Paraíso [bairro na zona sul de São Paulo]. Nessas caminhadas, que eu fazia com uma amiga, pensava: “um dia essa vida vai mudar.”

Como o fato de ter começado a trabalhar aos 16 anos te equipou para ser a profissional que você é hoje?

Principalmente lá no começo, sempre fui muito movida a propósito, mas também precisava trabalhar e ganhar dinheiro, para mudar de vida e dar certo. Nunca tive nada garantido: a grande visionária na minha vida foi a minha mãe, que tinha uma frustração por não ter estudado, e dizia que a única forma de mudar de vida era estudar, e arrumou estágio para mim e meus irmãos logo que começamos o ensino técnico.

Desde sempre, eu quis ter meu dinheiro, ser independente nesse sentido. Trabalhava em lava-rápido, fazia artesanato para vender, desde muito nova. Sempre quis ter meu dinheiro, porque não tinha de onde tirar se não fosse pelo meu próprio trabalho. Ter começado muito jovem trouxe essa noção de ter que batalhar pelo que a gente quer, e quanto mais você faz isso, cria uma casca para lidar com os desafios.

Acho que entender logo de cara como a vida funciona e que o mundo não é cor de rosa, que não adianta ser chorar, que os problemas vão aparecer, é bastante útil. Isso fez com que eu chegasse até aqui. E tem muito Deus na vida também. Sempre falo que fui privilegiada e abençoada de estar no lugar certo, na hora certa, em momentos muito específicos e que contribuíram para tudo isso. Não foi nada programado: as coisas foram acontecendo.

Por falar em grandes acontecimentos, como foi essa guinada de carreira, de sair do mundo tradicional de tecnologia e ir para o ambiente de startups?

Trabalhei em quatro empresas na minha vida toda, sempre fiquei muito tempo nos lugares. Fiquei 12 anos na Hyperion, que depois foi comprada pela Oracle. Cuidei de uma área que se chamava Oracle Digital, uma startup dentro da empresa que fazia parte de um movimento para criar uma nova força de vendas e intensificar a presença no mercado de pequenas e médias empresas. Nesse contexto, a primeira coisa que fizemos foi, como startup, começar a vender para as startups, que obviamente eram parte das empresas pequenas que queríamos alcançar.

Comecei então a ter mais conversas com startups, fizemos uma imersão com o Pedro [Waengertner, CEO da Ace] e também lançamos nossa aceleradora na Oracle. Comecei a dar mentoria para startups, sobretudo na área de vendas. Percebi muitas coisas sobre a deficiência de vendas das startups: elas vão crescendo, até um determinado estágio. Os fundadores às vezes são de perfil técnico, muitas vezes não dão conta de vendas e um profissional de mercado fica caro para ela. Nesse ponto, o fundador ou time que está ali não consegue escalar. Para mim, esse é um momento bem crítico na trajetória de uma startup.

A história resumida da minha chegada no Gympass é que eu já tinha decidido sair da Oracle, apesar de poder ter me aposentado lá se quisesse e considerar a empresa uma super escola e gostar muito do ambiente. Eu tinha aceitado uma oferta da Microsoft, para liderar a oferta de software-as-a-service, baseada em Miami, onde fica a sede da empresa para a América Latina. Ao mesmo tempo, o Gympass me procurou no LinkedIn e topei conversar.

As ofertas não tinham comparação, eram coisas muito diferentes. Na época, fiquei muito estressada [com a decisão], minha coluna travou e até achei que era por conta de algum exercício, mas hoje vejo que era estresse. Foi uma decisão muito difícil. No fim, minha escolha levou várias coisas em conta: na Microsoft, eu ficaria viajando muito, pois estas posições são bem complexas. Ficar no Brasil, e próxima da minha filha que à época tinha 11 anos, pesou bastante.

Mas além de tudo, eu queria fazer parte [do Gympass]. O que mais me intrigava era pensar que, se o negócio der certo, eu iria morrer de urticária por não ter topado. A empresa lá atrás era muito menor do que é hoje, mas tinha um enorme potencial. Entrei, e, logo depois, viramos unicórnio. Para quem está dentro, nada muda, mas do lado de fora, sair na Exame, ter tanta visibilidade e buzz é algo incrível. Imagina não fazer parte disso? Conversei muito com a liderança e abracei a oportunidade. Ainda bem. Mas foi uma chegada movimentada, digamos assim.

Você se tornou CEO da empresa ao mesmo tempo em que chegou a crise do coronavírus e a empresa precisou demitir um terço da força de trabalho. O que aquela fase trouxe para você, em termos de aprendizados?

