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Se tem algo que o brasiliense Rodrigo Maroja conhece de perto é o crescimento exponencial. Antes de fundar a Daki, startup de delivery de produtos de supermercado em 15 minutos, o empreendedor teve algumas vivências que, no mínimo, foram intensas. Liderou a integração da Easy Taxi com a Cabify e depois viu o declínio da empresa no Brasil. Foi o funcionário número 4 da Oyo, unicórnio indiano do setor de hospitalidade que teve uma história breve, porém impactante no Brasil. Depois disso, atuou na CloudKitchens, startup que fornece infraestrutura para empresas de delivery.

Equipado com estas experiências, além de um histórico como consultor, atividade que exerceu depois de decidir que a engenharia não lhe traria brilho nos olhos, Rodrigo fundou a Daki no início de 2021 com Alex Bretzner e Rafael Vasto, colegas dos tempos de Oyo. A startup detém o título de empresa do ecossistema brasileiro que mais rapidamente alcançou o status de unicórnio, algo que aconteceu menos de um ano depois do começo das operações, com um aporte de US$ 260 milhões envolvendo Kaszek, Tiger Global e Monashees.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Rodrigo falou dos perrengues que enfrentou no trabalho, equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, crescimento em meio à crise, a importância de fazer o que gosta e outros temas. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.


Você é um engenheiro elétrico de formação. O que te motivou a mudar de área de atuação profissional?

RM: Fiz um estágio na Companhia Energética de Brasília, e percebi que os trabalhos em engenharia eram muito repetitivos, os tempos muito lentos. Eu queria muito mais criação e dinamismo, e vi que o mundo de negócios possibilitava ter muito mais disso. Vi uma palestra sobre consultoria, e pela primeira vez tive contato com a descrição do que era um analista de negócios. Pensei na hora que aquilo era o que eu queria fazer na vida.

Organizei o clube de consultoria que existe até hoje em Brasília, organizei o pessoal para vir pra São Paulo, fizemos um couchsurfing [hospedagem em que as pessoas dormem no sofá da casa de alguém] e fiz vários processos seletivos. Passei em um deles e mudei de cidade em 2014.

S: Como foi o processo de mudança e adaptação em São Paulo?

RM: Foi muito difícil. O mundo empresarial era muito alto nível, eu tinha me preparado para os processos seletivos, mas eu não fazia ideia do que seria a vida real.

Passei por uma série de feedbacks e cheguei a ouvir que não estava performando. Fazia as coisas que me eram pedidas, mas, por exemplo, se algo fosse atrasar, eu não dava um gás adicional para fazer o que tinha que ser feito, nem avisava que ia atrasar. No final do dia, eu não conseguia estabelecer uma relação de confiança com os meus gestores. Olhando para trás – e hoje vejo isso claramente – percebo que não entendia o que era ter responsabilidade.

Em certo ponto, passei por um processo de reversão na empresa, e tinha um mês pra melhorar, ou seria mandado embora. Um diretor literalmente me chacoalhou, e me disse que eu estava deixando minha carreira na mão dos outros, e que precisava ser o dono da minha carreira.

Aquele chacoalhão encaixou uma pecinha que estava desregulada dentro de mim, e entendi o que significava assumir um compromisso, dar visibilidade das entregas. Aquilo mudou o jogo: apesar de eu não ter um problema de qualidade de entregas, me faltava o processo para entregar. Depois de ajustar isso, as coisas começaram a fluir muito bem.

S: E como você decidiu largar a vida de consultoria e entrar no ambiente de startups?

RM: Eu estava meio cansado da vida de consultoria, que é muito intensa. Você está sempre em projetos, sempre mudando de realidade e eu sentia que não conseguia construir um legado. Essa construção duradoura ficava para o cliente, e por mais que isso trouxesse uma evolução profissional enorme, eu não me sentia parte daquilo. E para mim, ter conexão é muito importante: se não tenho mais isso, minha performance cai drasticamente.

Surgiu então a oportunidade de ir para a Cabify. Enxerguei no mundo de startups a chance de combinar o dinamismo da consultoria, mas ao mesmo tempo com uma leveza que possibilitasse construir uma história. Assumi um papel global, que era uma espécie de consultoria interna para o grupo Cabify na América Latina, depois a empresa comprou a Easy Taxi, e eu assumi a diretoria de operações da Easy no processo de integração. Foi um momento incrível da minha carreira, minha primeira experiência de gestão, liderando mais de 60 pessoas com 26 anos de idade. Eu era uma pessoa muito bem quista dentro do grupo, tanto que me deram essa oportunidade, mas foi um grande desafio que me mostrou a “parte dois” do que eu queria fazer da vida.

