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Artigo: Quebra de ciclos viciosos e mais exemplos são as chaves para mais mulheres criarem startups

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* Mariana Dias é co-fundadora e CEO da Gupy. Formada em Administração pela USP, com especialização em empreendedorismo e inovação por Stanford. Começou sua carreira como trainee na Ambev, onde trabalhou por 4 anos e ocupou o cargo de Business Partner para América Latina.


Admito que de tantos temas que sou apaixonada por falar, igualdade de gênero não é o meu preferido, embora seja o assunto que lidera os convites que recebo para palestras e entrevistas. Estratégia, performance, liderança, captação, empreendedorismo…quando vejo meu portfólio e os resultados que já gerei como empreendedora acredito que tenho mais valor a compartilhar nesses outros assuntos.

Por que então discutir os desafios encontrados pelas mulheres no mercado de trabalho ou dar dicas para mulheres empreendedoras captarem investimento tem ganhado tanto destaque na minha agenda? Simples: pelos poucos exemplos que temos. Então aqui estou. Adianto que o texto é grande, então peço que, por favor, você vá até o final. É muito importante.

Quando falamos sobre empreendedorismo, em especial no que diz respeito a startups de tecnologia, falamos frequentemente sobre como precisamos de mais diversidade. Porque para que os setores sejam mais inovadores e gerem mais resultados, deve haver pessoas de várias identidades e experiências criando e liderando empresas. Se isto parece tão óbvio, por que ainda temos tão poucos exemplos de mulheres empreendedoras em comparação a homens?

A pesquisa lançada nesta semana pela Distrito em parceria com a Endeavor e B2Mamy colocou luz e escancarou o tamanho desse problema. Apenas 30% das startups tem alguma mulher no quadro societário e 10% tem pelo menos uma mulher como fundadora. Infelizmente o buraco é ainda maior e pode estar sendo acentuado, acompanhem aqui comigo. Como sabemos, no universo do empreendedorismo, o acesso a capital na maioria das vezes, é essencial para viabilizar a aceleração do crescimento da empresa. Aqui nos deparamos com dois outros dados alarmantes: 72% das mulheres já receberam algum tipo de assédio moral durante a captação de investimento (eu, inclusive) e apenas 0,4% dos investimentos captados por startups brasileiras em 2020 foi para startups fundadas só por mulheres. Esses números mostram uma realidade 5 vezes pior do que a média mundial, número que apresentou uma redução de 20% quando comparado a 2019, segundo levantamento do Crunchbase. Algo para também refletirmos é sobre porque o tiquete médio das rodadas de startups com pelo menos uma mulher como fundadora é muito menor do que a média. Nas séries B e C, por exemplo, chega a ser um quinto do valor de startups com somente fundadores homens. Nas fases seguintes, essa diferença é ainda maior. 

Não estou aqui para julgar. Podemos levantar vários motivos para tentar justificar esses números, mas precisamos refletir. O que tudo isso significa? Infelizmente estamos em um triste e perigoso ciclo vicioso no ecossistema. Existe uma dinâmica na qual menos mulheres abrem suas empresas de tecnologia, menos mulheres captam investimento para acelerar seus negócios, menos mulheres escalam e constroem grandes empresas e menos mulheres se tornam exemplos. E como eu costumo dizer “o exemplo arrasta”. Positivo ou negativo, exemplos poderosos inspiram e contaminam positivamente, com suas histórias, outras pessoas. 

Para podermos falar de igualdade de gênero no empreendedorismo existe um problema estrutural que é necessário abordar. Problema alimentado todos os dias pelos “pequenos”, e às vezes imperceptíveis, preconceitos e barreiras que são colocadas na jornada empreendedora de uma mulher.

Quando eu paro para olhar minha trajetória como CEO e co-fundadora de uma startup de alto crescimento, certamente identifico os momentos em que talvez a minha história teria sido diferente se eu fosse homem. Como a incrível Dana Kanze mostrou em seu TEDThe real reason female entrepreneurs get less funding”, pesquisas mostram que as perguntas feitas por fundos de investimento durante o processo de decisão para alocar recursos nas startups são diferentes para fundadores homens e mulheres.

