Dona de duas das maiores redes de drogarias do país, a DPSP está acelerando a construção de seu ecossistema de saúde. O grupo planeja uma série de aquisições e integrações com startups nos próximos meses, e aposta na digitalização de médicos e uso massivo de dados para apoiar sua visão de saúde preditiva.
Com um orçamento de R$500 milhões, a estratégia do grupo que agrega as redes Drogarias Pacheco e Drogaria São Paulo tem como fio condutor a união do digital com a presença física das drogarias – existem cerca de 90 mil farmácias no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). A abordagem também leva em conta a digitalização acelerada decorrente da pandemia: em 2021, a própria DPSP viu um crescimento de 115% nas vendas através de seus canais digitais.
O plano “figital” partiu de uma provocação de Sílvio Meira, presidente do conselho do Porto Digital e do CESAR. O aclamado professor e empreendedor de tecnologia foi convidado para atuar como conselheiro do grupo no ano passado, tratando de temas como a evolução da farmácia e da digitalização da saúde.
“Considerando a capilaridade das farmácias e o desafio da saúde no Brasil, [Sílvio] nos questionou sobre o que poderíamos fazer de diferente, usando o melhor dos dois mundos, físico e digital. Criamos então um ecossistema aberto, para atender não só a DPSP, mas qualquer elo da saúde do país,” diz Cristiano Hyppolito, chief digital officer do grupo, em entrevista ao Startups.
O ecossistema em questão é a Viva Saúde, empresa criada no final de 2021 que opera em proximidade, porém apartada do grupo de farmácias. “Apesar de estarmos transformando [a DPSP], ela ainda não chegou no estágio que gostaríamos em termos de flexibilidade e agilidade. Por isso, tomamos a decisão de construir essa empresa fora, com toda a governança necessária mas com uma capacidade de entrega e agilidade muito maior do que a DPSP”, conta Cristiano, que é responsável tanto pelos negócios digitais da “nave-mãe” quanto pela nova empresa.
A mandala que compõe a visão da Viva Saúde compreende os elos do ecossistema de saúde, tanto da perspectiva dos provedores de serviços quanto do paciente, que terá acesso a seus próprios dados de saúde. Além disso, a ideia é que as pessoas possam acessar, em um lugar só, produtos como medicamentos, serviços como consultas e exames e conteúdo com foco em prevenção. “Queremos ser uma plataforma como o Mercado Livre, fazendo conexões entre os brasileiros e provedores de saúde”, frisa.
Digitalizando profissionais de saúde
O primeiro passo da estratégia é viabilizar a digitalização dos médicos, através de uma plataforma desenvolvida pela TI Saúde, empresa do Porto Digital adquirida pela DPSP em janeiro. “Hoje existem cerca de 500 mil médicos no Brasil, e acreditamos que é possível ir além desta comunidade e digitalizar todos os profissionais da saúde. Quanto mais rápido isso acontecer, mais rápido os brasileiros terão acesso à sua informação de saúde como exames, medicamentos e histórico com um clique”, diz Cristiano. O executivo acrescenta que a plataforma opera de acordo com os preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
No entanto, o movimento global de uso de dados para saúde preventiva ainda é uma novidade no Brasil, o que influenciou a ordem das prioridades no plano de ecossistema da empresa. “É por isso que começamos pelos médicos, até porque o brasileiro não consegue ter acesso aos seus próprios dados”, diz Cristiano, acrescentando que ao começar pelos profissionais, a mentalidade do público em geral em termos de acessar e compartilhar estes dados começarará a mudar.
Descrito por Cristiano como o “Windows dos médicos”, o SaaS da Viva Saúde é uma das formas de monetização do ecossistema de saúde da empresa. Por uma taxa mensal de R$59,90, médicos tem acesso a funcionalidades que incluem prescrição eletrônica, prontuário eletrônico, telemedicina, e um módulo de gestão com contas a pagar e receber, bem como recursos de CRM para facilitar o contato com pacientes.
Apesar de o produto estar disponível para médicos do sistema privado, o público mais promissor para a empresa é o grupo de profissionais que atende a população sem plano de saúde, que corresponde a cerca de 80% dos brasileiros. Cerca de 10mil profissionais atualmente usam a plataforma, incluindo profissionais trabalhando em prefeituras que assinam o produto no formato white label. Clientes incluem cidades como Cotia (SP) e Petrolina (PE) – nessa última, mais de 450mil habitantes usam o sistema.