Fomos muito conscientes nesse sentido. [O discurso interno foi] que tínhamos que fazer isso por conta de situação totalmente fora do nosso controle, mas que iríamos cuidar muito de quem ficou, porque essas pessoas iriam dar o sangue aqui. O foco era trabalhar e passar por esse momento difícil juntos. Por exemplo, instituímos dias off para auto-cuidado. Dissemos: se você não está bem, fique em casa se for preciso, desligue a câmera nas reuniões se se sentir melhor. Essa postura veio muito do César [Carvalho, CEO e fundador do Gympass], e temos comentado muito sobre isso com as startups que estão passando por esses momentos [de demissão em massa]. A gente precisa valorizar demais quem continua a bordo. Nossa experiência lá no passado que funcionou muito é: cuide do bem estar e da saúde mental deles.

Sobre o negócio como um todo, logo começamos a perceber oportunidade que teríamos. Fomos muito hábeis em colocar o projeto de wellness no ar e rapidamente atender clientes que estavam desamparados e também precisavam da nossa ajuda. Foi um trabalho muito em conjunto entre nós, os parceiros e os clientes. E se tem uma coisa que eu gosto muito, é de estar por perto dos clientes. Hoje me considero uma embaixadora desse tema de bem estar, porque é nisso que eu acredito, assim como em nossa oportunidade de ser a plataforma de bem estar dos clientes. Quando a gente começou a trazer os outros aplicativos [para o guarda-chuva do Gympass], meu horizonte se abriu. Tudo ficou muito melhor, porque antes eu tinha um produto só para vender. Hoje, posso fazer muito mais.

Como líder, o que você está fazendo no Gympass para desenvolver lideranças femininas que outras empresas podem emular?

Nossa proporção de mulheres em cargos sêniores é bem acima do mercado. Temos um trabalho junto aos grupos de afinidade, onde estamos trabalhando, essa ascensão e os temas relacionados a isso, como mentoria específica para mulheres. Obviamente, observamos [a composição] dos times, fazemos vagas afirmativas.

Outra coisa que eu tenho feito nos últimos anos é olhar as avaliações de performance e não só pela avaliação em si, mas também olhar pelo lado de gênero. Como estão as promoções, como a gente está avaliando quando comparamos os gêneros? Porque aí também mora o perigo, promover mais um [gênero] do que o outro. Além disso, olhamos para o que precisamos fazer para desenvolver as pessoas. Acho que temos que continuar nesse caminho, e também conscientizar as mulheres e os homens, sobre como a diversidade é importante.

E como fazer para não contratar somente mulheres brancas como parte destes esforços em diversidade?

Esse tema é complexo para nós. Contratar mulheres já é complexo por si só. Primeiro, é preciso olhar a sua rede de relacionamento: se ela é de mulheres brancas ou homens brancos, a probabilidade vai ser maior que esses grupos serão contratados. A primeira coisa é ter consciência disso. A outra coisa é ter uma parceria com o time de recrutamento. Por exemplo, nas vagas afirmativas, digo que não quero entrevistar homens. Talvez eu demore mais para conseguir uma mulher, esse é um desafio que a gente tem.

Meu chamado para todas as mulheres deste mundo é: se arrisquem, vão atrás. A gente fica preocupado com a possibilidade de não preencher todos os quesitos, então não nos candidatamos. O salário não é o que eu quero, então não vou nem negociar. O maior desafio que a gente enfrenta é esse: elas desistem antes mesmo de a gente começar a conversar. Mas realmente, não pode ser só mulheres brancas [a serem contratadas]. Estamos trabalhando nesses pilares [de contratação], e ainda temos bastante trabalho para fazer.

Muito se fala sobre o futuro de mulheres seniores em startups grandes, que têm oportunidades de fazer várias coisas, incluindo empreender e investir. O que está no seu radar para o longo prazo, em termos de carreira?

Hoje, o meu radar é super focado no Gympass. Gostaria muito de continuar aqui e levar a empresa para um próximo nível, e acho que isso requer alguns anos. Quando penso no longo prazo, se me perguntarem se eu quero empreender, vou dizer que não é o que eu gostaria. Quero começar a me preparar mais para questões de conselho, até pelo background que eu construí em tecnologia, grandes empresas, depois uma start up de bem estar.

Além disso, gostaria de ter mais tempo e disponibilidade para eu ajudar mais e atuar de forma voluntária no futuro. Espero continuar sendo produtiva e acho que nunca vou parar de trabalhar. Acho que ainda tenho muito para aprender, e também para contribuir.


Raio X – Priscila Siqueira, CEO Brasil, Gympass

Um fim de semana ideal tem…sair com a minha família. Fazer qualquer atividade ao ar livre: parque, bicicleta, praia.

Uma música: The Unforgiven, do Metallica.

Um livro: What You’re Really Meant To Do, de Robert Steven Kaplan.

Um prato: Feijoada. No dia a dia, uma salada bem feita.

Uma coisa simples, que você não vive sem: Café.

Uma mania: Falar muito rápido, e às vezes atropelar as pessoas. É uma mania com a qual eu luto todos os dias para melhorar.

Sua melhor qualidade: Empatia.

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