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Brain4care cria método não invasivo para medir pressão intracraniana

A healthtech desenvolveu o 1º sensor do mundo capaz de monitorar variações do crânio de forma não invasiva e em tempo real

Brain4care cria método não invasivo para medir pressão intracraniana

Durante muitos anos, colher dados sobre a pressão intracraniana era considerado um processo invasivo. Pacientes eram submetidos a uma cirurgia para perfurar o crânio e inserir um cateter – um procedimento limitado a casos extremos, apesar da importância de se acompanhar o quadro clínico.

Embora este método ainda seja utilizado globalmente, uma startup brasileira está revolucionado a medicina com o 1º sensor do mundo capaz de monitorar as variações de volume e pressão intracraniana de forma não invasiva e em tempo real. A abordagem está sendo desenvolvida pela brain4care, healthtech idealizada pelo físico e químico Sérgio Mascarenhas, falecido no ano passado.

Fundador do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (IFSC/USP) e participante da criação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), o cientista foi reconhecido internacionalmente por suas contribuições à medicina e ciência. O insight para o negócio veio em 2005, quando Sérgio, então com 77 anos, foi diagnosticado com hidrocefalia, acúmulo de líquido no cérebro. Como parte do tratamento, o cientista passou pelo procedimento cirúrgico para acompanhar a pressão intracraniana, também conhecida como PIC. 

As pesquisas na área começaram em 2008. Sérgio recorreu a Gustavo Frigieri e Rodrigo Andrade, seus alunos no mestrado da USP em São Carlos, e juntos fundaram a brain4care em 2014. O trio buscou a ajuda de Plínio Targa e Carlos Bremer, ex-alunos de Sérgio na universidade que aportaram R$ 1 milhão em investimento-anjo em 2016.

“Eles queriam alguém que entendesse de negócios e soubesse tocar a empresa e dar vida à descoberta científica”, explica Plínio, ex-diretor da consultoria Deloitte, cofundador da empresa de consultoria em gestão Axia Value Chain e ex-sócio da multinacional Ernst & Young Gloe. A convite dos fundadores, Plínio e Carlos assumiram como diretor-executivo e knowledge manager, respectivamente. A dupla então trouxe Arnaldo Betta, com 28 anos de experiência à frente de startups e empresas B2B, como diretor de operações.

Como funciona

“O professor Sérgio provou que o crânio tem um certo movimento de expansão e contração e desenvolveu uma tecnologia de sensoriamento de altíssima precisão que consegue captar essas variações do lado de fora da cabeça”, explica Plínio.

O monitoramento da pressão intracraniana da brain4care é feito a partir de um sensor portátil e wireless preso à cabeça do paciente por uma faixa. Sempre que o sangue é bombeado para o cérebro, o crânio passa por pequenas deformações por conta das variações de pressão. O sensor capta as ondas continuamente e envia os sinais para um app de dispositivo móvel.

A ferramenta gera um gráfico com as curvas da morfologia intracraniana do paciente, representando como a pressão e o volume oscilam na cabeça das pessoas. Um relatório automático com os resultados é gerado na nuvem indicando se há alguma alteração. “A tecnologia é um retrato que diz para o médico se existem alterações e como isso está evoluindo ao longo do tempo. Isso transforma a parte complexa do laudo e do atendimento e disponibiliza informações que ajudam a orientar a decisão médica”, afirma o diretor-executivo.

Sensor brain4care
Sensor brain4care

A startup levou a solução para o Vale do Silício, quando participou da aceleração da Singularity University, em 2017. “Foi quando entendemos a relevância da solução, uma tecnologia com potencial de impactar bilhões de vidas e trazer um novo sinal vital”, diz Plínio, em referência às medidas corporais importantes para identificar possíveis problemas de saúde e orientar o melhor tratamento.

Alterações na pressão intracraniana podem levar a cefaleias, náuseas, visão turva, zumbidos dentro da cabeça e, em casos extremos, à redução ou interrupção de suprimento sanguíneo e morte de tecidos. Além de medir a PIC e permitir o monitoramento indolor em tempo real, o sensor da brain4care não emite radiação, e não requer contraste, preparação ou medicamentos.

Vantagens e potencial de mercado

A brain4care opera através do modelo B2B, principalmente em clínicas e hospitais. Já são mais de 40 clientes em todo o país, incluindo os hospitais Copa Star e São Lucas, no Rio de Janeiro, e Beneficência Portuguesa, Sírio Libanês e Nove de Julho, em São Paulo. Embora ainda não tenha estruturado quando isso vai acontecer, a startup pretende disponibilizar a solução para o B2C, permitindo que os pacientes façam o monitoramento sem sair de casa.

