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Imagine comer carne de peixe fresca, mas sem espinhas ou dano ambiental. Essa é a aposta da Sustineri Piscis (sustentabilidade do peixe, em latim), startup carioca que está desenvolvendo carne de pescado a partir de células cultivadas em laboratório.

Idealizado pelo biólogo marinho e fundador do Aquário Marinho do Rio de Janeiro, Marcelo Szpilman, o projeto promete produzir uma carne com as mesmas proteínas do pescado original, mas sem precisar pescar ou abater o animal, tudo graças à ciência e à tecnologia. “É um mercado sem volta, muito mais saudável e sustentável”, diz o especialista.

O negócio parece promissor. Segundo a empresa de consultoria norte-americana AT Kearney, a carne celular será 35% do mercado mundial de carne em 2040, projetado para chegar a US$ 1,8 trilhão. “Isso significa que o segmento vai movimentar US$ 630 trilhões, ultrapassando o mercado plant-based”, afirma Marcelo.

Para tirar o projeto do papel, Marcelo investiu capital próprio, de valor não revelado, e contou com o apoio de 5 sócios minoritários para fundar a startup em dezembro de 2019. O projeto de pesquisa em aquicultura celular foi realizado ao longo dos últimos 15 meses, no Rio de Janeiro.

A ciência por trás

Tudo começa com a inspeção das células de 4 espéces comerciais de peixes de verdade – Garoupa, Cherne, Robalo e Linguado. A partir da biópsia, a startup obtém e cultiva as células-tronco, que servem como fonte das linhagens celulares e podem ser reproduzidas indefinidamente.

Essas células crescem no laboratório com a temperatura e quantidade de nutrientes ideais para o cultivo, e são alimentadas em biorreatores para formar a biomassa de proteínas da carne de pescado. Sem nenhuma alteração genética, elas se desenvolvem da mesma forma que fariam nos tecidos de um peixe vivo, o que garante que o produto tenha as mesmas propriedades nutricionais que o animal original.

“Quando falamos em carne de laboratório, muita gente acha que é artificial. Não é imitação de carne ou carne de base vegetal – é a carne genuína do pescado. A única coisa é que ela é cultivada no laboratório”, explica Marcelo. Essa é a primeira bioprodução da carne de pescado cultivada no Brasil. Lá fora, quem investe no processo é a startup alemã Bluu Biosciences e as norte-americanas Finless Foods e BlueNalu.

No caso da Sustineri Piscis, o projeto foi feito com apoio do Banco de Células do Rio de Janeiro,  centro referência em cultura de células humanas e animais no Brasil, contratado para desenvolver e executar o projeto de pesquisa. Além da instituição, a Sustineri contou com 2 especialistas em reprodução celular e, para os próximos meses, deve contratar um engenheiro de alimentos para dar sequência à produção.

O processo, segundo Marcelo, não envolve patente. “A gente não produz a tecnologia, o biorreator ou microcarreador. Não tem patente, só o segredo industrial”, explica. O desafio é reproduzir, além das proteínas, o sabor e a textura do peixe original. “Ainda não chegamos onde a gente quer. Estamos terminando de criar o nosso banco de células e depois vamos focar no protótipo para trabalhar nessas melhorias”, diz o empreendedor. A expectativa é chegar em um protótipo até o final deste ano, produzindo alguns gramas de empanado de carne das 4 espécies cultivadas.

Vantagens e estratégias comerciais

A promessa é que o pescado seja 100% saudável, segura e confiável. “Boa parte dos peixes que consumimos hoje está contaminada por metais pesados, pesticidas e inseticidas e antibióticos, que geram doenças para o ser humano. A carne feita em laboratório é livre desses contaminantes, e ainda virá sem espinhas e parasitas”, explica Marcelo.

Não é preciso pescar e abater o pescado para produzir a carne e a tecnologia reduz o consumo de recursos naturais, como a água do mar, o que evita o esgotamento dos estoques pesqueiros e promove a sustentabilidade e a conservação da biodiversidade dos oceanos. “Como a produção é local não precisa congelar e transportar o pescado, o que economiza energia e combustível, reduzindo a pegada ecológica com menor emissão de poluentes na atmosfera”, diz Marcelo.

A Sustineri Piscis destaca, ainda, que o produto resolve a questão do balanceamento de carcaça. Na aquicultura tradicional, o profissional tira o filé do peixe, mas não consegue monetizar partes da carcaça animal (que são subprodutos pouco valorizados), além das vísceras, escamas, peles, olhos e vértebras, o que gera muitos resíduos. “Na aquicultura celular, não há lixo nenhum, porque a gente só produz aquilo o que vamos comer”, diz.

Segundo o especialista, o custo do produto final também deve ser mais barato para o consumidor. “Hoje, peixe vendido em uma cidade do interior tem um preço alto, porque foi transportado do litoral. Com a tecnologia, posso ter uma bio-peixaria produzindo carne de pescado fresco em qualquer cidade do Brasil”, afirma o biólogo. 

Essa pode ser uma das estratégias da Sustineri Piscis para atrair clientes. Segundo Marcelo, a startup não tem planos de licenciar a bioprodução para outras marcas. “Vamos produzir e comercializar nós mesmos”, afirma. A venda das carnes de pescado deve ser feita nos supermercados, mas o empreendedor não descarta a possiblidade de abrir a sua própria bio-peixaria para vender direto para o público.

A foodtech planeja fechar uma rodada seed em 2023, com a expectativa de levantar de R$ 20 milhões a R$ 30 milhões e, a partir de 2024, entrar no mercado, por meio da produção industrial e comercialização de peças alimentícias de carne moldada (nuggets e hambúrgueres). No futuro, será possível ter a carne cultivada de outros peixes nobres, como atum, salmão, bacalhau e namorado. Outro mercado a ser explorado é o de ração animal, fornecendo o pescado para fazer alimentos para gatos e outros peixes.

A longo prazo, Marcelo espera conseguir trabalhar com as dimensões 3D, com o filé de peixe ou sashimi. A tecnologia já é utilizada em Israel, país referência em pesquisa, inovação e geração de novos negócios. A startup Aleph Farms, por exemplo, já começou a desenvolver carnes bovinas cultivadas usando tecnologia 3D.

“Não tenho dúvidas de que isso vai acontecer no mercado [de pescado], mas levará um tempo. As tecnologias estão sendo estudadas e testadas; é onde todo mundo [do setor] quer chegar”, afirma. “Ter exemplos de fora é muito bom, porque mostra que temos um projeto possível de ser alcançado. O mercado é tão grande que existe espaço para todo mundo”, conclui Marcelo.

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