A monetização também deve acontecer através da conexão entre a plataforma e as farmácias. Neste hub, um paciente poderá, por exemplo, receber medicamentos em sua prescrição eletrônica em casa logo depois de passar em consulta. “Estamos preparando toda a malha logística para poder gerar uma experiência de cliente superior e remover os atritos da saúde, como ter que buscar itens em farmácias físicas, lidar com receitas em que o farmacêutico não consegue ler o que o médico escreveu”, aponta.
“A ideia é conectar o mundo digital com a capilaridade as farmácias espalhadas pelo Brasil. É aí que entra o conceito de plataforma aberta: a DPSP tem 1,400 lojas, muitas delas no Rio e em São Paulo, mas queremos estar no Tocantins, Amazonas, Roraima, Rio Grande do Sul, atendendo no Brasil todo,” ressalta o executivo, acrescentando que a grande maioria das farmácias no Brasil – cerca de 80mil – são lojas de bairro, que a empresa pretende usar como agentes de seu ecossistema.
Aquisições e parcerias
Para acelerar rumo a essa mandala de produtos e serviços, a DPSP vai investir em mais aquisições. Para apoiar as atividades de M&A, a companhia se uniu à Liga Ventures, que em breve vai conduzir um programa de aceleração, em que as startups com melhor desempenho terão a chance de serem adquiridas para compor a plataforma Viva Saúde.
Possíveis aquisições da empresa incluem startups ativas no segmento de análise de dados para a saúde, que possam apoiar a capacidade preditiva da plataforma, ou que consolidem e automatizem a presença de médicos em redes sociais. A empresa também está interessada em startups desenvolvendo plataformas que conectem médicos para potencializar os recursos que o Viva Saúde já tem para este público, como e-learning.
Por outro lado, Cristiano também olha para startups como possíveis componentes de seu ecossistema. “Não queremos ser um Dr Consulta, que tem as clínicas e médicos, mas queremos que estas empresas se conectem conosco e levem uma plataforma digital para as pessoas”, ressalta o executivo, acrescentando que faria sentido ter outras healthtechs, como a Alice, integradas ao Viva Saúde. Outras integrações deverão trazer conteúdos focados em prevenção de diversos atores do ecossistema.
Enquanto a DPSP avança seu plano para a Viva Saúde, existem entraves que a empresa precisará enfrentar, como a mudança de mentalidade do segmento de saúde. “Ao longo dos anos [profissionais] foram estudando e se preparando com um modelo diferente do que a gente precisa hoje na saúde do país”, diz o executivo. “Não é simplesmente vender a plataforma, isso é a coisa mais simples do mundo. O complexo é realmente mudar a forma de atendimento para um formato mais digital e produtivo, que gere inteligência para todo mundo.”
Com experiência em outras startups como a Dafiti, bem como empresas tradicionais, Cristiano diz que promover a transformação digital na DPSP é desafiador. Mas isso nem se compara a estruturar e expandir o ecossistema de saúde que a companhia se propôs a patrocinar. “Não é como tocar uma empresa já constituída ou rodando onde você tem objetivos já definidos, é muito mais complexo. Estamos construindo e vendo como os atores se comportam no ecossistema e fazendo os ajustes,” pontua.
Neste contexto, o executivo tem a tarefa de equilibrar os pratos entre a DPSP e a Viva Saúde, trazendo os ativos que ambas as organizações precisam para evoluir, cada qual à sua maneira. “O grande desafio é não deixar uma companhia de alguns bilhões [interferir] nessa nova empresa, usando o que ambas tem de melhor. É tudo muito dinâmico, cada hora estou com um chapéu”, diz Cristiano.
Apesar dos avanços na visão da empresa até aqui, o diretor ressalta que ainda há muito por fazer. “Quando alguém me pergunta o que vou fazer nos próximos cinco anos, digo que só sei que quero fazer as pessoas viverem mais e melhor. E isso vai acontecer através do ecossistema aberto e democratizado da saúde que estamos construindo”, conclui.