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O ano de 2017 foi transformador para a brasiliense Jussara Pellicano Botelho, fundadora da Sisterwave, plataforma que conecta viajantes mulheres com anfitriãs. A designer decidiu ir para o Butão, país onde a felicidade é uma política pública com uma amiga, mas precisou seguir sozinha no segundo mês de viagem pela Ásia.

Na Tailândia, conheceu o nomadismo digital e foi picada pelo bichinho da aventura solo. Depois da experiência inicial, fez mochilões de seis meses pela América do Sul, e de três meses pela Europa, viajando sozinha a maior parte do tempo. Nestas viagens, conheceu outras viajantes que estavam em sua própria companhia e um tema recorrente nas conversas era a falta de um Airbnb ou Couchsurfers exclusivo para mulheres.

Jussara então começou a investigar o que poderia ser uma oportunidade de mercado. Depois de participar de uma edição do Startup Weekend Women, refinou a ideia que se tornaria a Sisterwave. Em 2018, iniciou um processo de transição de carreira. No ano seguinte, saiu de seu escritório de design e, munida de sua vivência em desenvolvimento de produto, branding e experiência de usuário, abraçou a startup em tempo integral.

“Viajar é algo transformador, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal. Você aprende novas habilidades viajando, aprende a ser proativa, resiliente, e amplia sua visão de mundo. Meu objetivo desde o início foi facilitar a viagem para o máximo de pessoas possível, mas vi que para as mulheres, haviam mais desafios a resolver”, diz Jussara, em entrevista ao Startups.

Segundo a empreendedora, a startup atende uma lacuna deixada por outras plataformas de acomodação e experiências, ao oferecer uma rede de apoio de mulheres que se ajudam. “Não é só sobre uma hospedagem, mas se conectar por interesses parecidos, e se relacionar com uma moradora local”, ressalta.

Além da acomodação, que foi o foco inicial da Sisterwave, viajantes agora podem encontrar na plataforma experiências oferecidas pelas anfitriãs, como cursos e eventos. Com a pandemia, a startup passou a oferecer a possibilidade de fazer as experiências de forma presencial, ou online. Há também a opção de day use, em que a usuária tem a experiência durante o dia, mas não reserva o pernoite, e a imersão, em que a experiência pode ser reservada com a hospedagem.

Antes de fazer a reserva, a usuária pode buscar hosts por interesses – tipos de perfis incluem mística, urbana, cultural e comilona – e conversar via chat, para sentir se “deu match” entre as partes. A startup fica com uma taxa de intermediação de 14% por reserva. Em um modelo de assinatura, que pode ser mensal, semestral ou anual e custa até R$24 por mês, a taxa não é cobrada.

Hoje, a Sisterwave conta com 22 mil viajantes cadastradas, e 450 anfitriãs. A empresa, que começou com recursos próprios da empreendedora, família e amigos, foi contemplada pelo edital do Start BSB, programa da Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal, e recebeu R$112 mil. A startup abriu uma rodada pré-seed de R$580 mil no mês passado, e já obteve um terço dos recursos pretendidos de um fundo dedicado a negócios de impacto.

Expansão para a Europa

Uma das principais áreas de foco para a Sisterwave é a evangelização sobre o turismo solo de mulheres. Segundo Jussara, este processo busca reverter uma questão com raízes históricas. Até 1962, mulheres precisavam de autorização do pai ou do marido para viajar no Brasil: segundo a fundadora, a lei mudou, mas a barreira cultural permanece. “Existe uma percepção de que mulheres precisam viajar acompanhadas por homens, pois eles trazem uma sensação de segurança”, pontua.

“Mas não precisa ser assim: vejo que a tecnologia e o poder da comunidade podem ajudar mulheres a viajarem mais. Essa combinação vem para dar segurança a muitas mulheres, através do apoio e conhecimento que uma moradora local pode oferecer para a viajante”, acrescenta.

Jussara Pellicano Botelho, fundadora e CEO da Sisterwave

Ao longo do próximo ano, Jussara deve permanecer em Madri, onde está passando pelo programa de aceleração La Nave, da prefeitura da capital espanhola. Segundo a empreendedora, o programa é estratégico para as ambições da startup, que já nasceu com intenções de internacionalização. Além do português, a plataforma está disponível em espanhol e inglês.

“Desde o primeiro pitch da Sisterwave, falo sobre como ter uma rede global de apoio local”, diz a fundadora, cujo projeto ganhou o Prêmio Global de Startups da Organização Mundial do Turismo no ano passado. A competição global de turismo teve mais de 10 mil projetos de 138 países e a startup brasileira se destacou por sua proposta de equidade de gênero ligada ao turismo.

Segundo Jussara, a internacionalização da startup se dá pela península Ibérica, que é a porta de entrada da startup para a Europa. “Os países europeus são nosso mercado principal,” diz a fundadora, acrescentando que a Europa é o continente que tem mais mulheres receptoras e viajantes solo. A fundadora cita uma pesquisa da plataforma de viagens acessíveis Kiwi, que posiciona a Espanha como o terceiro país no mundo que mais tem mulheres que viajam sozinhas, perdendo apenas dos Estados Unidos e Reino Unido.

“No Brasil, mulheres geralmente dizem que uma prima, ou uma amiga distante viaja sozinha, não é algo tão comum. Na Europa, é muito comum uma pessoa dizer que a mãe, a filha ou a companheira viajam sozinhas”, observa.

A oportunidade 60+

Para os próximos meses, a startup vai focar na ampliação de usuários, tanto no Brasil quanto em Portugal e na Espanha. Com o aporte, a fundadora espera efetivar o time de 10 voluntários e consultores da startup. Além disso, novas funcionalidades serão adicionadas à plataforma: o objetivo, segundo a fundadora, é focar em ser “cada vez mais, uma rede social completa”.

Sobre o potencial de mercado, a fundadora da Sisterwave diz que, apesar de a plataforma ter um grande percentual de Millennials, existe um público promissor no horizonte, de mais de 60 anos. “[Estas mulheres] já estão aposentadas e tem mais tempo, além de uma estabilidade financeira maior. Mas ainda existem barreiras a serem vencidas, como o medo e o julgamento”, diz Jussara.

“Parte do nosso trabalho é endereçar isso, inspirando mulheres e mostrando que existem outras mulheres maduras, parecidas com elas, que estão aproveitando a vida e viajando. Esta é uma área de interesse muito grande para nós”, conclui.

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