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Criada para ajudar consumidores a obterem indenizações por cobranças indevidas de empresas de telefonia, a startup carioca Unicainstancia executa seu plano para se tornar o concierge do brasileiro para todos os problemas de direito do consumidor.

Fundada em maio de 2020, a legaltech é liderada por Gilmar Bueno e Sara Raimundo, dois estudantes “inconformados” que se conheceram na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) quando cursavam engenharia de produção e direito, respectivamente. A motivação para criar a empresa partiu do caso da mãe de Gilmar, que, assim como muitos brasileiros, buscava a resolução de problemas com empresas de telecomunicação mas enfrentava uma série de entraves no acesso ao judiciário.

“[A mãe de Gilmar] conta que, na audiência, viu o juiz e o advogado se tratando de forma muito íntima. Para a pessoa que está de fora, isso gera um constrangimento, o consumidor não sabe se as decisões serão imparciais ou não. Além disso, há a questão do linguajar, super burocrático”, diz Sara, em entrevista ao Startups.

O hoje CEO da Unicainstancia então convidou Sara para ajudá-lo a resolver os entraves jurídicos que consumidores enfrentam com metodologias de startup e aproximar consumidores de seus direitos. Nascia então uma empresa que, em dois anos de operação, já atendeu mais de 4 mil consumidores, para os quais gerou R$400 mil em indenizações através de mediação extrajudicial.

Como a Unicainstancia opera

Apoiada por uma plataforma proprietária de inteligência artificial treinada com dados públicos de processos, a Unicainstancia analisa as contas do consumidor para entender possíveis anomalias nas cobranças. O processo de análise das contas acontece em total conformidade à Lei Geral de Proteção de Dados. A partir daí, a startup parte para um atendimento humanizado. Além de evitar o desgaste normalmente envolvido na obtenção de indenizações, a empresa garante o recebimento do pagamento indevido – até R$ 600 – em 24 horas.

“Nosso público é o consumidor Classe C e D: para uma pessoa que ganha cerca de R$2 mil por mês, ter um dinheiro com o qual ela não estava nem contando faz muita diferença”, ressalta a COO da startup. Ela acrescenta que brasileiros gastam, em média, R$700 em cobranças indevidas a cada cinco anos, mas acabam pagando valores adicionais por conveniência ou falta de conhecimento. Além disso, há a questão do tempo envolvido nestes processos: segundo a fundadora, brasileiros normalmente esperam dois anos e oito meses para – talvez – receber uma indenização.

O valor pago aos clientes vem de uma esteira de crédito apoiada por investidores que se beneficiam do spread pago pelas teles, que resulta em um montante bem superior ao valor do processo judicial pago ao cliente. Apesar de não revelar números específicos, Sara diz que a face fintech da startup tem uma margem “considerável” – maior do que um e-commerce, por exemplo – e sustenta muito bem o negócio. Segundo a fundadora, a empresa já alcançou o break-even e o faturamento aumentou em seis vezes nos dois últimos anos.

Além de democratizar o direito do consumidor, a Unicainstancia se posiciona como parceira das empresas, que tem um gasto significativo na manutenção de carteiras de processos, um custo que inclui escritórios de advocacia além das indenizações. Um levantamento da startup com base em dados divulgados pelas próprias teles sugere que em 2020, o valor provisionado para processos chegou a R$ 700 milhões. A resolução extrajudicial oferecida pela startup poderia reduzir este custo em até 60%, diz Sara.

“Nos apresentamos como uma empresa que é amiga destas empresas e reforçamos que não estamos ali para processá-las ou para gerar custos, e sim para que o cliente delas, que já foi prejudicado, tenha uma melhor experiência. Temos galgado esse caminho, para que mais empresas nos entendam como uma parceira na jornada do consumidor”, aponta a advogada.