As perguntas feitas para homens em sua maioria são perguntas que abrem espaço para que o empreendedor fale sobre o potencial de crescimento do negócio, suas estratégias para ganhar mercado e sobre o tamanho que a startup pode alcançar. Enquanto as perguntas feitas para as fundadoras enquadram respostas sobre como reter clientes, reduzir custos e controlar orçamentos. Eu até hoje não conheci um fundo que não queira investir em uma startup com alto potencial de geração de receita. Mas a simples, e talvez inconsciente, forma de se direcionar uma pergunta para fundadores e fundadoras alimenta uma forte correlação com menos mulheres recebendo investimento para suas empresas.

Os números não me deixam mentir e mostram que precisamos ajustar essas diferenças em diversas camadas. Segundo a Fast Company, 12% dos tomadores de decisão nos VCs no mundo são mulheres e no Brasil menos de 8% dos VCs têm pelo menos uma mulher no conselho. 

Não precisamos ir tão longe para coletar outros exemplos práticos dessa disparidade. Mais recentemente com a explosão das salas virtuais para troca de conhecimento no Clubhouse fui convidada para participar de diversos fóruns. Em um deles, a temática da sala era sobre “Como escalar empresas de tecnologia durante a pandemia”. Dividi o microfone com outros empreendedores incríveis que admiro, todos homens, e estava ansiosa por compartilhar aprendizados sobre como dobramos a receita da Gupy durante o ano de 2020 – mesmo com a alta do desemprego que afeta muito o nosso mercado, mantivemos o revenue churn abaixo de 1%. Entretanto, mais de 80% das perguntas endereçadas a mim eram sobre “Como é ser uma empreendedora mulher no Brasil?”.

Não me entendam mal. Sei da importância de falar sobre o tema, tanto que aqui estou e co-criei uma sala no Clubhouse para apresentar mais mulheres. Mas será que essa é a melhor forma de incentivar a igualdade nesse setor ainda tão pouco diverso? O que mais podemos fazer?

Segundo o Fórum Econômico Mundial, se continuarmos fazendo as mesmas ações, o Brasil levará cerca de 59 anos para ter igualdade de gênero. Queremos esperar mais uma geração para mudar essa realidade? O ecossistema de empreendedorismo pode ter um impacto enorme nisso, pois são as startups que criam as grandes inovações e disrupções do mercado. São as startups que mais crescem e cada vez mais empregam uma parcela significativa do mercado de trabalho e são as startups que criam novas formas de trabalhar e incentivam pelo exemplo as empresas tradicionais a fazerem o mesmo. Ao termos mais startups lideradas por mulheres poderemos criar negócios, produtos e serviços mais inclusivos para essa significativa parcela de 51% da população fazendo com que não só tenhamos mais exemplos, mas também, um mundo mais diverso e melhor. Porém, é importante ressaltar que se não fizermos algo diferente, isso não será possível.

Embora não seja meu assunto preferido, estou aqui para provocar de forma construtiva e compartilhar um pouco da minha visão de como mudar a triste realidade de termos poucas mulheres empreendedoras no país. E faço isso porque vejo também como minha responsabilidade por estar neste lugar de fala. Porém, divido essa responsabilidade com meus co-fundadores homens, com todos os demais fundadores do Brasil que podem tomar ações práticas para compor mais igualdade de gênero começando pela composição do quadro societário, com os VCs que investem todos os dias em negócios potenciais e podem estar perdendo oportunidades poderosas e com todas as pessoas empreendedoras que fazem parte desse ecossistema que sou apaixonada. É certamente uma responsabilidade compartilhada para quebrarmos esse ciclo em seu alicerce e transformarmos essa realidade, mercado e economia. Dessa forma, quem sabe assim, um dia não precisaremos mais de textos como este e nós mulheres seremos só convidadas para falar sobre os desafios e aprendizados de como escalar grandes negócios.

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