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Apesar dos desafios regulatórios impostos ao mercado de cannabis no Brasil, a aceleradora The Green Hub avança planos de captação em 2022 e a internacionalização das empresas de seu portfólio, bem como a construção de sinergias com outros setores como o agronegócio.

A indústria global de cannabis, que engloba a produção legal de medicamentos e cosméticos até alimentos e vestuário, tem crescido de forma consistente nos últimos anos – e a previsão é que este segmento salte de US$30 bilhões em 2020 para US$ 95 bilhões em 2025, segundo dados da Euromonitor. Consumidores em diversos países recorrem a produtos com canabidiol em sua composição para diversos usos, desde tratamento de dores crônicas e condições como epilepsia e insônia, até aplicações em saúde mental.

De olho neste potencial de mercado, a aceleradora criada em 2017 pelo CEO Marcel Grecco atualmente tem 12 startups em seu portfólio, ativas em diversos segmentos da cannabis medicinal e industrial. Destas, três foram criadas dentro de casa, sob o modelo de venture builder. O interesse de startups tem crescido significativamente ao longo dos anos: prestes a realizar sua quarta chamada, a aceleradora teve apenas 16 projetos inscritos quando deu início às atividades; no ano passado, 70 empresas se inscreveram.

“A parte empreendedora do setor da cannabis evolui mais rapidamente do que a própria legislação. Nos últimos anos temos visto um aumento tanto no crescimento do setor, quanto no interesse pelas oportunidades”, diz o sócio e chief innovation officer da aceleradora, Alex Lucena, em entrevista ao Startups.

Além da aceleração, a The Green Hub investe e participa de aportes anjo e seed nas empresas de seu portfólio. Um exemplo de startups investidas é a Cannapag, fintech paraibana que nasceu na Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), maior organização sem fins lucrativos de cannabis no país, e autorizada pela Justiça brasileira a cultivar a planta para uso medicinal. A empresa, que acabou de fechar uma rodada de investimento anjo, tem como público-alvo pessoas de baixa renda que tem dificuldades na aquisição de produtos à base de cannabis.

Outras startups do portfólio incluem a Scirama, biotech atuante em inovação psicodélica. O foco da empresa é estruturar produtos e terapias com microdosagens de psicodélicos clássicos como cogumelos, com acompanhamento psiquiátrico em ambientes controlados. Ao estimular novas conexões cerebrais através do princípio da neuroplasticidade, a empresa quer tratar pacientes com transtornos severos como traumas e quadros graves de depressão, bem como portadores de doenças degenerativas como Alzheimer. A aceleradora fez um investimento inicial de R$1 milhão na startup e deve ajudá-la a captar uma rodada de R$25 milhões fora do país.

A própria The Green Hub já está partindo para sua terceira rodada de captação depois de atrair um seed e uma Série A com investidores que incluem um family office de São Paulo e outros investidores estratégicos que aportam smart money. Em maio deste ano, a empresa deve iniciar um roadshow para uma Série B nos Estados Unidos. “A ideia é capitalizar para continuar a ajudar as nossas investidas, com capital intelectual, serviços e relacionamentos, com mais musculatura para aportar recursos financeiros diretamente nas empresas”, diz Alex.

Além de acelerar startups, a empresa também atua como consultoria para grandes grupos estrangeiros do segmento, que olham para a indústria de tecnologia no Brasil para avançar suas operações. Desde a sua fundação, a The Green Hub já atendeu 30 clientes norte-americanos, israelenses e canadenses.

“Essas empresas também estão de olho na evolução do mercado”, diz o executivo, sobre o crescimento no uso medicinal de cannabis no Brasil – que requer uma receita médica e a liberação das autoridades sanitárias – que atingiu R$61 milhões em vendas no ano passado, segundo dados da startup de dados de mercado KayaMind.

Para além da aplicação medicinal, uma das grandes áreas de interesse para a empresa é a cannabis industrial, que engloba o setor de alimentos e bebidas com infusão de cannabis e o setor têxtil. “Hoje estamos bem focados na questão medicinal. A próxima onda é a industrial,” diz Alex.

O potencial global da cannabis

Se por um lado, a atual legislação não permite explorar todas as possibilidades comerciais da cannabis no Brasil, essas limitações aceleraram o processo de internacionalização da The Green Hub. “O Canadá e outros países entenderam que é melhor que a cannabis esteja na mão do Estado, que regula e recolhe impostos e controla a qualidade, do que na mão do traficante. Mas esta é uma pauta ainda distante por aqui”, diz Alex.

O sócio e chief innovation officer da The Green Hub, Alex Lucena

O processo de expansão global da The Green Hub teve início no Uruguai, primeiro país na América Latina a regularizar o uso recreativo da cannabis, e agora avança a legalização de produtos comestíveis com base na planta. Além de ter uma startup uruguaia em seu portfólio – a CBeDifferent, que produz cosméticos com derivados do cânhamo – a aceleradora vê o país como seu “living lab”, e lá toca MVPs e projetos que não poderia realizar em larga escala no Brasil, com startups brasileiros como a Adwa, empresa de Viçosa (MG) que focada em tecnologias para a produção de cannabis.