Problemas que acabam virando processos no que diz respeito a teles estão relacionados à, por exemplo, contas abertas no nome do consumidor sem autorização. Outros são relacionados ao modelo de negócio destas empresas, que terceirizam muitos dos aspectos da operação, diz Sara. “O call center de aquisição não conversa com o atendimento, o horário que o técnico deveria ir à casa do cliente não aparece no sistema. É uma cadeia produtiva em que os elos não se conversam.”

Rodada à vista

Atualmente focada na resolução de problemas judiciais com as teles, o plano da Unicainstancia é usar as experiências da sua atuação em telecomunicações e expandir a atuação para todos os tipos de contas de consumo doméstico. “O consumidor assina cada vez mais serviços digitais como streaming e outros, que tem renovações e aumentos, e muitas vezes perde o controle disso, e paga para não ter que se estressar”, ressalta a empreendedora. “Queremos ser a melhor parceira do consumidor em garantir seus direitos.”

Os fundadores da Unicainstancia, Gilmar Bueno e Sara Raimundo

Para apoiar esta expansão, os fundadores da startup estão levantando uma rodada de R$5 milhões, já com um roadmap rumo à Série A. Segundo Sara, as conversas estão em estágios avançados, com fundos e investidores anjo de fora do Brasil. “Nosso negócio tem uma pegada ESG muito forte. Além disso, estamos trazendo retornos significativos para os nossos stakeholders e isso tem chamado a atenção de investidores estrangeiros”, pontua.

“Tem sido interessante explicar o judiciário brasileiro para um investidor dos Estados Unidos, ou Reuno Unido. Naqueles países também existe uma burocracia, um rito para que consumidores sejam indenizados. Mas o direito do consumidor funciona de uma maneira diferente por lá, as empresas respondem muito mais rápido a este tipo de problema do que aqui no Brasil”, observa.

Segundo Sara, a pauta racial tem evoluído entre os investidores, apesar de o avanço ainda não acontecer a passos largos. “Não digo que há uma diferença gritante [em relação ao Brasil] em termos de abertura para conversas, mas certamente há uma crescente maturidade. Não existe um estranhamento quando se fala com fundadores pretos: [para os fundos estrangeiros] não somos pessoas pretas, e sim pessoas falando sobre negócios”, pontua.

Representatividade importa

Analisando o crescimento da Unicainstancia desde sua fundação, Sara diz que a crescente representatividade de pessoas negras no ecossistema de startups no Brasil fez muita diferença na trajetória da empresa. Em dois anos, a empresa recebeu investimento do Black Founders Fund, do Google e antes disso, passou pela aceleração da BlackRocks Startups.

“Quando criamos a empresa, eu e meu sócio ficávamos buscando referências, já que eu vim do direito, e não do mundo da tecnologia. [A pergunta era:] quem é a mulher preta, empreendedora, que tenha uma startup de sucesso, em que eu possa me espelhar? Participar do processo da BlackRocks foi maravilhoso, tanto do ponto de vista de desenvolvimento do negócio, quanto do reconhecimento, de poder se ver no outro”, diz a fundadora.

Comentando sobre sua experiência à frente de um negócio em franco crescimento, Sara diz que boa parte da construção se deve à sua formação na UFRJ, em que desenvolveu trabalhos acadêmicos apresentados no Canadá e em Portugal, em áreas que incluem universalização da internet – algo que tem se provado útil em seu trabalho na Unicainstancia. “Gostaria que mais pessoas que estudam em universidades públicas pensem em desenvolver algo para a sociedade como forma de retornar o que receberam”, aponta.

Empreender não é um caminho fácil, mas que se mostrou possível, diz Sara. “A Unicainstancia é prova de que sonhos podem ser realizados. Muitas pessoas nos ajudaram a chegar até aqui, como a Maitê [Lourenço, CEO da BlackRocks] e sua equipe, o pessoal do Black Founders Fund e empreendedores maravilhosos que encontramos pelo caminho, e todo o afago, os encontros e a troca de ideias nestes grupos, além dos nossos clientes. Fomos feitos de muitas mãos”, finaliza.

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