Não, os planos da Tembici – aquela das bikes laranjas do Itaú, manja? – não têm nada a ver com os livros de ficção de Philip K. Dick ou com a série inspirada neles. A referência do título é sobre o plano de eletrificação da frota da companhia. Se bem que ter mais gente andando de bicicleta por aí nas grandes metrópoles é quase uma ficção.
Mas o que começou como um teste com mil unidades há 1 ano é agora parte central do plano de expansão da companhia. “A bicicleta elétrica aumenta a distância percorrida pelo usuário, ajuda a superar questões como o relevo. Tem a questão do conforto por não transpirar. E o custo-benefício é indiscutível. As pessoas vão considerar muito. Elas vão tirar as pessoas dos carros”, crava Tomás Martins cofundador e presidente da companhia.
Ao longo dos próximos 12 meses a Tembici espera quase que dobrar a base atual de bicicletas adicionando mais 10 mil às atuais 16 mil. Dentre as novas magrelas (se bem que as bikes da Tembici são bem corpulentas), a maioria será elétrica.
A ideia é acelerar a expansão geográfica chegando a novas cidades como Brasília, Cidade do México e Bogotá e também ampliar a atuação nas 7 onde ela já está presente. “São Paulo e Rio têm 3 mil bicicletas, enquanto Paris e Nova York têm 15 mil. A penetração por habitante é muito baixa”, avalia Tomás.
Uma das vertentes de crescimento será o uso das bicicletas para entregas, uma modalidade que se consolidou durante a pandemia e que, por conta do crescimento registrado, pode até se tornar uma atividade separada dentro da companhia.
Vai pagar como?
Para financiar essa expansão, a companhia fechou uma captação de recursos que soma R4 420 milhões e que contou com um pedaço de equity e outro de captação de dívida com selo verde.
A parcela de crédito é de R$ 29 milhões em linhas obtidas com o Itaú e o Santander e está atrelada a critérios de impacto. “Se a gente colocar mais bicicletas na rua, a taxa no Santander cai”, diz Tomás. Para empresas que têm ativos físicos a dívida é um componente interessante de expansão uma vez que permite um uso mais eficiente do capital dos sócios
Na parte de equity, o aporte foi liderado pela gestora Crescera Capital e contou com a entrada da Pipo Capital (do Gustavo Ahrends, que também investe na Kovi) e da Endeavor Catalyst. IFC, Valor, Redpoint eventures e Igah, que já eram investidores, acompanharam. “A série A [de 2019] ajudou a internacionalizar, ir para o Chile, Argentina e estruturar o negócio B2C. A série B foi tecnologia e dados e bike elétrica, provar essa tese. A série é gasolina no fogo. Sabemos os unit economics, os deferenciais e desafios e vamos para o crescimento”, diz Tomás.
Perguntado do porquê de trazer como líder da rodada uma gestora nacional, não um fundo gringo, como normalmente acontece em uma série C, Tomás disse que o case de construção da Afya Educação foi um bom trabalho feito pela Crescera, o que deixa a companhia bem confortável com este formato. Além disso, completa, ela já tem dois fundos internacionais como sócios, IFC e Valor.
O mundo dá voltas
A pandemia, que deveria ter sido um momento de caos para a Tembici por conta das medidas de isolamento acabou sendo um momento de arrumar a casa e também de crescimento. A receita cresceu mais de 50%, impulsionada pelo uso por pessoas que queriam evitar o uso de carros compartilhados e do transporte público e também por entregadores. A companhia fez, por exemplo, um acordo com o iFood pelo qual os profissionais podiam pegar bicicletas com custo mais vantajoso.
Outro movimento, interno, fez a margem bruta melhorar 300%, ficando na casa dos 60% e colocou a companhia em terreno positivo em relação ao EBITDA e em break even desde o ano passado. Isso mesmo, uma empresa de compartilhamento de bicicletas com EBITDA positivo e em break even.
E não foi magia, mas tecnologia. Literalmente. Além de criar modelos para conhecer a fundo o perfil de uso de suas bicicletas e estações para otimizar os rebalanceamento, a companhia desenvolveu um sistema de internet das coisas próprio, para ajudar a controlar sua frota. Entre os recursos, está um alerta enviado à central no caso de suspeita de extravio de uma bicicleta “Das mil bicicletas elétricas que a gente colocou há um ano, não perdemos nenhuma”, diz Tomás. Hoje, o índice de write off, ou seja, de perda de unidades, está em 0,15%.
No modelo de compartilhamento, ter esse número em níveis baixos é fundamental porque permite que os investimentos possam ser feitos em expansão, e não na reposição da frota. O alto gasto com reposição foi, e ainda é, um dos grandes problemas do modelo sem estações adotado com bicicletas e patinetes.
“A gente poderia ter ido pelo modelo dockless, mas tomamos a decisão de não para construir o melhor produto possível mas em menor quantidade. O investimento inicial foi maior, mas como produto, criamos algo que vai ficar de pé para contar a história”, se vangloria Tomás.
Para ele, o momento é muito positivo por conta das discussões sobre mobilidade e as mudanças de comportamento trazidas pela pandemia.
B2C para B2B
O modelo de negócios da Tembici começou baseado nos acordos de patrocínio com marcas. A mais evidente, e ainda principal, é o Itaú. Mas o que já foi a maior parte do negócio, hoje representa 50% da operação e a ideia é que caia para cerca de 30% nos próximos 2 anos.
“A escala vem forte no B2C. Temos investido muito no produto para melhorar a experiência para o usuário. Mas temos um ativo que gera um apelo forte para a empresas. É um benefício colocar esse modal dentro da estratégia”, diz ele, citando os casos Mastercard, iFood e Magalu, que já fizeram campanhas com a Tembici.