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Se por um lado, o nível de desemprego no Brasil continua alto – 12,4 milhões de pessoas não tem uma ocupação, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – muitos dos que tem a sorte de ter um emprego em 2022 estão adoecendo. A síndrome de burnout, causada pelo alto nível de estresse ligado a questões do trabalho, é uma realidade cada vez mais frequente em empresas, e startups focadas na área de saúde mental buscam endereçar o problema.

Segundo a International Stress Management Association, o Brasil só fica atrás do Japão em termos do número de pessoas afetadas por esgotamento mental profissional. De forma geral, o quadro da saúde mental da população é precário: segundo a Organização Mundial da Saúde OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de depressão, e lidera a lista de países com maior taxa de pessoas com ansiedade.

Some-se a isso o fato de que em 2022, entrou em vigor a nova classificação da OMS, que torna o burnout uma doença ocupacional crônica, incluída no Código internacional de Doenças, sob a sigla CID 11. Com isso, aumentam os riscos trabalhistas em que funcionários esgotados por motivos de trabalho poderão processar empresas – e em último caso, estas poderão ter que pagar indenizações, se perderem na Justiça.

Segundo Ana Carolina Peuker, CEO e fundadora da healthtech Beetouch, o burnout é um fenômeno que sempre existiu, mas foi acentuado pela crise pandêmica, com o desequilíbrio e falta de fronteiras entre a vida pessoal e laboral, o “tecnostress” (em que a pessoa precisou aprender habilidades tecnológicas rapidamente para responder à crise, como no caso de professores) e a hiperconectividade.

Além destes fatores, há o luto, adoecimento e perdas financeiras decorrentes da situação atual, diz Ana: “Isso tudo gerou uma demanda sem precedentes do ponto de vista emocional: todo mundo está con a nítida sensação de ter ultrapassado todos os seus limites, e de ter esgotado todos os seus recursos, levando ao burnout, que é uma exaustão completa.”

No trabalho, o burnout tem uma série de repercussões, segundo a psicóloga: com o “motor fundido”, a pessoa tem uma deterioração de seu estado de saúde mental, que passa pela despersonalização. “O trabalho tem uma função muito importante em termos de quem somos. Mas se a pessoa está totalmente exaurida, passa a se distanciar e desconectar emocionalmente daquele trabalho, que antes era a sua motivação”, explica a fundadora. Este processo é normalmente seguido de uma redução na autoeficácia, e a pessoa passa a se sentir desqualificada e improdutiva.

Este agravamento da incidência e desdobramentos do burnout tem trazido uma oportunidade para avançar o debate. “Já preguei muito no deserto, e agora vejo o campo se abrir para essa discussão, com gestores reconhecendo que isso tem impacto no negócio, percebendo que as questões de ESG estão intimamente ligadas à saúde mental. Isso é muito importante para a ação”, diz a fundadora.

Tratando a raiz do problema

Paradoxalmente, enquanto a tecnologia pode contribuir para piorar uma situação de burnout, healthtechs a utilizam para ajudar empresas e pessoas a tratarem a questão. “Com a pandemia, o tema de saúde mental ficou mais latente em empresas, e muitas passaram a se preocupar com o tema. Por outro lado, se pensarmos nas cerca de 18 milhões de empresas no Brasil, algumas centenas estão fazendo alguma coisa diferente, enquanto as outras estão patinando no tema”, diz Tatiana Pimenta, CEO e fundadora da plataforma de terapia online Vittude.

A startup tem uma base de psicólogos de 700 profissionais, e conta com uma carteira de cerca de 300 empresas atendidas, incluindo contratos como o Grupo Boticário e o Banco do Brasil, que oferece o serviço para mais de 90 mil funcionários em todo o país.

Apesar de o tema estar ganhando importância para tomadores de decisão, Tatiana ressalta que empresas ainda tem buscado tratar os sintomas e não as causas do problema. “Muito da nossa atuação junto a clientes tem sido em torno de como ajudá-los a evitar que o funcionário adoeça, com educação e apoiando o cuidado de forma mais integral,” diz Tatiana.

A startup tem reforçado o discurso de que empregadores tem uma função social e, portanto, devem estar atentos aos sinais que podem levar ao esgotamento mental. Em 2021, a Vittude fez uma pesquisa em parceria com a Opinion Box, com estatísticas que mostram um declínio sobre o estado da saude mental na população brasileira. Por exemplo, mais da metade dos participantes (51.3%) disseram que a tristeza aumentou na pandemia, assim como o estresse (64.1%) e os níveis de ansiedade (62.2%).