O co-fundador e COO da Daki, Rodrigo Maroja – Foto: Gabriel Reis

Ao mesmo tempo, as concorrentes começaram a ficar muito fortes e no Brasil a 99 tinha acabado de se tornar um unicórnio, a Uber vinha com tudo e com uma quantidade de funding expressiva. A posição estratégica na América Latina da Cabify estava não estava tão legal, tanto que acabaram encerrando a operação. No começo de 2019, um dos meus amigos que eu conheci na Cabify estava começando um novo projeto aqui no Brasil em uma investida do SoftBank, uma empresa indiana de hotéis chamada Oyo.

S: De que formas a sua experiência na Oyo te equipou com as competências para fundar uma empresa?

RM: Eu queria muito começar uma coisa nova, do zero, e isso me chamava muito a atenção. Um dos meus sócios hoje na Daki, o Alex [Bretzner] estava entrando ali para ser um dos primeiros funcionários da empresa no Brasil e eu fiquei muito empolgado.

Do ponto de vista pessoal, foi um momento que eu pensei: essa é uma oportunidade que não passa duas vezes. Por outro lado, você abre mão de muita coisa. Na época, eu estava treinando todos os dias, estava super bem fisicamente, mas decidir que era um momento da minha carreira que fazia sentido me dedicar mais ao trabalho. Eu disse: vão ser seis meses em que eu vou mergulhar nisso.

No começo, eu tocava na área de operações e tocava a área de revenue management, ou seja, era responsável por fazer os hotel gerarem receita. Foi muito difícil, pois uma empresa que começa “do nada” no Brasil não tem abertura. Fui eu quem bateu na porta da Booking.com, Expedia, Decolar para fechar o negócio com estes canais [de distribuição]. Trilhamos todo o processo de abrir uma startup, desde o CNPJ até contratar e tudo o mais. Foi como empreender do zero, mas tendo alguém por trás, dando dicas, ajudando, suportando o negócio com capital também, que é superimportante.

Sobre o crescimento, aprendi que, por mais que muito capital esteja disponível, gastar dinheiro é muito difícil também. Foi um período muito positivo, ver a empresa passando por várias etapas. Aprendi muito sobre o processo de crescimento, sobre operação e sobre empreender. Como é que se tira uma operação do zero, como colocar indicadores, sistemas, processos de contratação mega robustos em pé. E bater metas, porque isso também é essencial para fazer o negócio prosperar. Tanto eu como o Rafa e o Alex, que trabalharam comigo lá, aprendemos muito sobre vendas. A Oyo se tornou a maior rede de hotéis do Brasil em número de hotéis e isso só foi possível por conta de uma força de vendas muito forte e muito atuante.

Como consultor, os frameworks e a metodologia que você aprende a construir não vão embora. Mas reforcei a noção de que uma empresa de 10 funcionários é muito diferente de uma empresa com 100 ou 1 mil pessoas. Os primeiros funcionários são os que vão moldar a cultura da empresa e é extremamente importante escolher essas pessoas muito bem.

S: Como foi o processo de fundar a Daki?

RM: Um pouco antes da pandemia, eu, o Alex e o Rafa, começamos a falar sobre abrir o nosso negócio. Pensávamos muito no começo da Oyo e como aquela época era incrível, e queríamos replicar aquilo de alguma maneira. Fui o primeiro a sair da Oyo, e passei um tempo breve na CloudKitchens, o que foi muito legal, pois me aproximou do mundo do delivery. Consegui trabalhar com todos os aplicativos e entender muito bem como funcionavam as plataformas.

O brainstorming entre nós três continuou, tivemos outras ideias como uma marca de snacks saudáveis com pontos físicos, mas na pandemia concluímos que seria muito difícil tornar esse negócio bem sucedido. Começamos a procurar oportunidades dentro do mercado de varejo e vimos como o nível de serviço do delivery era ruim, o quão caótica a experiência de compras era, e vimos uma grande oportunidade de tornar a experiência de compra online melhor e mais rápida.

