
Se não basta falar horrores do South by Southwest durante os dias em que o evento está rolando, agora as redes sociais são inundadas das impressões que as pessoas tiveram do festival. E para a edição 2025, parece que o sentimento geral é de desilusão, de incômodo, de desconforto com os tempos atuais e com o papel do SXSW como arauto de um futuro diferente. Parece que o amor acabou. Entretanto, depois de mais de uma semana em Austin, a pergunta que lateja na minha cabeça é um pouco diferente: será que o problema está no festival, ou o SXSW 2025 nada mais é do que um sintoma de algo muito mais amplo?
Esse foi meu primeiro SXSW, e eu meio que já tinha me “vacinado” em relação aos comentários de que o evento tinha “perdido a sua alma”, ou que se tornou uma sombra do que era 15 ou 20 anos atrás, em meio a seus caríssimos crachás de diferentes cores ou patrocínios de bancões – brasileiros, por sinal.
Na real, essa história de “o SXSW acabou” já existe há pelo menos uns 10 anos, se não mais. Em 2016, o Mashable escreveu que o SXSW “se perdeu pelo caminho”. Em 2011, o TechCrunch disse algo parecido. O Venturebeat também fez essa pergunta lá em 2013.
Vejam bem, todos esses questionamentos feitos pelos veículos de lá foram feitos até antes dele virar o “xodozinho” dos brasileiros. Será que isso quer dizer que nós somos atrasados até em dizer que algo está ultrapassado?
Na minha humilde opinião, acho que o SXSW até tenta ser um festival menos corporativo. Tirando algumas big techs como a IBM, ou as discussões óbvias sobre IA ou whatevers sobre a volta dos mamutes (pra quê mesmo?), teve sim espaço para gerar incômodos ou desafiar o status quo, mesmo no palco principal (no caso, o Ballroom D).
Aqui vão uns exemplos: teve a Meredith Whittaker (CEO do Signal) apontando a IA agêntica como um risco, teve o Scott Galloway aproveitando toda chance possível de ofender o Donald Trump e, obviamente, a Jay Graber (da Bluesky) dando um cutucada sutil no Mark Zuckerberg. E se você tirou o tempo para visitar paineis menores e ainda mais provocadores, deu pra sair com ideias que dificilmente se vê em outros lugares.
Não sei se vocês notaram, mas a história da Rivian ser a marca mais proeminente entre os patrocinadores me pareceu algo até anti-establishment. Tudo bem que a Amazon é investidora da Rivian, mas em uma cidade onde a Tesla tem uma fábrica, quem estampa sua marca no maior evento local é uma pequena montadora que vende pouco mais de 50 mil veículos ao ano. Seria isso incomodar o status quo?
Tudo isso que eu citei já são mais posicionamentos antagônicos e divergentes da agenda geral que se vê na maioria de eventos tech que temos por aí. Talvez seja menos do que se espera de um evento que nasceu totalmente outsider como o SXSW? Possivelmente. Mas se você quer falar que a alma não está mais ali e buscar tal essência em outro lugar, bem, aí eu preciso perguntar qual é a alma que você está procurando. Qual é a “alma” do South Summit? Ou a “alma” de um Web Summit? Será que é hora de povoar a Finlândia no fim do ano e dizer que o Slush é o lugar para se estar?
Sintoma de outra coisa
Como eu disse, esse foi meu primeiro SXSW presencial, mas eu acompanho o evento desde 2003 – aliás, o título desse texto faz referência a uma canção de uma banda que eu conheci devido ao festival aquele ano. Na ocasião, os canadenses do Godspeed You! Black Emperor tocaram no SXSW, causando uma grande repercussão.
Não por acaso, escolhi a frase do GY!BE pois acho que ela tem muito a ver com o mundo em que vivemos, e que reflete a aparente estafa atual de muitos com o SXSW. Talvez a desilusão não seja em decorrência de uma falta de insights, e sim um mundo onde os insights estão cada vez mais perdendo a relevância. O otimismo e a confiança com a tecnologia e criatividade deram lugar a um sentimento de incerteza sobre tudo e uma ansiedade tremenda. Amy Webb que o diga.
É muito fácil dizer que a IA nos tornará mais eficientes. A pergunta que começa a aparecer é: eficientes a ponto de quê? Onde vamos chegar e o que vamos ganhar sendo mais rápidos e produtivos? Talvez essa ansiedade tenha aparecido para muitos, ao se depararem com o que teve no SXSW 2025. Junta isso com a ansiedade de produzir um monte de conteúdo, e de mostrar que está lá vendo qualquer platitude que seja, e temos uma receita explosiva.
Conversando com alguns nativos de Austin, ouvi eles dizerem que foi a criação do SXSW Interactive que acabou com a “alma” do SXSW, que originalmente era um festival primordialmente de música e cinema. Fiquei um tempo refletindo sobre isso. Talvez o problema estava lá desde o começo e a gente só foi acordar da ilusão agora.
Aliás, com quantos moradores de Austin você conversou durante o festival?
Por muito tempo se acreditou em um futuro próspero e interessante por meio da tecnologia, de que negócios “disruptivos” transformariam nosso jeito de viver para melhor. Hoje em dia a gente não sabe se fica totalmente admirado ou em completo pânico pelo amanhã ao entrar num Waymo sem motorista, como deu pra fazer nesses dias em Austin. Mandei o vídeo para o meu pai (um ex-motorista de ônibus) e ele simplesmente me respondeu o seguinte, sem mais nem menos: “Isso é o futuro”. Se isso é bom, eu não tenho a mínima ideia.
A bem da verdade, acho que seria muita pretensão da nossa parte esperar de um evento como o South by Southwest – de qualquer evento, pra ser honesto – um direcionamento sobre os caminhos que podemos seguir no futuro. Não deveria ser assim nem quando o SXSW era supostamente cool. Digo mais: seria muita ingenuidade nossa achar que essas respostas podem estar em um evento em outro lugar, já que não estão mais em Austin.
Porém, chegar a essa constatação não é algo muito atrativo para quem precisa justificar uma caríssima viagem para sua empresa, ou precisa alimentar uma máquina insaciável de conteúdo. No meu caso, enquanto jornalista, as questões podem ser tão interessantes quanto as respostas, mas para quem precisa fazer um PPT para apresentar na firma, talvez os insights sejam mais enfadonhos esse ano.
Talvez seja hora de visitar o Amapá, mas aí não tem show do Benson Boone. Por outro lado, tem roda de marabaixo.
Um guia para curtir o SXSW
Quer saber mais uma opinião minha, totalmente não solicitada? Como um fã antigo de Austin (apesar de ser meu primeiro SXSW, já estive outras vezes lá), acredito profundamente que entender um pouco mais sobre a “alma de Austin” ajudaria de montão a entender a alma de algo como o South by Southwest.
Entretanto, garanto uma coisa: ir todo dia na SP House, passar toda noite no Pete’s, passar hora em fila para ver palestra que dá pra ver depois no YouTube e falar a maior parte do tempo em português, talvez não devesse ser o SXSW. De repente uma hora eu fale mais sobre isso.