Durante a Corporate Mental Health Week, evento promovido pela Vittude em janeiro para discutir o papel estratégico dos departamentos de recursos humanos na promoção da saúde mental em ambientes de trabalho, Tatiana foi categórica: “Tudo deve ser pensado para o colaborador, porque é ele quem vai fazer a diferença.”

Para endereçar o burnout em seus clientes, a startup trabalha com uma escala para entender os sintomas e identificar casos na força de trabalho. Uma vez que os casos são identificados, colaboradores são orientados a procurar ajuda profissional. Além disso, a startup também promove rodas de conversa e faz um trabalho de conscientização das empresas para prevenção da síndrome.

O uso da tecnologia no combate ao burnout prevê a possibilidade de uma gestão baseada em dados, em que empresas tem uma maior visibilidade da saúde mental de seus colaboradores. Com sua plataforma de avaliação psicológica preditiva, a Beetouch ajuda empresas a tomarem decisões com base em riscos ocupacionais e indicadores.

Na análise produzida pela startup, que atende cerca de 50 clientes como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Randon, diversos fatores psicossociais ligados ao contexto de trabalho são levados em conta. As variáveis incluem, por exemplo, o aumento de demandas não-compatíveis com a evolução da carreira, horas extras em excesso, abuso e preconceito. Além disso, a empresa começou a oferecer atendimentos psicológicos desde o início da pandemia, com consultas informadas por dados.

“Nosso trabalho é totalmente alinhado com o rastreio das causas do adoecimento mental e causas que podem levar ao burnout. Com esta análise e ações prioritárias, empresas podem medir riscos, mitigar problemas existentes e trabalhar na prevenção para não gerar problemas trabalhistas”, aponta Ana.

Capacitando lideranças

Outra empresa que está nadando de braçada no atual cenário de demanda por serviços de saúde mental é a Zenklub. A plataforma online de cuidado emocional corporativo teve um aumento de 151% em consultas no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período no ano anterior. O burnout está entre as principais razões que usuários procuram ajuda – no top 3 estão ansiedade, problemas de relacionamento, e busca por autoconhecimento.

Fundada em 2016, a Zenklub reúne 700 profissionais que incluem psicólogos, psicanalistas, facilitadores de meditação e coaches, além de conteúdo que inclui jornadas em audio tratando temas como sono, e podcasts com participações de personalidades que falam sobre temas de saúde mental.

Lideranças estão mais sensíveis ao tema do burnout e começam a perceber os possíveis riscos à reputação e marca se não se movimentarem nesta área, diz Rui Brandão, CEO e fundador da healthtech. “As pessoas estão procurando mais propósito em seus trabalhos e isso inclui uma análise de como empregadores em potencial estão tratando seus colaboradores. Em paralelo, nós consumidores também estamos atentos a como organizações lidam com seres humanos.”

Para acelerar a compreensão de fenômenos como o burnout, a Zenklub também aposta em dados e desenvolveu um índice de bem-estar corporativo que considera variáveis da jornada de trabalho, como autonomia e controle, e a relação das pessoas com o stress. A ferramenta mede o bem-estar de trabalhadores em uma escala de 0 a 100, cujo índice ideal mínimo é de 78 – no quesito burnout, o índice é 58,75, o que traz um alerta. Além disso, a empresa lançou um programa de capacitação de lideranças opara acelerar o entendimento de gestores sobre temas de saúde mental.

“Cultura e emoções são coisas intangíveis, e se damos elementos para que empresas possam tangibilizar isso melhor, acredito que geraremos um movimento mais rápido de adoção [de plataformas de saúde mental]”, diz Rui. Entre os clientes corporativos da empresa, estão nomes como Ambev, Loggi e Natura.

Segundo Rui, o Brasil tem indicadores mais severos em saúde mental em relação a outros países ditos desenvolvidos, por motivos como o desemprego e a falta de segurança. Por outro lado, o médico português afirma que os brasileiros são mais abertos em relação a falar e agir sobre questões emocionais.

“Pessoas na Europa tendem a buscar remédios muito mais do que tentar identificar a causa raiz dos problemas: Portugal, por exemplo, é o país que mais consome psicotrópicos na região”, diz o empreendedor, acrescentando que a abertura do brasileiro em relação à serviços digitalizados é outro ponto positivo, que cria um terreno fértil para healthtechs focadas em saúde mental.

Para além do foco em pacientes e empresas, o uso de tecnologia para apoiar os profissionais que atuam pela plataforma está no roadmap da Zenklub. “Estamos falando de um grupo de mais de 500 mil profissionais, que muitas vezes passam entre 8-10 horas por dia ouvindo as dores, doenças e desafios do ser humano. É uma atuação muito solitária, e vamos trabalhar para apoiar e valorizar estes profissionais.”

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