Mas tenho comigo que para um negócio dar certo, você tem que fazer uma coisa que gosta de cara. Quando você não está muito engajado, você entrega menos. No meu caso, eu murcho. Fazer algo que você gosta é muito importante, porque quando o momento difícil vem, o dinheiro – ou a possibilidade de ganhar dinheiro – não sustenta a sua vontade, e não é suficiente para superar os momentos difíceis.

Também é importante fazer algo em que você seja bom ou pelo menos tenha tido alguma experiência. Em termos de expertise, peguei meu histórico de trabalho da Cabify/Easy Taxi, onde a gente mobilizava motoristas terceiros, o crescimento exponencial da Oyo, e os aprendizados do mercado de delivery como um todo da CloudKitchens.

Se eu não conhecesse nada sobre esses mercados, empreender teria sido muito mais difícil. O mercado é muito dinâmico, e se você gastar seis meses aprendendo sobre um negócio, às vezes o timing passa e você deixa de ser o pioneiro.

S: Como tem sido empreender em meio a tanta instabilidade, e sendo um unicórnio que é observado muito de perto pelo mercado?

RM: Nas outras empresas, a gente também foi observado muito de perto. Na Cabify as notícias sobre nosso mercado apareciam todo dia. Na Oyo, éramos um pouco mais low profile, mas ainda assim bem visíveis.

A condição macroeconômica tem um impacto, sim. O mundo está passando por um período inflacionário como um todo, e as coisas ficam mais caras. Para tentar conter a inflação, os governos sobem títulos públicos, que se tornam mais atraentes – e investidores buscam o que dá mais retorno com menos risco. Isso reduz a quantidade de dinheiro disponível no mercado de capitais e no mercado de venture capital.

Com menos dinheiro disponível, as pessoas ficam mais seletivas e isso faz com que investidores busquem empresas melhores. Desde o começo tivemos a preocupação de criar uma empresa sólida e baseada em valores. Temos uma boa rentabilidade desde o primeiro dia, e nunca foi uma farra aqui em termos de gastos: sempre fomos muito disciplinados e entendemos que sim, hoje tem [capital], mas amanhã pode não ter. Então precisamos ser cautelosos nos movimentos que fazemos.

Para conseguir sobreviver a esse cenário, tomamos medidas muito conservadoras para não colocar os pés pelas mãos. Lá no começo do ano, tínhamos um plano de crescimento muito mais agressivo. Em janeiro, vimos que o mercado mudou, e que precisávamos ter como organizar a casa, porque tivemos um primeiro ano de uma expansão muito agressiva.

Vamos organizar a casa para a gente não reduzir a quantidade de dinheiro que a gente tem e conseguir prosperar no mercado. Seguimos crescendo, mas não é aquele negócio de dobrar todo mês pra sempre. Hoje, estamos com um ritmo de crescimento mais compatível com uma startup tradicional.

S: E qual é a reação dos investidores a tudo isso?

RM: Acho que tudo é uma questão de conversa. Se você tem um relacionamento pautado na verdade e der visibilidade sobre o que você faz, o investidor sabe o que está acontecendo. Não existe cobranças por algo injusto. É um momento de mais cautela, mas também de de oportunidades.

Nossa ambição continua a mesma, talvez só a velocidade tenha mudado um pouco. [O crescimento] não vai ser tão rápido, reduzimos um pouco o cashburn e estamos sendo mais controlados. A questão de foco também é muito importante, mas a gente não caiu na armadilha de querer fazer tudo. Temos o nosso modelo de negócio muito claro e ele segue na mesma proposta desde que a gente começou.

S: E como fica o lado pessoal em meio a todas as essas mudanças, como você lida com isso?

RM: [As circunstâncias atuais] geram uma pressão adicional para [um empreendedor] como pessoa, com várias demandas de vários lugares. Também é preciso satisfazer a sua motivação pessoal. Senão você murcha. Também é preciso satisfazer os investidores, seus co-fundadores, funcionários com todas essas forças em direções diferentes.

No começo da Daki, eu tomei a mesma decisão que tinha tomado lá no começo da Oyo. Decidi pegar seis meses e tirar o negócio do papel, fazer isso que acontecer. Foi um período de doação total e meu foco era fazer a Daki se tornar uma grande empresa. Mas aquela intensidade não consegue permanecer por muito tempo, pois cobra um alto preço. Você começa a ter ansiedade e começa a criar um caos nos seus relacionamentos com família, amigos. Acho que tudo deu muito certo, mas só foi possível por conta desse período inicial.

