A conexão de Mariana Silva com a natureza veio da infância. Criada em Catu, uma cidade no interior da Bahia com cerca de 54 mil habitantes, ela acordava cedo para ir à escola – por volta das 5h30 – e durante o trajeto observava com atenção a umidade, a névoa e as plantas da floresta pluvial que tomava conta da paisagem local.
Na juventude, as curiosidades de menina a levaram para a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em Salvador. Lá, iniciou a carreira como pesquisadora, que levou à criação da Planty Beauty, em 2021. A startup usa biotecnologia para produzir cosméticos mais limpos e naturais do que os desenvolvidos tradicionalmente na indústria.
“O segmento de cosméticos é uma paixão minha que não podia ser reprimida. Desde cedo gosto de cuidar da minha pele e pensei que essa poderia ser uma forma de levar o mundo da biotecnologia até as pessoas”, diz Mariana, em entrevista ao Startups. A proposta é unir a ciência à biodiversidade brasileira, usando ingredientes tradicionalmente locais. O 1º produto, lançado em março de 2022, é um hidratante facial vegano feito com extrato de guaraná, caju, babosa e aveia, para regular a oleosidade e a acne.
Para lançar a empresa, Mariana juntou-se com o químico Otto Heringer e o farmacêutico Rodolfo Franco (que não está mais na operação). Eles fizeram um investimento inicial de R$ 300 mil e recentemente receberam R$ 150 mil de um investidor-anjo. Agora, a Planty Beauty planeja o próximo movimento de sua estratégia, com ganhos de escala através de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, novos canais de venda e uma rodada de investimento em 2022.
Superando desafios
A trajetória de Mariana até o lançamento da Planty Beauty foi, no mínimo, desafiadora. Ainda na faculdade ela conseguiu uma bolsa de estudos na Universidade de Manitoba, em Winnipeg (Canadá). “Foi muito importante culturalmente. Eu era uma menina do interior da Bahia que mal tinha viajado no próprio país. Conseguir ir para o Canadá, que é um país completamente diferente em natureza e cultura, foi muito significativo”, afirma.
Mesmo sem saber, sua personalidade já mostrava traços de liderança. “Eu sou daquelas pessoas que vai tirar título de eleitor e volta sendo mesária. Vai para reunião de condomínio e volta como síndica”, relembra, com humor, de algumas experiências dos últimos anos. “Mas não tinha ideia do que era essa sensação de fazer as coisas, mobilizar e liderar.”
Uma amiga do intercâmbio percebeu as aptidões e sugeriu que Mariana pudesse se tornar uma ótima cientista. Mas as vivências que tinha na Academia a desmobilizavam. “Nunca me enquadrei bem por ser uma menina negra, questionadora e do interior da Bahia. A área da saúde é muito branca e elitizada, e eu não conseguia me ver lá dentro”, explica. Ela diz que os atritos estavam tão desmascarados que chegou a brigar com todos os orientadores, da iniciação científica ao mestrado, por ser considerada mais proativa e questionadora do que deveria.
Foi no Canadá, em 2013, que Mariana ouviu pela primeira vez o termo “startup” e se interessou logo de cara com a proposta de criar uma empresa de base tecnológica. Quando terminou a graduação, se inscreveu no MBA de gestão estratégica de negócios da Fiap e mudou-se para São Paulo. “Fui sem parente ou estrutura, com uma mala de 23kg para morar em um albergue. Minha mãe só podia me ajudar financeiramente por 1 mês”, relembra.
Chame de coincidência ou destino, mas no dia que fez exatamente 1 mês da mudança, Mariana conseguiu um emprego na startup Conta Um. “Era uma fintech que não tinha nada a ver com biomedicina ou pesquisa, mas eu estava lá para aprender enquanto fazia o MBA. Em 2017 ela entrou no time de experiência do cliente do Nubank, que considera ter sido a sua grande escola.
Ela estava lá, inclusive, quando o neobanco se tornou um unicórnio, em março de 2018. “Não são só tecnicidades que fazem uma empresa crescer. Aprendi o que é cultura empresarial, ter paixão pelo que se faz e cuidado com o que se trabalha. E tinha uma questão democrática de poder ser quem eu realmente era”, conta. Um impacto tão grande que foi quando ela decidiu iniciar a transição capilar.
Entre a saída da fintech para empreender e a conclusão de outro mestrado na Universidade de São Paulo (USP) Mariana, os desafios no mundo acadêmico e na área da saúde permaneciam. “Decidi continuar, porque eu sempre lutei para ser eu mesma e para que outras pessoas tivessem oportunidades. Não abaixei minha cabeça”, conta.
Reunindo investidores
A Planty Beauty está no processo de captação de um investimento pré-seed, a ser concluído ainda este ano. A expectativa é captar entre R$ 500 mil e R$ 800 mil para desenvolver a área de pesquisa e desenvolvimento da startup e investir em marketing para escalar as vendas. A projeção é vender R$ 650 mil em produtos no 2º semestre.
A companhia está priorizando conversas com fundos institucionais, mas não descarta a entrada de mais anjos no quadro societário. “O momento é bastante desafiador e todo mundo está alarmado com o mercado de investimentos, o que exige uma resiliência do empreendedor”, diz Mariana.
Ela diz que a Planty Beauty tem caminhado com cautela. “O mercado está mais seletivo, e precisamos mostrar robustez. Isso é algo que conseguimos ao desenvolver e apresentar novas tecnologias”, pontua. Mariana reconhece que aumentar produtos é importante para a construção da marca, mas esse não é o foco agora.
“Ao invés de lançar um item novo por mês temos um processo mais lento e responsável”, diz. A ideia é vender um produto novo quando houver uma nova tecnologia embarcada nele. “Inovação é muito importante e permite que a gente não faça mais do mesmo que já existe no mercado.”
A companhia, hoje com 5 colaboradores diretos, está contratando uma cientista de plantas para conduzir as pesquisas. Para este semestre, a startup vai disponibilizar o refil do hidratante facial e deve lançar outros 2 produtos até o fim do ano. As vendas são feitas pelo Mercado Livre e Atlantikos, um marketplace exclusivo de produtos sustentáveis e veganos, além do e-commerce próprio e um ponto físico na Casa Madalena, loja de decoração, moda e auto-cuidado em São Paulo.
Sem abrir números específicos, Mariana afirma que a maior parte da receita vem do site da Planty Beauty. Ainda assim, a startup pretende expandir para outros marketplaces e estuda a possiblidade de abrir canais de venda em farmácias e lojas de cosméticos. Os planos incluem também iniciar o mapeamento de plantas e ativos dos diferentes os biomas do país para criar um banco de dados com informações genéticas.