A companhia tem sede em São Carlos, um escritório em São Paulo e uma subsidiária em Atlanta, nos Estados Unidos para apoiar a expansão internacional. “Os EUA são 1/4 do PIB mundial de saúde – o maior mercado do mundo para o setor e uma região que incentiva e valoriza a inovação”, afirma Plínio. 

A internacionalização começou em novembro de 2021, assim que a healthtech recebeu a aprovação do FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de saúde nos Estados Unidos) para comercializar a solução completa por lá. “Vamos endereçar um mercado que estimamos valer US$ 1 bilhão nos EUA em 5 anos. Hoje não encontramos nenhum outro player, mas acreditamos que concorrentes surjam em breve”, diz o executivo.

A brain4care já vem se preparando para isso. “Nosso diferencial é ter um método muito simples, uma tecnologia altamente acessível e uma proteção patentária muito forte no mundo inteiro”, explica Plínio, acrescentando que a startup tem patentes não só no Brasil e nos Estados Unidos, onde já opera, mas também em regiões em que espera entrar em breve, como Europa e África. Fizemos uma descoberta e criamos uma tecnologia altamente competitiva que precisa estar bem protegida globalmente, uma estratégia que adotamos desde 2017 para termos a segurança nos países em que vamos operar”, completa.

Empresa global

O objetivo, segundo Plínio, não é deixar de lado as operações nacionais. “Não existe dúvida entre ser uma empresa norte-americana ou brasileira: queremos ser um negócio global”, afirma o executivo, acrescentando que a expansão para a Europa e o resto das Américas deve acontecer a partir de 2024, com projeção de faturar US$ 1 bilhão globalmente até 2030.

Ele conta que se o Brasil não fosse um mercado importante para a empresa, a brain4care não precisava nem ter sido criada por aqui. “Quando fizemos a aceleração na Califórnia, uma das opções era ficarmos por lá, encontrar investidores norte-americanos e criar a startup nos Estados Unidos”, explica. Os empreendedores optaram por uma estratégia diferente, porque já tinham uma rede de relacionamento ampla no Brasil, além de uma equipe com conhecimentos complementares e acesso a capital, centros de pesquisa e ótimos cientistas. Por aqui, a healthtech tem a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2019.

“Percebemos que o melhor modelo para a brain4care era desenvolver toda a nossa potência nacional e, quando estivéssemos com a regulamentação, vendendo e entregando valor aos clientes, começaríamos a expansão nos Estados Unidos pela sua dimensão e referência no mundo”, pontua Plínio.

Embora não tenha planos de abandonar as raízes brasileiras, o executivo reconhece que fazer pesquisa científica de medicina no Brasil não é uma tarefa simples. “Apesar de ter um potencial enorme, com muita criatividade e olhar investigativo, o desafio é criar políticas que incentivem o empreendedorismo em segmentos pouco tradicionais”, diz.

“É muito fácil apoiar o desenvolvimento de um software para agendamento de consultas, mas fazer o mesmo com uma descoberta científica que demanda 10 anos de investimentos de milhões de dólares antes de gerar 1 centavo de receita é muito mais complicado,” acrescenta.

“A barreira das deep techs é a necessidade de investimento consideravelmente superior ao dos negócios tradicionais e a dificuldade da visão de timing [do desenvolvimento e retorno financeiro]”, completa. Nesse cenário desfavorável, o que ajudou a brain4care a crescer, segundo Plínio, foi a qualificação do time de 50 colaboradores, e a participação de pessoas de alta reputação científica, como o professor e fundador Sérgio Mascarenhas.

Depois de levantar US$ 5 milhões em 2018 e US$ 9 milhões em meados de 2020 de investidores como Horácio Lafer Piva, presidente do conselho da Klabin; Laercio Cosentino, fundador da Totvs; e Mauro Figueiredo, ex-presidente do Grupo Fleury, a companhia planeja uma série A ainda em 2022. O plano é que a rodada seja liderada por um investidor norte-americano da área da saúde para estruturar as operações por lá. A companhia estima que, no futuro, o mercado mundial da tecnologia brain4care seja de US$ 20 bilhões, com mais de 2 milhões de sensores sendo utilizados em todos os continentes.