As coisas não ficaram um mar de rosas, não é como se tudo tivesse parado e eu não fizesse mais nada, longe disso. Mas acho que agora estou num ritmo mais normal, mas mesmo dentro disso, a realidade atual é cheia de responsabilidades e isso pesa muito.

S: Quais são seus mecanismos para conseguir algum tipo de equilíbrio?

RM: Um dos grandes desafios é conseguir conciliar [a vida pessoal e profissional]. Para isso, comecei a criar algumas rotinas. Toda quarta feira, por exemplo, eu faço massagem: é um momento para eu me conectar comigo mesmo. Tomo um café da manhã sozinho e tiro um momento para organizar minhas ideias, não pensar sobre trabalho, desligar total. Sou muito organizado com a minha agenda e faço um planejamento detalhado, todas as semanas. Gosto de começar a semana sabendo tudo o que eu vou fazer e isso ajuda muito.

Fiz um curso de meditação recentemente, e agora medito todos os dias. É um momento de descompressão comigo mesmo, que é muito puro e verdadeiro. Voltei também a fazer exercício físico, que também é uma grande alavanca de energia. Também tento, na maioria das vezes, obedecer ao horário fixo que estabeleci para voltar para casa. Moro perto do escritório, e tento fazer tudo a pé para ganhar tempo para fazer o que preciso. Comecei a dar aula, duas horas por semana.

Estou criando um espaço pra mim no meio dessa vida profissional que tenho e me consome muito. É preciso criar mecanismos de recarga, porque se você não se recarrega, você desenvolve um burnout. O empreendedor recebe muitas notícias difíceis. Às vezes, as coisas não funcionam, a meta não bate, ocorre algo fora do planejamento. É preciso ajustar o seu momento, estar pronto e sereno para lidar com essas situações. O que eu não deixo mais é essas situações entrarem em mim.

S: De que formas o momento atual tem exigido que você desenvolva novas habilidades, novas formas de pensar?

RM: Do ponto de vista de gestão, não mudou muito. As habilidades que eu tinha já eram suficientes. Mas por outro lado, mais pessoal, comecei a me conectar muito mais com a espiritualidade como um todo. Acho que desenvolver a dimensão espiritual foi super importante pra mim ao longo desses últimos meses, e tem ajudado a lidar com os aspectos profissionais também.

Estabeleci o que tem valor para mim: moro com a minha namorada, e se eu não tenho tempo pra ficar com ela e só fico no trabalho, começo a destruir o que tem valor para mim. Estar com a minha família que mora em Brasília e criar esses momentos com eles também é muito valioso para mim. Percebo que é preciso conciliar o pessoal e o profissional, entendendo que a sua vida é uma só. Você tem vários papéis na sua vida: no meu caso, sou diretor de operações, sou fundador, mas tenho também o papel de namorado, do filho, do amigo. Eu quero estar perto das pessoas que eu amo.


Raio X – Rodrigo Maroja, COO, Daki

Em um fim de semana perfeito…No sábado, acordo cedo, faço exercícios e vou à feira. Como pastel e caldo de cana e tenho um momento de leitura. Gosto de ter um momento de total relaxamento com o s amigos ou com a família. No domingo, gosto de reservar um momento para mim, de estar comigo mesmo, estudando e me colocando no mood da semana.

Algo simples, que você não vive sem: Minha garrafinha de água.

Um lugar: Minha casa. Fora dela, o deserto do Atacama, no Chile.

Uma música: AmarElo, de Emicida. Foi muito marcante para mim, num momento em que eu estava entre trabalhos e tive uma crise de ansiedade e precisava me reequilibrar. Especialmente a parte em que ele traz um sample de Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Fico muito emocionado em lembrar daquele período.

Um livro: A obra que mais me impactou foi Os Sete Hábitos de Pessoas Altamente Eficazes, de Stephen R. Covey. É um livro que, apesar de ter um nome esquisito, fala muito sobre se tornar um ser humano melhor. E recentemente também li Autobiografia de um Iogue, do guru indiano Paramahansa Yogananda, que enre outros temas fala sobre a conexão com a espiritualidade.

Um prato preferido: Amo pato no tucupi. Meu pai é paraense e esse prato traz uma memória afetiva muito grande.

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