Negócios

Dr. Jones quer clientes como sócios e lança captação de R$ 3,5 mi no Kria

Oferta da Dr. Jones na plataforma de equity crowdfunding Kria é movimento inédito para uma startup que fez rodada com fundos de VC

Produtos de higiene e beleza da marca Dr Jones com fundo azul - Startups

Em um movimento até agora inédito no mercado de startups no Brasil, a marca de produtos de higiene e beleza masculina Dr. Jones, que já levantou alguns milhões com fundos de grande porte como Astella, Igah e o americano IgniteXL, colocou no ar uma oferta de equity crowdfunding na plataforma Kria.

A ideia da Dr. Jones ideia é levantar R$ 3,5 milhões dentro de uma tese de reforço de comunidade e fidelização. A marca opera no modelo de venda direta ao consumidor (D2C) e tem 70 mil clientes ativos nos últimos 12 meses – e 100 mil em 2 anos. Atualmente são 14 produtos em linha, como aparelho e lâminas de barbear, shampoos e sabonetes. “Temos uma base de fãs, muita gente que quer fazer parte do movimento. E quando você faz uma oferta de crowdfuding você potencializa o poder dessa comunidade, do boca a boca”, diz Guilherme Campos, cofundador da Dr. Jones, em conversa exclusiva com o Startups.

Divisor de águas

A decisão inédita de fazer um caminho que seria o contrário do tradicional, vindo do VC para o crowdfunding é emblemática por conta da percepção sobre essa modalidade no Brasil. Por aqui, o equity crowdfunding ficou com a pecha de “festa ruim”, uma saída para negócios menos atraentes que não conseguiram atrair o interesse dos fundos de venture capital, um espaço de seleção adversa para investidores pouco experientes.

A percepção vem mudando aos poucos. Com vários casos de exit e de crescimento de startups, a modalidade tem atraído negócios mais interessantes e também a atenção de investidores profissionais. As gestoras Grão, Bossanova e Capital Lab Ventures são algumas das que já aportaram dinheiro em startups que fizeram captações em plataformas de equity crowdfunding.

Na avaliação de Camila Nasser, cofundadora e presidente do Kria, a oferta da Dr. Jones é um divisor de águas para o mercado. “Aqui no Kria a gente tem a tese do basta 1. Que só precisaria de 1 nome importante para mudar o mercado. E esse momento chegou”, diz ela ao Startups.

Foto da Camila Nasser, cofundadora e presidente do Kria - Startups
Camila Nasser, cofundadora e presidente do Kria

Por quê?

A oferta da Dr. Jones faz parte de uma rodada ponte (bridge) de R$ 7,5 milhões que a marca abriu em meados do ano passado, em antecipação à sua série A, prevista para o fim do ano. A Igah ampliou sua fatia no negócio ao ficar com cerca de metade do total (R$ 4 milhões) projetado para a bridge.  

Para a outra parcela, a intenção era trazer algum investidor novo, que pudesse adicionar visões. Por sugestão da Norte Capital, um de seus investidores, os fundadores foram avaliar a possibilidade de captar o restante em uma oferta de crowdfunding. Em uma primeira análise a opção foi avaliada mas não seguiu adiante. “Na nossa cabeça era um conceito legal, mas que poderia dar dor de cabeça em termos de governança por ter muitos investidores envolvidos”, conta.

Depois, numa reconsideração, a oferta foi escolhida como o melhor caminho a se seguir. Segundo Guilherme, na escolha pelo Kria, pesou o fato de não haver contratos individuais com cada investidor, é o veículo da empresa que entra no captable.

Além do potencial de venda, uma outra vantagem de ter uma base de clientes-sócios é poder acessá-los para testar novos produtos que a marca queira colocar no mercado. Dentre as categorias avaliadas está a de desodorantes.

O Brasil tem o 2º maior mercado de beleza e cuidados pessoais para homens no mundo, atrás apenas dos EUA. Em 2020, foram R$ 20 bilhões. Apesar desse porte, o assunto é um tabu entre o público. Para Guilherme, ao trazer os compradores como sócios, a Dr. Jones vence a barreira das piadinhas.

Falo bem do produto e promovo porque tenho interesses financeiros aqui, não só porque minha pele fica mais macia, meu cabelo mais cheiroso e me isso melhora minha autoestima e meu bem-estar, sacou?

Em sua comunicação, a Dr. Jones tem usado uma pegada de Davi contra Golias, se colocando como a marca que quer derrubar os nomes tradicionais do mercado. A postura já lhe rendeu, inclusive, uma notificação extrajudicial e uma reclamação no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o Conar.  

Para reforçar esse posicionamento a companhia trouxe como advisor na captação o publicitário José Eustachio, fundador da agência Talent. “Estou entusiasmado com o projeto Dr. Jones/Kria. já tive a oportunidade de manifestar sobre o potencia da Dr. Jones e seus fundadores, e me identifico totalmente com o modelo Kria de comunidade como impulsionador de empresas”, diz ele em comentário enviado por e-mail.

Na captação lançada no Kria, o aporte mínimo é de R$ 2,5 mil. A oferta entrou no ar em meados da semana passada, e já tem R$ 373,5 mil (16,01% da meta) comprometidos. Se não for concluída antes, ela fica disponível até maio.

Foto do Guilherme Campos e Andre Popoutchi, fundadores da Dr. Jones - Startups
Guilherme Campos (à esq.) e Andre Popoutchi, fundadores da Dr. Jones

Histórico e planos

Lançada em 2013 com uma pegada B2B e venda no varejo físico, a Dr. Jones mudou seu modelo de negócios no fim de 2019, voltando-se para o mundo digital. Com o novo posicionamento, e um modelo de compras avulsas e também de assinatura, a companhia quase triplicou suas vendas em 2020, chegando a R$ 3,3 milhões. Ano passado, mais um salto, para R$ 7,3 milhões. Para 2022, o objetivo é passar de R$ 20 milhões. Ano que vem, a projeção é passar dos R$ 50 milhões.   

De acordo com Guilherme, o plano é investir a aquisição de clientes e em marketing, indo, inclusive, para o mundo offline. No fim do ano passado a companhia chegou a montar um quiosque físico no shopping Morumbi, em São Paulo. Uma ação que ajudou a companhia a atrair consumidores que não consumiam a marca a algum tempo. “O online ficou muito concorrido no 2º semestre, com o prelo dos anúncios subindo, a questão das mudanças de configurações de privacidade da Apple. E o consumidor circula no offline também. Então você precisa estar onde ele está”, diz.

Na avaliação de José Pedro Cacheado, sócio da Norte Ventures não dá para dizer que só essa oferta acaba com o preconceito em torno da modalidade de equity crowdfunding. Ainda serão necessários mais alguns casos de sucesso para colocá-la realmente como uma opção. Mas pontos como a comunidade e a fidelização são interessantes. O importante é que o fato de se ter um crowdfuding não atrapalhe as questões de captable e de governança. “O crowdfunding e a empresa que etá fazendo a rodada tem que ter uma estrutura muito alinhada e muito objetiva que não crie nenhuma fricção de como uma rodada tradicional funciona”, avalia.