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Apesar de avanços tímidos no que diz respeito à empresas de base tecnológica lideradas por mulheres com mais histórias de sucesso chegando nas manchetes, as condições macroeconômicas não tornam o surgimento de novas scale-ups, unicórnios ou decacórnios particularmente fácil. No entanto, especialistas consideram que o Brasil pode estar às vésperas de uma aceleração no número de startups de alto crescimento lideradas por mulheres.

De forma geral, o ambiente para a sobrevivência e trabalho das mulheres no mundo pós-pandêmico é hostil. Em meio a todas as perdas da Covid-19, está o impacto desproporcional para as mulheres, que se viram mais propensas a perder o trabalho e sofrer uma redução na renda, um problema definido pela CEO do Institute for Women’s Policy Research, C Nicole Mason como “shecession”. Esse movimento é ilustrado em estatísticas de organizações como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que sugere que enquanto a taxa de ocupação no Brasil estava em 58,1% para os homens no segundo trimestre de 2020, o índice chegou a 39,7% no caso das mulheres.

Entre as mulheres à frente de seus próprios negócios, a situação é igualmente desoladora: segundo pesquisa do Sebrae, a pandemia reduziu o número de mulheres no empreendedorismo, com uma perda de 1,3 milhão de negócios liderados por mulheres no comparativo entre 2019 e 2020. Outra pesquisa, do Goldman Sachs, aponta que a receita dos pequenos negócios de empreendedoras caiu 66% entre 2020 e 2021, por conta de fatores como a jornada dupla de trabalho e uma maior carga de tarefas domésticas.

A pesquisa do Goldman Sachs também aponta o viés negativo de gênero, que impõe barreiras no acesso à capital, como um dos maiores entraves enfrentados por empreendedoras. Quando se trata do universo de startups brasileiro, o ponto de escassez de capital para mulheres é corroborado pela pesquisa Female Founders, publicada no ano passado pelo Distrito, Endeavor e B2Mamy, que sugere que mulheres receberam apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado em 2020.

Por outro lado, o ano passado também foi um ano histórico para empresas lideradas por mulheres que conseguiram “chegar lá” apesar dos desafios, ao abrir o capital de seus negócios na Bolsa. Exemplos globais emblemáticos incluem Whitney Wolfe Herd que se tornou a mulher mais jovem a fazer um IPO quando fez a oferta da Bumble em fevereiro, levantando US$ 2,2 bilhões. Além disso, a CEO da Vimeo, Anjali Sud, foi a primeira mulher asiática a abrir o capital de uma empresa na Nasdaq em maio. E claro, Cristina Junqueira, grávida da terceira filha, fez o IPO do Nubank na NYSE em dezembro.

Um ecossistema em formação

Diante do precedente estabelecido pelo Nubank, será que já o Brasil já não teria tido tempo de gestar mais empresas de tamanho comparável lideradas por mulheres? Segundo Maria Fernanda Musa, diretora de aceleração de negócios na Endeavor, a escassez de empreendedoras à frente de outros gigantes de mercado é um ponto que também incomoda a organização, cujo foco é o fomento de empresas de alto crescimento.

“O número de uncórnios liderados por mulheres globalmente [12%, segundo números da PitchBook] não é bom, só que ainda é melhor do que no Brasil, onde temos apenas um unicórnio liderado por uma mulher. Mas, quando comparamos o cenário de inovação e empreendedorismo norte-americano e o brasileiro, há uma grande diferença, pois o nosso ecossistema ainda é muito jovem”, diz Maria Fernanda, em entrevista ao Startups, lembrando do surgimento da 99, primeiro unicórnio brasileiro em janeiro de 2018.

Analisando a evolução do ecossistema em relação a mulheres nos últimos quatro anos, Maria Fernanda diz que o pool de scale-ups e startups fundadas apenas por mulheres neste período mostra “um ecossistema ainda em formação” no Brasil. Citando dados do Female Founders, a diretora da Endeavor diz que dois terços das scale-ups brasileiras lideradas por mulheres surgiu nos últimos cinco anos.

“Ainda não deu tempo de termos mais mulheres na lista de unicórnios, mas isso deve acontecer nos próximos anos. Se considerarmos o Nubank que estes próximo de chegar em seus 10 anos e foi considerado unicórnio há cerca de 3, imagino que estejamos perto de ver essa lista ficar um pouco mais diversa”, pontua.