Os primeiros esforços internacionais da aceleradora no Cone Sul tiveram foco no Uruguai, mas o olhar do hub logo se expandiu para o Paraguai. Segundo Alex, o país tem um programa promissor de produção de cânhamo, com laboratórios e parques tecnológicos, além de incentivos para o pequeno produtor agrícola.

“O Paraguai começa a se apresentar como uma potência no que se refere ao plantio de cânhamo e na transformação da matéria prima em insumos para alimentar as diversas indústrias”, diz Alex. Conhecido em inglês como hemp, o cânhamo é uma planta parente da cannabis sativa, com uma quantidade mínima de THC, substância que produz o efeito psicoativo, a famosa “brisa”.

A primeira experiência fora do Brasil abriu um precedente positivo para a aceleradora, que logo em seguida levou uma das empresas do portfólio para o Canadá. A Blue Hops, atuante na infusão de bebidas e alimentos com canabidiol, se fundiu com a canadense C.Brew, produtora de cerveja artesanal com infusão de cannabis.

A empresa, que agora se chama Blue Hemp, será comandada por brasileiros no Canadá e vai transferir sua expertise de aplicação do lúpulo em alimentos e bebidas para passar a desenvolver linhas de condimentos, snacks, vinhos, azeites de oliva, temperos e outros produtos, com uso da cannabis.

“O case da Blue Hemp é um exemplo bacana do mundo do empreendedorismo, de como é possível pensar fora da caixa e ter a coragem de atuar fora do nosso país,” diz Alex.

Transcendendo questões políticas

Apesar do potencial econômico do cultivo de cânhamo, este debate tem progredido lentamente no Brasil, segundo o sócio da The Green Hub: o projeto de lei 399, que propõe a atividade no país, está engavetado no Congresso. “Não faz sentido algum proibir no país uma planta que está fora dessa discussão do uso adulto”, diz o executivo.

“Esta conversa está toda linkada: quem ouve falar de cânhamo, pensa em cannabis e aí pensa em maconha: esta conexão automática está no centro do atual proibicionismo. Mas todos os meses, isso está caindo por terra ao redor do mundo, inclusive em países como Argentina, México e a Colômbia, que tem características parecidas com o Brasil em relação a problemas como o tráfico de drogas”, pontua.

O avanço da pauta no Brasil, segundo o diretor da aceleradora, tem menos a ver com um posicionamento conservador e mais com uma percepção de mercado, diz Alex. Ele acrescenta que um mercado regulado beneficiaria, em uma conta conservadora, cerca de 3 milhões de pessoas e geraria um faturamento de R$4,7 bilhões ao ano, segundo dados da New Frontier Data.

“O Uruguai começou há quase duas décadas com o Mujica, um político de extrema-esquerda. Dois governos se passaram e hoje o Uruguai tem um presidente liberal que é pró-mercado: quando há um entendimento da indústria de produtos e serviços construída ao redor de uma planta, esse papo de ideologia não faz muito sentido,” aponta.

Para tentar avançar o assunto junto as esferas políticas, a The Green Hub mantém um instituto, que conseguiu formar uma frente parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo, com partidos de várias partes do espectro político para falar da evolução de leis favoráveis à cannabis no mundo. “Se você é uma mãe e vê na cannabis uma forma de tratar a epilepsia de seu filho, tanto faz a sua visão política. É uma pauta transversal, que transcende as questões políticas e consegue aglutinar pensamentos de várias correntes”, ressalta Alex.

Trabalho de conscientização

Além da atuação como aceleradora e consultoria, o tripé de atuação da The Green Hub inclui a educação. Essa frente é, segundo Alex, um “trabalho de formiguinha”, com diversas ações que incluem um seminário anual realizado no hub de impacto Civi.co, onde a empresa é baseada em São Paulo. Com uma audiência que inclui startups e grandes empresas interessadas nas oportunidades do mercado de cannabis, o Cannabis Thinking teve o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como palestrante em sua primeira edição.

Além disso, a aceleradora promove uma série de iniciativas com o objetivo de abrir a mente do ecossistema em relação à cannabis. Uma delas é um curso de empreendedorismo no setor, voltado a atores de outros segmentos, como o agronegócio, educação e biotecnologia. “Abordamos assuntos bem técnicos que empreendedores de outros setores, quando tem uma noção das possibilidades do setor, começam a considerar uma migração pois ainda há muito a ser explorado nesse nicho”, pontua.

Comentando sobre expectativas para os próximos meses, Alex espera que o debate sobre o plantio de hemp tenha avançado no Brasil. “A discussão em torno da cannabis sativa entra muito na questão do uso adulto e um debate que é mais extenso, que envolve segurança pública”, diz o executivo. “Espero que, daqui a um ano, estejamos falando da possibilidade de plantar cânhamo para uso industrial no nosso país. Estou otimista, pois isso deve abrir oportunidades gigantescas para o agronegócio e muitas sinergias de mercado”.

“Enquanto isso, estamos construindo o maior hub de empreendedores do setor na América Latina. Existem muitas aceleradoras ao redor do mundo fazendo um trabalho parecido com o nosso, e a gente joga de acordo com a legislação, com a perspectiva de globalização. Temos uma visão de longo prazo, e chegaremos lá”, finaliza.

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