Depois de 3 anos em discussão, o Marco Legal das Startups foi aprovado nesta semana. Mas o que era para ser comemorado como uma grande vitória, uma agenda positiva, acabou se tornando uma chance perdida para boa parte do mercado.
Isso porque o texto que saiu do Senado deixou de fora aspectos considerados prioritários: a regulamentação das opções de ações (stock options), e a possibilidade de enquadramento como Sociedade Anônima (S/A) no Simples Nacional.
A avaliação é que os itens aprovados são sim importante para o setor, mas não causam as mudanças profundas e de melhoria nas condições para criação de novas empresas que se esperava. Além disso, colocar em discussão novamente os temas que ficaram de fora exigirá articulação e, certamente, mais alguns anos de discussões.
“Foi um trabalho de anos perdido e o Brasil continuará atrasado com relação ao resto do mundo”, diz Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil e sócio da Altivia Ventures.
Para Rodrigo Kiko Afonso, diretor-presidente da Dinamo, mais conhecido como Kiko, ter esses itens seria uma equiparação a outros ecossistemas e seria um grande avanço. Mas ainda assim, o país não ficaria em uma situação confortável. “Outros ecossistemas estão com o pé no acelerador. Não adianta a gente se movimentar a passos de lesma”, diz ele.
O projeto
O projeto do Marco Legal foi apresentado pelo governo em meados de outubro. Ele foi unificado a um outro que já tramitava no Congresso. Dois meses depois, ele foi aprovado na Câmara e enviado ao Senado.
Nesta versão, estavam presentes os aspectos tributários e a classificação das stock options como uma operação mercantil, não de cunho trabalhista.
A discordância em relação a essa natureza – que pelo que se diz, foi uma pressão da oposição à qual a base governista, não se sabe exatamente por que, acabou cedendo – levou o assunto a ser retirado do texto final.
Como sofreu alterações no Senado, o texto terá que ser avaliado novamente pela Câmara. Mas nesta etapa, os Deputados só poderão acatar ou rejeitar o que veio da outra casa, não incluir nada.
Em carta enviada aos Senadores na quarta-feira, 43 organizações do setor pediam mais tempo para discutir os itens sem consenso. O pleito acabou não sendo atendido por conta da vontade de se criar uma agenda positiva, de melhora do ambiente de negócios, com a aprovação da matéria. “Mas acabou não sendo uma agenda positiva pra ninguém. Ninguém ficou satisfeito, nem o governo, nem o setor”, diz Kiko.
Na avaliação dele, o momento é de ressaca e frustração, mas também de virar a página. Ontem pela manhã, representantes de várias entidades estiveram reunidos com o governo para conversar sobre o que passou e também sobre próximos passos. “Foi uma reunião positiva”, diz.
Segundo ele, o principal avanço foi ouvir justificativas para a retirada dos itens do projeto. “O lamento é que essa discussão só veio agora. Antes a gente só recebia um retorno de que não e pronto. Mas com isso, conseguimos agora saber onde temos que nos concentrar”, diz. Um grupo de trabalho está sendo formado com representantes do ecossistema e do governo para avançar nas conversas após a sanção presidencial.
Copo meio cheio
Apesar de o copo meio vazio ser o ângulo sob o qual boa parte do mercado está olhando a aprovação do Marco Legal, o debate e a mobilização em torno dele são resultados positivos, na avaliação de Bruno Rondani, fundador e presidente da 100 Open Startups. “Ter o marco passa a ser um possibilidade de evolução, uma referência. E houve um movimento muito forte de organização, tem deputados e senadores engajados. Tem espaço para evoluir”, diz.
Em relação ao teto, Eduardo Felipe Matias, Eduardo Felipe Matias, do escritório NELM Advogados, que acompanhou as discussões desde o nascedouro, elenca 6 pontos positivos:
Enquadramento como startup: além da necessidade de que a empresa se autodeclare inovadora, há duas condições objetivas: só será considerada startup a empresa com faturamento bruto anual inferior a R$ 16 milhões ou que esteja registrada no CNPJ há menos de 6 anos. No projeto da Câmara, esta última condição era de menos de 10 anos. Essa nova proposta abrangerá um número menor de empresas, o que deveria permitir que se conferisse maiores benefícios às startups. Essa contrapartida, no entanto, não ocorreu, uma vez que medidas importantes para impulsionar o ecossistema, como aquelas de caráter tributário e trabalhista, ficaram de fora.
Proteção aos investidores: investidores que aportarem recursos em startups usando os instrumentos listados no projeto não serão atingidos por eventual desconsideração da personalidade jurídica das startups investidas, sendo excluída sua responsabilidade em arcar com as dívidas daquelas, inclusive em recuperação judicial. Com isso, procura-se afastar o risco de que, ao investir em uma startup – aposta que, por natureza, já é de alto risco – o investidor estaria disposto a arriscar também seu patrimônio. Com mais segurança jurídica, deve aumentar o apetite pelo investimento em startups.
Simplificação nas S.A.: sociedades anônimas que faturem até determinados limites poderão ter apenas um diretor, realizar suas publicações legais pela internet e substituir seus livros tradicionais por registros eletrônicos. A redução de custos permitirá que startups adotem esse tipo societário, que é preferido pelos investidores por considerarem que isso garante melhor gestão do capital e maior proteção. Também se prevê que a CVM regulamentará condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais. O Senado eliminou a exigência de que essas empresas tivessem até 30 acionistas, o que é positivo, uma vez que isso prejudicaria os instrumentos de equity crowdfunding existentes.
Ganho de capital: na hora de se apurar os ganhos de capital auferidos por um investidor pessoa física com a venda de participação societária em uma startup, serão consideradas as perdas incorridas em investimentos em outras startups, reduzindo o imposto a ser pago. Esse mecanismo deve aumentar o interesse na formação de carteiras de investimentos em startups.
“Sandbox regulatório”: permitida a criação de ambiente regulatório experimental que garanta condições especiais simplificadas para que pessoas jurídicas sejam autorizadas temporariamente pelos órgãos competentes a desenvolver modelos de negócios inovadores e testar tecnologias experimentais. Isso conferirá maior liberdade para as startups desenvolverem soluções inovadoras.
Compras governamentais: cria-se um regime especial de teste de soluções inovadoras para contratação pela administração pública, no qual se poderá dispensar a apresentação de parte da documentação de habilitação ou a prestação de garantias, além de se permitir o pagamento antecipado de parcela do preço contratado, assegurando à startup os recursos necessários para começar a implementar o projeto. Ao conseguirem vender para o Estado, as startups ganham escala e competitividade. Já o Estado passa a contar com a capacidade dessas empresas de trazer respostas inovadoras.