Para apoiar fundadoras que podem se tornar eventuais criadoras de unicórnios, a Endeavor tem buscado atrair mais startups com lideranças femininas para seu programa de aceleração. A organização já vê algum resultado de suas ações: o percentual de fundadoras no programa era 12% em 2020 e atualmente está em 30%.

“Estamos fazendo um esforço ativo em ir atrás destas mulheres, entendendo que muitas vezes elas não tiveram o mesmo acesso a capital e a conexões que os fundadores homens tiveram. Temos os mesmos critérios de seleção como potencial de crescimento e mercado, mas antecipamos um pouco o momento em que essas empresas entram no nosso programa por entender que [a aceleração] pode ser crítica neste estágio [de menor maturidade]”, diz a diretora da Endeavor.

Futuros unicórnios

Quando o assunto é futuras candidatas a unicórnios que são lideradas por mulheres, as apostas de Maria Fernanda incluem empresas como a Gupy, HRtech que levantou R$ 500 milhões em uma rodada liderada pelo SoftBank e logo em seguida, comprou a Kenoby, sua principal concorrente. “Esta é uma das empresas que mais vem se destacando no nosso portfólio”, diz Maria Fernanda.

Outras possíveis candidatas a alcançar o valuation de mais de R$1 bilhão incluem a marca digital de cosméticos Sallve, que levantou R$100 milhões em uma Série B liderada pelo Atlantico no ano passado. A empresa tem Daniel Wjuniski como CEO, e foi co-fundada pela influenciadora digital e chief creative officer Julia Petit e Márcia Netto, que é chief digital officer da startup. Próximos unicórnios com liderança feminina podem incluir a Arquivei, empresa de gestão de documentos fiscais que recebeu um aporte de US$ 48 milhões em aporte liderado pela Riverwood em 2021. Até o começo deste ano, a empresa era liderada pelo co-fundador Cristian de Cico, e desde o mês passado tem a co-fundadora Isis Abbud atuando como co-CEO.

Sobre a razão de muitas das empresas mais promissoras do ecossistema ainda terem homens no comando com mulheres exercendo outras funções que não a de CEO, Maria Fernanda constata que existem menos mulheres no topo da pirâmide, mas diz que isso acontece por uma questão de complementaridade. “Acho que [isso se dá] por uma questão das skills [da empreendedora]”, pontua, citando exemplos como o da Gupy, em que mulheres estão à frente do negócio, com sócios homens mais “backstage”.

Uma representação feminina maior em cargos sêniores em startups de sucesso também significa que mais mulheres também estarão habilitadas a criar seus próprios unicórnios. Equipadas com a experiência de como escalar negócios, validar produtos e com acesso à conexões e capital, estas empreendedoras já terão feito um progresso considerável na superação de alguns dos maiores obstáculos impostos a fundadoras. “A partir do momento que mulheres quebram essa barreira inicial, o potencial de crescimento futuro é gigantesco”, ressalta Maria Fernanda.

Para elevar mais mulheres a posições de liderança, a Endeavor também tem intensificado ações de conscientização entre as empresas de seu portfólio e premiado startups que avançam na agenda de diversidade e inclusão – segundo Maria Fernanda, a Gupy está entre as empresas do portfólio da Endeavor que mais tem se destacado neste sentido. A startup definiu a meta de ter 50% de mulheres em todos os níveis hierárquicos, incluindo alta liderança, até julho de 2024. Um percentual de 30% dessas mulheres deverão pertencer aos demais grupos de diversidade de raça/cor, orientação sexual, identidade de gênero e pessoas com deficiência.

A diretora da organização alerta que o entendimento entre startups de que precisam acelerar seus esforços em elevar mulheres em seus quadros, de forma interseccional (ou seja, não basta somente contratar mulheres brancas cis) fará diferença para o resultado financeiro, considerando o atual foco em pautas ligadas a meio ambiente, social e governança (ESG).

“Acreditamos muito que não vai ter vez para empreendedores que não estejam olhando para isso. As pessoas estão preocupadas sobre como o seu produto é feito, quem trabalha na sua equipe, se você se importa com esse debate, se você é ético”, diz Maria Fernanda. “Acho que esse é um caminho sem volta: e que bom que esse é o caso.”

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